Alfredo Sirkis e Emilio La
Rovere*
Dois fatores podem nos ajudar nesse
sentido. O primeiro é que tecnologias limpas se tornaram disponíveis a baixo
custo e em grande escala. Não apenas parques eólicos e painéis solares, como também
baterias, veículos elétricos, biocombustíveis, florestas plantadas e
agricultura de baixo carbono. Mas a transição vai precisar de vultosos investimentos:
mais de um trilhão de dólares por ano na próxima década nos países em
desenvolvimento, onde se encontram as melhores oportunidades. Parece uma
quantia enorme, mas é só 5% do PIB da Europa, que há pouco lançou o Plano
Juncker, para investir 700 bilhões de dólares em sua infraestrutura no prazo de
apenas cinco anos. Um plano semelhante para enfrentar as mudanças climáticas
traria benefícios muito maiores para todos.
O segundo fator é a gigantesca massa
de recursos financeiros em mãos de fundos de pensão, fundos soberanos, seguradoras
e gestores de patrimônios privados buscando opções para sair de ativos em
combustíveis fósseis crescentemente arriscados e problemáticos. Os mercados
globais de bonds circulam 100
trilhões de dólares, e os de investimento 60 trilhões. Como mostra o sucesso
recente das emissões de green bonds,
uma parcela crescente deste montante estaria disponível para aplicar em
infraestrutura sustentável de baixo carbono, desde que os riscos sejam
reduzidos.
Há nesse universo uma cultura de
aversão ao risco que apresentam investimentos com um grande dispêndio inicial (o
upfront investment), longo prazo de
maturação e retorno lento, que parecem menos interessantes em comparação com
outros, notadamente os de caráter mais especulativo. No entanto, “ações de
mitigação” (que resultam em emissões de GEE reduzidas, removidas ou evitadas)
têm um “valor econômico, social e ambiental” intrínseco, reconhecido no
Parágrafo 108 do preâmbulo do Acordo de Paris, cujo texto original foi
apresentado pelo Brasil.
Como reduzir esses riscos e os riscos
cambiais e de estabilidade política dos países hospedeiros? Garantias públicas
de países industrializados que cubram uma parcela do investimento em projetos
de baixo carbono nos países em desenvolvimento podem constituir um instrumento
eficiente para alavancar capitais privados (o efeito multiplicador típico é de
12 a 15 vezes), a um custo bem menor (spreads
2,5 a 3,5% menores) e com prazos de amortização bem maiores (12 a 18 anos).
A reunião de cúpula convocada pelo
presidente Emanuel Macron, que levou 127 países a Paris no dia 12 de dezembro, forneceu
a oportunidade para um primeiro passo elementar nesse sentido. Com efeito, no
âmbito do 5º novo compromisso assumido pelo governo da França, “Sair das
energias do passado e acelerar o desenvolvimento das energias renováveis”, um
dos pontos mencionados foi “o aumento do recurso às garantias públicas para
desenvolver as energias renováveis nos países em vias de desenvolvimento”. Uma
forma de realizar essa ideia seria a constituição de um Clube de Iniciativas
Financeiras para enfrentar a Mudança Global do Clima, com mais governos além do
da França, bancos centrais, bancos de desenvolvimento e agências multilaterais,
fundos soberanos e investidores institucionais, dispostos a avançar na
experimentação de novos mecanismos de financiamento baseados no valor das ações
de mitigação.
O próximo passo seria a constituição de um Fundo Garantidor para
financiamento de projetos de descarbonização nas áreas florestal, de energia, transportes,
agricultura, etc. Esses parceiros, unidos, teriam como tarefa coletiva colocar sobre
a mesa garantias públicas capazes de permitir uma condição AAA a projetos
descarbonizantes em países onde, em condições normais, esses seriam proibitivos
– entre eles o Brasil. Isto também forneceria uma contribuição importante ao
cumprimento de outros compromissos internacionais assumidos no “One Planet
Summit” de 12 de dezembro: “Ações dos bancos centrais e das empresas” (nº 9), “Mobilização
internacional dos bancos de desenvolvimento” (nº 10), “engajamento dos fundos
soberanos” (nº 11) e “Mobilização dos investidores institucionais” (nº 12).
O valor econômico intrínseco das
ações de mitigação seria expresso em garantias públicas capazes de alavancar
recursos muito maiores do setor privado, destinados não só aos investimentos
propriamente ditos como também ao pré-investimento, para preparar um pipeline de bons projetos, hoje em falta:
mesmo que houvesse a almejada disponibilidade de capital, há na atualidade – e
não apenas no Brasil — um déficit de bons
projetos que possam ser rapidamente executados.
Esta proposta foi elaborada por uma
rede internacional de proponentes de novos mecanismos de financiamento com a
participação de gestores públicos, acadêmicos e quadros do setor empresarial e
do terceiro setor do Brasil, França, Índia, EUA e outros países, para ser
colocada na ocasião dessa Cúpula, cujas características permitiram o lançamento
de ideias mais audaciosas e ousadas do que as COPs da UNFCCC, dependentes do
consenso de 196 governos e de uma visão dominante que ainda vê o financiamento
da descarbonização sob a ótica de transferências líquidas intergovernamentais
Norte-Sul. Pode ser um pequeno grande passo.
*Artigo publicado em 8/1/2017 no jornal Valor Econômico.
Alfredo Sirkis é coordenador geral do Fórum
Brasileiro de Mudanças Climáticas.
Emilio Lèbre La Rovere é professor titular da
COPPE/UFRJ, autor de relatórios do IPCC e da Comissão Stiglitz-Stern.
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