Tive
muitas dúvidas –e continuo a tê-las—sobre a pertinência histórica do
impeachment da Dilma. Era um governo deveras catastrófico. Praticara um
estelionato eleitoral descarado. Cabia,
de fato, por um fim ao hegemonismo e à pretensão do PT de tornar-se o PRI
brasileiro: perpetuar-se no poder às
custas de uma imensa máquina de corrupção dentro do Estado e suas empresas. A
base jurídica do impedimento, no entanto, era e permanece controversa. Carente de um
mecanismo institucional regular de derrubada do governo, o voto de desconfiança
parlamentarista, o Brasil, pela segunda vez em quatro mandatos, promoveu a crise
de estado para remover uma presidente inepta.
Na época eu advertia que os sucessores
herdariam a crise e que o PT teria tempo de responsabiliza-los pela dita cuja
com oportunidade de se eximir. Pelo menos Lula, pessoalmente, conseguiu. Apesar de
preso mantem sua dianteira nas pesquisas com boa possibilidade de ser eleito,
caso pudesse se candidatar. O PT ficou muito desmoralizado e combalido mas a
liderança pessoal/carismática de Lula continuou nos segmentos mais pobres e se nutre da desmoralização de seu
ex-aliado agora adversário.
Temer
fora escolhido pelo próprio PT para vice e, nos seus primeiros tempos, achei uma certa graça do ódio que os petistas passaram
a lhe devotar, da profunda raiva que tinham dele.
Lhes dizia: foram vocês que escolheram o cara para vice! Agora deixem-no governar como
transição. Não apostem no quanto pior melhor pois virá algo muito mais à
direita.
No governo, o PMDB chamou o Henrique Meirelles, o ex-presidente
do Banco Central de Lula, que
implementou uma política que, grosso modo, fazia sentido a curto prazo para tirar a economia
do fundo do buraco que a política de Dilma o metera, antes e depois do seu cavalo-de-pau na economia. No entanto a política de Meirelles, desdobrada no
tempo, fazendo de uma necessidade imediata virtude permanente mostra-se um problema.
Daquele
conjunto de medidas de UTI econômica –que salva a vida do paciente mas não garante
sua saúde-- destacava-se a reforma da Previdência,
algo impopular em todo o mundo mas fundamental. As pessoas estão vivendo muito
mais, há na pirâmide etária menos jovens para sustentar os aposentados com suas
contribuições e o Brasil tem segmentos privilegiados num nível que nem os
países ricos conseguem bancar. Ou seja, era necessário, de fato, tomar medidas que
assegurassem a sobrevivência futura da Previdência, estruturalmente ameaçada aqui como em outros
países que estão envelhecendo.
A reforma da Previdência provavelmente teria seria aprovada não fosse o episódio de Wesley
Batista, da JBS, sendo recebido no Palácio Jaburu por Temer e grampeando-o por
conta de uma conspiração ainda hoje meio obscura, orquestrada pelo então procurador geral
Rodrigo Janot com auxiliares que faziam jogo duplo. Resultou naquela delação premiada que
estarreceu e escandalizou o país e que depois grampeou-se a si mesma.
O escândalo, equivalente a uma explosão atômica, inaugurou essa era atual de completa irresponsabilidade e histeria cujo
maior quinhão de culpa cabe à grande mídia. A fita gravada em condições que,
normalmente, o Judiciário brasileiro não
acolheria, não chega a ser conclusiva com força de prova insofismável embora altamente constrangedora, politicamente, para o grampeado. Mas ela mostrou que todos sabíamos: o PMDB comunga das práticas corruptas hegemônicas na política
brasileira. Acaso supresa?
A partir
daí a grande mídia que não conseguiu nunca ter o mínimo de bom senso para conseguir
separar o personagem que poderá se julgado findo o mandato, como qualquer cidadão responde pelos atos, da instituição presidencial que, essa, precisa ser
preservada, senão se instala o caos. Por duas vezes ela prestou concurso as suas tentativas de remoção pelo Janot via Congresso, a segunda em menos de uma ano, como se isso fosse produzir algum presidente de transição
melhor. Era só olhar a linha sucessória...A falta
dessa noção, elementar, do que é pior para o país, provem de uma onipotência jornalística. O todo poderoso
coleguinha não se conforma que um governante ou auxiliar que esteja na sua alça
de mira deixe de “cair”. Tem que derruba-lo , a qualquer preço para mostrar sua força.
