24/05/2018

Caminhoneiros: a crônica de um colapso anunciado

A crise com os caminhoneiros que paralisam o país é antes de mais nada o colapso desse modelo rodoviarista que criou uma dependência total do caminhão para o abastecimento (61% das cargas) de todo um país que simplesmente abriu mão do desenvolvimento de suas ferrovias, hidrovias e cabotagem. Além do transporte de carga movido a diesel ser altamente emissor e poluente ele deixa o Brasil em estado de extrema vulnerabilidade frente a um grupo de pressão relativamente reduzido –os sindicatos de transportadores—e ao sabor das inevitáveis oscilações do preço do petróleo no mercado internacional.

 Estamos nas mãos dos operadores de uma frota em boa parte sucateada e de uma categoria sofrida e ressentida que se sente vulnerável, abandonada. A crise atual também é uma enésima oportunidade para enfrentar esse problema nas suas múltiplas facetas. Alguns números: a frota de caminhões no Brasil é de aproximadamente 1,3 milhões de veículos. Desses cerca de 700 mil têm mais de vinte anos Metade dos CNPJ  do setor possuem apenas um a dois veículos.  A grande maioria dos caminhões são velhos, estão nas mãos de motoristas de meia idade e sem capacidade de investimento alguma quando não fortemente endividados. Como agravante, na sua maioria,  rodam por estradas não ou mal pavimentadas e dirigem de forma a leva-los a desperdiçar combustível, poluir mais e se expor a panes e acidentes.  

 Há soluções tanto para reduzir a vulnerabilidade e a dependência do Brasil para com o transporte rodoviário e os caminhoneiros quanto para reduzir as emissões de CO2 e de gases poluentes de efeito local dos veículos. É preciso investir fortemente no transporte ferroviário, fluvial e litorâneo. ˙Há diversos projetos prontos nas gavetas governamentais há bastante tempo. Permitiriam estender ferrovias existentes como a Norte-Sul, ampliar a capacidade portuária nos rios e realizar algumas intervenções pontuais, promover as conexões intermodais de forma a que o caminhão seja utilizado em percursos mais curtos interligado a outros modais.

 A frota de caminhões precisa ser modernizada urgentemente com um projeto de renovação que leve ao sucateamento imediato dos  com mais de 30 anos (cerca de 200 mil!).  É preciso adotar padrões de emissão mais rigorosos nos novos. A ANFAVEA  vm fazendo um intenso lobby contra isso. Estão obtendo no Rota 2030 a ausência de metas mais severas de controle da poluição até 2032, colocando o Brasil na rabeira internacional,  mesmo entre países em desenvolvimento. 

 A CNT (Confederação Nacional do Transporte) apresentou um oportuno projeto denominado RenovAr que permite a recompra de caminhões velhos para sucateamento com um financiamento de até 8 anos para o camioneiro. Outras medidas obvias seriam uma maior oferta e uso de biodiesel –menos vulnerável às oscilações de mercado internacional--  e a eletrificação. Os caminhões elétricos já são uma realidade, seu uso depende de uma rede elétrica inteligente para o abastecimento e de baterias capazes de dar conta de viagens mais extensas. No entanto,  como opção para frotas urbanas como a de coleta de lixo, já estão na ordem do dia.


 Em mais algumas décadas boa parte do transporte de carga será elétrico. Assumirão a liderança desse processo países que hoje impõem padrões de emissão mais exigentes, possuem mecanismos eficazes de financiamento da renovação de frotas e investem na infraestrutura de recarga elétrica de veículos de todo tipo. Aqui, não apenas não temos nada disso como somos pegos de surpresa por crises perfeitamente previsíveis,  sem nenhum plano de contingência ou estratégia para lidar com elas. Um caminhão velho, de freio na lona e soltando fumaça, ora bloqueando uma rodovia é nosso sinal dos tempos.

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