Acredito que uma
oportunidade assim ressurgirá em algum momento, no futuro. Atualmente não
vislumbro. A hora não é essa. Não é o vento que sopra no Brasil (nem no mundo).
É preciso cultivar a a paciência e encarar tudo isso como uma tempestade cheia
de som e fúria, significando um nada que vai acabar por passar. Vejam, mantenho
meu proverbial otimismo!
Por agora,
sopra um nauseabundo vento neo anos 30. Polarizações patéticas como eram as fascismo versus stalinismo só que bem mais
pulverizadas: os aprendizes de feiticeiros do Vale do Silício com suas redes
sociais --e algoritmos, supostamente libertadores—potencializaram o “identitarismo”
tribalista e sectário. Empoderaram uma legião de energúmenos.
O discurso “politicamente correto” e seu oposto
simétrico espalham pela sociedade uma postura de total intolerância onde a meta
não é mais buscar pontos de convergência para transformar a realidade mas “colocar-se”,
“afirmar sua identidade” da forma mais agressiva e excludente possível. Subdividir-se
cada vez mais em tribos, sub-tribos, sub-sub-tribos cujos objetivo,
objetivamente falando –perdoem o pleonasmo—não é uma transformação mas um
auto-afirmar raivoso e excludente: essa é minha identidade, foda-se o resto. Isso se dá na esfera política
onde estratégias desse tipo, supostamente “de esquerda” formaram um caldo de
cultura para a ressurreição de uma extrema direita regressiva e não menos
tribalista e sectária e que não tínhamos no Brasil há mais de 40 anos.
Aliás, esse tipo de tribalização campo ideal para a proliferação da extrema
direita em cuja natureza está a afirmação de superioridade racial, étnica,
ideológica, nacionalista, localista. A esquerda deveria ser, supostamente, multirracial,
geleia geral, tolerante, internacionalista, plural. Pois não mais e cada vez menos.
Vemos essa
dinâmica na polarização “coxinhas versus mortadelas” no discurso sectário petista
e antipetista na internet. Atualmente, a
direitona tem saudades da ditatura e boa parte do PT (e contingentes mais à
esquerda) lamentam não ter seguido mais o caminho chavista. Sua presidente
Glesi, aliás, apoia Maduro, o liberticida. Pode isso???
Já a grande mídia e as instituições persecutórias que ela promove, sem nenhuma
cautela crítica, se arvoraram em forças
revolucionárias que estão “limpando” a sociedade. Aí também cabem cautelas pois
há um jogo de poder e uma manipulação do “indignismo” exacerbado que pode
terminar muito mal.
Evidentemente,
foi fundamental desmantelar as máquinas organizadas de saque aos recursos
públicos e o fim da impunidade de uma elite politico-empresarial. A partir de
certo ponto, no entanto, é preciso olhar com cuidado onde irá mais adiante porque a guilhotina tem esse jeito de criar vida própria e virar um fim em si mesma.
Ademais, não basta desmontar os esquemas políticos podres, é preciso suscitar novos,
os diferentes, os honestos e isso absolutamente não se vê no horizonte. Na atual
dinâmica nada estimula o surgimento e a afirmação de um outro tipo de política
ou de político. O nosso vai-bem-obrigado sistema eleitoral suscita esse tipo de
representação que temos e não há como escapar da evidência que certo tipo de
político é reflexo fiel de certo tipo de sociedade e que mudanças culturais demoram.
O
entendimento de como pode se dar uma transição a partir das representações
altamente imperfeitas (mas pressionáveis) que se tem é algo que elude totalmente
os arautos do novo Santo Ofício. Se formos dividir os políticos atuais entre os
que tem, primordialmente, ética e espírito público e os que estão lá para fazer
carreira e negócios ficaremos perto da faixa dos 20% versus 80%, até onde vai
minha observação da política brasileira nos últimos 30 anos.
A questão é que
essa divisão não se dá apenas entre os indivíduos em questão mas passa pelo
interior deles. Há entre essas pessoas
um contingente considerável de “reeducáveis” que têm algum ideal, algum
espírito público mas que por terem a vida toda ouvido dizer que “política é
assim mesmo” “é assim que as coisas são feitas” são tijolos dessa imensa
construção clientelista, assistencialista, fisiológica e corrupta que é o main stream da política brasileira. Persegui-los, simplesmente,
não resolverá o problema. Afastá-los sem
devido processo legal ou por “crimes eleitorais” absolutamente generalizados,
caso viável, ao fim ao cabo, tenderá a promover o atual “baixo
clero” provavelmente uma representação ainda pior, com vínculos com esquemas
ainda mais tenebrosos.