A partir daí
o frágil e apagado presidente de
transição, um insider da política tradicional, herdeiro da chapa formada pelo PT,
tornou-se o alvo diário não apenas de seus antigos aliados, traídos, cegamente
ressentidos, como também da grande
mídia, do MP e de setores do Judiciário que se atribuem o protagonismo heroico
de livrar o país dos corruptos como uma consideração absoluta que não considera
nenhum outro fator ou dano colateral. Eles simplesmente não se interrogam, nem
por um instante, se os métodos e a dose
da quimioterapia não periga matar o paciente: a frágil e relativamente recente
democracia brasileira.
Toda
noite o país é exposto a uma
catarse emocional com aquele noticiário repetitivo, histérico, editorializante
–frequentemente panfletário-- no qual
ela se arroga o papel de palmatória moral do país lá do alto se seu poderio de
“construir” a realidade tal qual será percebida por dezenas de milhões de
pessoas. Joga ininterruptamente na emoção e no “indignismo”. Isso meses e meses
a fio com reverberação das redes sociais cria o clima patético no qual nos encontramos
atualmente e que é o viveiro da extrema direita. Evidentemente, que todos fatos devem, sim, ser noticiados. No entanto, qualquer
um que tenha acesso pela TV a cabo aos noticiários em países com democracias mais consolidadas, percebe
como é anômala essa nossa cobertura da corrupção nossa como o dado absoluto, dominante, permanente, da atualidade, aconteça o que acontecer no
Brasil e no mundo.
Nas
democracias, em geral, o tom é mais sóbrio e quando os jornalistas
“editorializam” o fazem em painéis plurais de convidados onde se
expressam variadas opiniões e análises.
Um tom assim como esse que temos aqui costuma ser apanágio de sistemas de mídia
de hegemonia governamental como o de Vladimir Putin, na Rússia, por
exemplo. Um noticiário fortemente direcionado e opinativo expressando basicamente as posições
do governo. No Brasil, temos esse poderio quase
monopolista só que
expressando uma oposição virulenta e sistemática e um esforço para derrubar –não se sabe bem de que maneira e para colocar quem no lugar-- um governo frágil e desmoralizado governo de transição. Isso certamente ameaça sua única missão legítima: aquela de estabilizar minimamente o país para que possamos realizar, em paz, eleições
gerais de 2018, a partir das quais formar-se-ia –se Deus quiser-- um outro governo mais legítimo e minimamente
respaldado socialmente. Muito embora, atualmente, não se consiga bem vislumbrar quem poderia propiciar isso ao Brasil... Nessa situação periclitante não botar fogo no circo é uma providência recomendável.
Esse
fenômeno de diária demolição midiática de um governo bundalelê que busca sua
sobrevivência no jogo fisiológico parlamentar caracteriza a situação
entrópica em que nos encontramos. Perdemos a oportunidade das reformas –sobretudo a da Previdência—e os
remédios de economia clássica (ou neoliberais, se preferirem o clichê) já deram
o que tinham que dar. A UTI afasta o risco mas não torna o paciente saudável. Uma
influência econômica externa de sinal negativo volta a interferir e se
avolumar: aumento dos juros nos EUA, protecionismo e maluquices de Trump, alta
do petróleo, instabilidade.
Nessa
situação o Brasil está dividido, pulverizado
como nunca. Sua classe média anda perfeitamente enlouquecida, à direta e à
esquerda, como grande contribuição das redes sociais, esse patético multiplicador da discórdia e da agressividade. As
“políticas de identidade”, pelas quais grandes temas que poderiam unir os
brasileiros acabam soterrados, tornam-se fatores de mais divisão e subdivisão. Eis
que a Torre de Babel, a algarravia ou a
fitna –como dizem os hispanos e os árabes— cresce e se multiplica do
Iapoque ao Chuí.
O fenômeno mais grave de todos, de longe, é o aumento notável da criminalidade violenta e da insegurança cidadã que está levando as pessoas ao pânico --como sempre péssimo conselheiro. Para coroar temos aí essa greve (com lockout patronal) de caminhoneiros que paralisa o país abrindo caminho para outras, oportunistas, como a aventada dos petroleiros cujas lideranças sindicais nunca assumiram a responsabilidade pelo dano causado no momento anterior.
O fenômeno mais grave de todos, de longe, é o aumento notável da criminalidade violenta e da insegurança cidadã que está levando as pessoas ao pânico --como sempre péssimo conselheiro. Para coroar temos aí essa greve (com lockout patronal) de caminhoneiros que paralisa o país abrindo caminho para outras, oportunistas, como a aventada dos petroleiros cujas lideranças sindicais nunca assumiram a responsabilidade pelo dano causado no momento anterior.
