A crise com os caminhoneiros que paralisam o país é antes de mais nada o colapso desse modelo rodoviarista que
criou uma dependência total do caminhão para o abastecimento (61% das cargas) de todo um país que simplesmente abriu
mão do desenvolvimento de suas ferrovias, hidrovias e cabotagem. Além do transporte de carga movido a diesel ser altamente emissor
e poluente ele deixa o Brasil em estado de extrema vulnerabilidade frente a um grupo
de pressão relativamente reduzido –os sindicatos de transportadores—e ao sabor
das inevitáveis oscilações do preço do petróleo no mercado internacional.
Estamos
nas mãos dos operadores de uma frota em boa parte sucateada e de uma categoria sofrida e
ressentida que se sente vulnerável, abandonada. A crise atual também é uma enésima oportunidade
para enfrentar esse problema nas suas múltiplas facetas. Alguns números: a
frota de caminhões no Brasil é de aproximadamente 1,3 milhões de veículos.
Desses cerca de 700 mil têm mais de vinte anos Metade dos CNPJ do setor
possuem apenas um a dois veículos. A grande maioria dos caminhões são velhos, estão nas
mãos de motoristas de meia idade e sem capacidade de investimento alguma quando
não fortemente endividados. Como agravante, na sua maioria, rodam por estradas não
ou mal pavimentadas e dirigem de forma a leva-los a desperdiçar combustível, poluir mais e se expor a panes e acidentes.
Há soluções
tanto para reduzir a vulnerabilidade e a dependência do Brasil para com o
transporte rodoviário e os caminhoneiros quanto para reduzir as emissões de CO2 e
de gases poluentes de efeito local dos veículos. É preciso investir fortemente no transporte
ferroviário, fluvial e litorâneo. ˙Há diversos projetos prontos nas gavetas
governamentais há bastante tempo. Permitiriam estender ferrovias existentes como a
Norte-Sul, ampliar a capacidade portuária nos rios e realizar algumas intervenções
pontuais, promover as conexões intermodais de forma a que o caminhão seja
utilizado em percursos mais curtos interligado a outros modais.
A frota
de caminhões precisa ser modernizada urgentemente com um projeto de renovação
que leve ao sucateamento imediato dos com mais de 30 anos (cerca de
200 mil!). É preciso adotar padrões de emissão mais rigorosos nos novos. A ANFAVEA vm fazendo um intenso lobby contra isso. Estão obtendo no Rota
2030 a ausência de metas mais severas de controle da poluição até 2032,
colocando o Brasil na rabeira internacional, mesmo entre países em
desenvolvimento.
A CNT (Confederação Nacional do Transporte) apresentou um oportuno projeto denominado RenovAr que permite a recompra de caminhões velhos para
sucateamento com um financiamento de até 8 anos para o camioneiro. Outras
medidas obvias seriam uma maior oferta e uso de biodiesel –menos vulnerável às
oscilações de mercado internacional-- e
a eletrificação. Os caminhões elétricos já são uma realidade, seu uso depende
de uma rede elétrica inteligente para o abastecimento e de baterias capazes de dar
conta de viagens mais extensas. No entanto, como opção para frotas urbanas como
a de coleta de lixo, já estão na ordem do dia.
Em mais
algumas décadas boa parte do transporte de carga será elétrico. Assumirão
a liderança desse processo países que hoje impõem padrões de emissão mais
exigentes, possuem mecanismos eficazes de financiamento da renovação de frotas
e investem na infraestrutura de recarga elétrica de veículos de todo tipo. Aqui, não apenas não temos nada disso como somos pegos de surpresa por crises perfeitamente previsíveis, sem nenhum plano de contingência ou estratégia para lidar com elas. Um caminhão velho, de freio na lona e soltando fumaça, ora bloqueando uma rodovia é nosso sinal dos tempos.
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