Mas
pode haver renovação, em 2018? O ano não começa bem. A dinâmica, no momento, parece
apontar para uma renovação...menor que a de 2014! A solução moralista de acabar
com (e não limitar) as contribuições eleitorais
legais de empresas e o reforço do financiamento público às campanhas teve como consequência
fortalecer, mais ainda, os caciques donos de partido e os atuais detentores de
mandatos. É a famosa “lei as consequências inesperadas” à qual os arautos do
moralismo militante deveriam estar mais atentos.
Vejo com interesse certos
movimentos jovens em prol da renovação política mas temo que ela se circunscreva
aos mais ou menos 20% de eleitores do voto urbano de classe média. Espero sinceramente
estar equivocado.
E a economia, estúpidos?
No que
diz respeito à economia me dá um certo desconforto o “pensamento único” da
grande mídia e imprensa que a dá em franca recuperação. Vai demorar, talvez uns
dois a três anos, para que isso se reflita, de fato, em condições de vida melhores
no que pese um pequeno alívio que já trouxe a queda da inflação. Não nego que
uma fase de “austeridade” era indispensável depois da farra dos dois últimos
anos do primeiro governo Dilma, em particular da gastança de 2014 para a
reeleição, essa vitória totalmente de Pirro do PT, obtida a todo custo sem
medir consequências.
A própria Dilma, depois de ter pregado o contrário na campanha, desencadeou essa austeridade, no dia seguinte
da reeleição e de forma super radical, foi o famoso cavalo-de-pau. A gestão
Temer-Meirelles, pelo menos, assumiu o
que ia fazer e o fez conseguindo emplacar algumas reformas embora não a mais importante
delas, a da previdência. Essa foi, em momento estratégico, abatida pela operação Janot-Batista.
No entanto,
a austeridade de Meirelles é como ambulância dos paramédicos. Salvou o paciente
mas em nada assegura sua saúde por vir. Aí entramos na discussão dos grandes fetiches
econômicos, dos seus significados e desdobramentos.
Concordo que era indispensável
devolver uma certa confiança ao mercado reduzindo o déficit público e as políticas de favorecimento
dos “campeões”(tipo JBS) pelo BNDES com
juro subsidiado. Mas vamos parar de tantos fetiches com o déficit público. Tem que
haver, é certo, uma sinalização de longo prazo –para o qual reformar a
previdência é fundamental—mas estabelecer metas precisas do que seria o déficit correto pertence à arte da “chutometria
aplicada”. Vamos admiti-lo.
É
frequentemente notado que, na verdade, o
nosso deficit é da proporção do inglês, bem menor que o italiano, o japonês, o
norte-americano. O problema é o nosso rating,
dizem. As agências (que cometeram erros crassos e criminosos na crise de 2008
com os títulos imobiliários especulativos por elas premiados de AAA) tem “pinimba”
com o Brasil por causa da moratória dos anos
80. OK, então é uma questão política: temos que fazê-lo, não por que é “o indispesável”,
economicamente mas porque as consequências de não fazê-lo seriam piores. Então
por que não dizer isso claramente em vez
de criar essa falsa noção de que o “economicamente correto” é tanto de deficit?
Por
outro lado, o que vem depois da “freada
de arrumação da austeridade”? Qual nossa visão para o desenvolvimento econômico, no
século XXI, na era das mudanças climáticas, da globalização, da multipolaridade, da revolução
digital e da demanda por modelos sustentáveis? Silêncio ensurdecedor. \
Meirelles como Dilma
acredita no passado, num desenvolvimentismo dos anos 70, recauchutado. Sua visão
é agrobusiness exportador, serviços, indústria automobilística e petróleo a ser
subsidiado com 900 bilhões de reais até 2040. A diferença é o quanto gastar de recurso público para obter ganho político. Uns vestem espartilho, outros babydoll.
Haverão outros caminhos? Talvez. Não há propriamente o "certo" e o "errado" entre neoclássicos e neo-keynesianos, há circunstâncias onde cada uma dessas escolas está mais ajustada à conjuntura. Ambas já acertaram, ambas já erraram. O debate econômico precisa sair desse Fla-Flu mas essa não foi a
discussão de 2017 e talvez não seja a de 2018 porque são tempos regressivos, bicudos, botocudos e simplesmente
não há clima, ainda, para debate sério, só acusações, recriminações e denúncias. Pode mudar?
Feliz 2018.
Brilhante! Muito boa esta análise da nossa conjuntura.
ResponderExcluirFeliz 2018