Um
governo assim tão desarvorado, de fato, não terá mais autoridade alguma para lidar com
esse tipo de problemas. À esquerda, alguns cretinos imaginam que isso de alguma
forma pode vir a favorece-la. Deveriam estudar mais os processos que levaram a
vitória do fascismo nos anos 20 e, depois, do nazismo, nos 30 do século
passado. A extrema direita está bem mais apta que a extrema esquerda para explorar o
desalento e os ressentimentos
sociais quando os conflitos se tornam
histéricos.
O problema da direita brasileira, historicamente estatista, é que resolveu, como antes de 64, bancar as vivandeiras, e ir bater à porta dos quarteis
porque seu líder político é de tal modo primário que não aparece, a princípio, como alternativa
de poder imaginável, ainda que não nunca se deva subestimar a burrice humana em tempos
malucos. Trump está aí para ilustrar...
Os
militares, no entanto, sabem melhor. Não tem a menor vontade de voltar a ter
que exercer responsabilidades de governo. A sociedade atual é mil vezes mais
complexa do que aquela recém-industrializada e em plena influência da guerra
fria, de 1964. Sabem que os problemas do país são tremendamente complicados e
não existe mais uma geração “política” de oficiais que aspire o poder como
aquela que se formou e bifurcou a partir do tenentismo. Os novos tenentistas
são alguns expoentes do Judiciário e do MP, instituições que hoje acumulam um
imenso poder mas apenas para prender, condenar e destruir esquemas delitivos
mas não aquele poder que permita resolver, na vida real, os tremendos problemas da população brasileira que se descortinam diante de nós. Alguns poderão ser assolados pela tentação de querer usar os militares como sua guarda pretoriana.
É muito ingênuo acreditar que simplesmente combatida
a corrupção tudo mais irá se resolver. Frequentemente
ouço pessoas dizendo: "o problema do Brasil é que o dinheiro do país foi todo roubado. É só
deixar de roubar e a vida vai melhorar". Bem, há dois anos, felizmente, deixaram
de roubar bilhões nas estatais. Aliás, o gasto público, em si, foi
fortemente contido. O BNDES deixou de
despender dinheiro do tesouro com os “campeões” da economia. A devassa, só nas empreiteiras
suprimiu diretamente cerca de 600 mil empregos. Indiretamente alguns milhões. Por
enquanto não dá para garantir que isso tenha recuperado a economia e gerado uma
nova cultura no mundo empresarial ou político. Pode se dizer que acabou a
impunidade e isso é bom. Mas substituí-la por um clima permanentemente persecutório
dificilmente será para a felicidade geral da nação ou "bom para os negócios".
Não
reclamem da falta de autoridade do governo! Ela é o resultado lógico de opções
que foram tomadas por atores poderosos e irresponsáveis, incapazes de entender
como se dão os processos históricos nem levar em consideração a famosa lei das
consequências não antecipadas. A corrupção é um grave problema do país e
precisa ser vencida. Isso não vai acontecer do dia para noite nem, unicamente, pela
via punitiva. Certamente não será pela criminalização da ação política nem pela
sua descontextualização cultural ou pelo esquecimento de que a representação
política de má qualidade que temos hoje não são extraterrestres que vieram de Marte.
Foram todos
eleitos. Expressam uma determinada cultura
política a ser superada mas que não o
será simplesmente pela vingança penal e pelo indignismo. Por outro lado, essa corrupção é apenas uma parte mais visível do imenso patrimonialismo
brasileiro onde vicejam privilégios perfeitamente “legais” ou semi-legais que
drenam da sociedade para o Estado recursos talvez maiores do que a própria
corrupção deslavada. Da mesma maneira, se analisarmos o momento anterior, o desgoverno, a incompetência e as políticas públicas equivocadas causaram prejuízos
ao país ainda maiores do que a corrupção. O quadro atual não é em nada favorável a uma melhor governança. Favorece a paralisia e a passividade. Não há autoridade e as condições governabilidade estão perto de zero.
É
urgente estabilizar minimamente o país para permitir que as eleições de 2018 --cujo prognóstico até agora não é nada animador-- ocorram num clima de calma e possibilitem um
debate eleitoral minimamente sério e sóbrio. Esse mesmo que os demagogos extremistas
preferirão coibir. A responsabilidade de cada um está na razão de seu poder e de
sua influência. Isso tudo pode
desandar muito mais do que se imagina. Devagar com andor que o santo é de barro. Mas, diziam: a
esperança é a última que morre e Deus é brasileiro... Tomara que sim.
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