Acabou fracassando, estrategicamente, porque não foi acompanhada por uma
profunda reforma das policias com o fim das escalas de serviço, porque a política de drogas se manteve a mesma e porque a
governança do estado logo se acabou nos desvãos da cleptocracia cabralina e da crise
nacional causando o colapso da autoridade e da confiança social.
Agora, não é mais uma intervenção “em apoio a”
mas um empoderamento do Exército por sobre a segurança do estado. A gota d’agua,
para além da sesquipedal inépcia do lastimável Pezão e do colapso da governança estadual, com
seu reflexo nas polícias, foi uma série da manifestações do crime desorganizado
notadamente um arrastão carnavalesco na -- ai meu Deus!-- Avenida Vieira Souto. Com a zona Sul sofrendo o que as zonas Norte e Oeste já padecem há muito tempo,
tornou-se intolerável a percepção da situação.
A curto prazo, a intervenção e, sobretudo, as
suas manifestações mais ostensivas, podem
surtir um certo efeito. A simples o presença do Exército nas ruas, que a PM por força de
sua escala de serviço e da sua total desmoralização já não assegurava, inibe um pouco exatamente
aquela criminalidade que de imediato mais ameaça população: o crime
desorganizado: assaltantes periféricos aos núcleos duros do tráfico, pivetes, meliantes de oportunidade.
Isso não deve ser subestimado porque são justamente eles os mais suscetíveis a
cometerem latrocínio. Uma pessoa tem muito mais chance de ser assassinada, na rua
ou em casa, por um desses pés-de-chinelo do que por um bandido experiente de uma das facções de
tráfico. Então ocupar militarmente o espaço público que nossa PM “de bico”, desfalcada de contingente, não consegue mais é um dado positivo da mesma forma que o efeito psicológico, inicial, dessas operações.
O
problema está na continuidade da intervenção, quando se começa a bolir com as
questões mais estruturais e, aparentemente “insolúveis”: uma policia “de bico”
com uma escala de serviço maluca onde o PM, na prática, trabalha na corporação
duas vezes por semana e o policial civil uma. Que patrulham a cidade em viatura
alheios ao que acontece nas ruas pelas quais passam zunindo. Polícias minadas por uma corrupção histórica
institucionalizada e por um “arreglo” com as facções do tráfico que ninguém de
fato ousa enfrentar até as últimas consequências. Uma política de drogas cujo
efeito prático é oferecer uma logística inesgotável e fácil ao bandidismo
armado que administra pela violência essa economia praticamente sem
limites, altamente corruptora, cujo efeito indireto é muito pior do que aquele, individual, das
substancias químicas que oferece a um mercado que sempre existiu e existirá.
Um
general do exército estaria melhor preparado para enfrentar essas quadraturas
do círculo do que um coronel da PM ou um delgado de polícia? A princípio pode
se dizer que as estruturas militares não foram corrompidas pelo arreglo como as
policiais. No entanto, ao se desdobrar no tempo, nada garante que ela não possa
vicejar também nos quarteis.
A experiência mexicana ilustra como importantes segmentos
militares foram afetados para além do outro grande problema que é a tentação --que torna-se inevitável num conflito renhido mais prolongado-- de recorrer à
tortura e à eliminação sistemática.
Tivemos no México o tétrico advento dos Zetas, a
facção mais sanguinária de todas, constituída de militares das forças especiais que
acabaram recrutados pelo canto de sereia enriquecimento fácil no tráfico. Não é
a toa que parte da oficialidade se preocupa com razão com as consequências de médio prazo
de um envolvimento militar no combate ao tráfico de drogas. Nunca deu certo e em
certos lugares deu muito errado.
A
intervenção portanto pode trazer um alívio momentâneo. Passado o efeito do analgésico,
sem governabilidade nem governança, sem confiança da população no governo e
nela própia, sem o fim do imbecil proibicionismo das drogas que só potencializa
a bandidagem, sem um policia de dedicação exclusiva, ocupação territorial do
asfalto a pé, fim do controle territorial das facções sobre as favelas e
políticas econômicas e sociais que devolvam um mínimo de otimismo e esperança,
continuaremos afundados numa violência e numa entropia sem fim.
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