Na Lava Jato é preciso separar duas coisas. A primeira é o aparelhamento criminoso das estatais e das posições de governo para gerar recursos para custear o hegemonismo do PT e sua ambição de permanecer indefinidamente no poder, à semelhança do PRI mexicano. Tal hegemonismo é necessariamente caro. Foram enormes os valores da roubalheira e maiores ainda os das políticas equivocadas e danosas destinadas a garantir dividendos eleitorais e a permanência a qualquer preço. A reeleição de Dilma foi o grande exemplo.
Esse foco é do Lava Jato é o fundamental: desmontar o aparelhamento do Estado brasileiro por forças políticas –tanto no executivo quanto no legislativo-- e seus grandes esquemas de corrupção institucional. Os do PT e o do resto do establishment político/parlamentar. A desmontagem disso já foi conseguida no âmbito da Petrobras e espera-se seja concluída e outras estatais e fundos de pensão. Enquanto esse for o alvo da Lava Jato estará cumprindo um papel muito importante para o país.
A
Operação Lava Jato corre agora o mesmo risco de outros grandes processos
moralizadores/punitivos da história. Iniciam-se justos e purificadores, com o
tempo vão se radicalizando, sofrendo diversos tipos de uso político e terminam
resultando algo diferente do que originalmente pretendido. O fascínio do juiz Sergio Moro pela operação Mani
Pulite (Mãos Limpas), na Itália, é algo intrigante quando aprerciamos seus
resultados finais. Levou à prisão de umas 3 mil pessoas ao desmonte do sistema
partidário italiano do pós-guerra, da
Democracia Cristã em associação com partidos menores como o PSI (socialista, de
Betino Craxi) o PR (republicano),o famoso centro
sinistra, e a oposição, relativamente moderada do PCI (o comunista italiano,
pioneiro do eurocomunismo e, afinal, meio social democrata).
Ao final
de todo aquele “ruído e fúria” –como diria Shakespeare— da operação Mani Pulite o que surgiu no lugar?
Uma nova estrutura de poder ainda
mais corrupta cuja figura hegemônica foi o magnata Silvio Berlusconi quem dominou durante quase duas décadas
a política italiana com um grau de corrupção qualitativamente superior ao de
Betino Craxi que escapara para a Tunísia
sob a proteção do amigo ditador Ben Ali, onde faleceu. Alguns protagonistas da
operação Maos Limpas, como o famoso promotor
Antonio di Pietro, ingressaram na
política, com um saldo, afinal, medíocre e não isento de escândalos. Aquelas características do investigador implacável não necessariamente qualificam para o papel de
parlamentar profícuo ou gestor público competente.
Os riscos
Os riscos
A coisa
corre o risco de degringolar quando o foco se torna o processo político, em si. O processo investigativo vira um
elemento propulsor para forçar uma solução que não se percebe bem qual seja
para além da sistemática estigmatização --fundamentada, talvez fundamentada ou não-fundamentada-- de “vilões” que abastecem o noticiário midiático dia
dia hipnotizando o país. Fazendo-o monotemático. Como se não tivéssemos problemas mais sérios,
particularmente os econômicos, para superar.
Isso
associado ao uso sistemático, abusivo, de instrumentos que deveriam ser
excepcionais como prisões preventivas e delações premiadas que acabam criando uma dinâmica perigosa. Para escapar à prisão indefinida
sem condenação, em condições degradantes e com uma enorme pressão os presos
acabam “abrindo” tentando ao máximo agradar seus interrogadores para obter algum
alívio, num processo que ressalvadas as diferenças lembra a eficácia da tortura que também é eficiente, mas a que preço?
Evidentemente esses expedientes permitiram
que a Lava Jato, ao contrário de inquéritos passados, obtivesse êxito na
revelação do Petrolão mas seria de grande imprevidência não se
preocupar com os desdobramentos dessas formas expeditas que fogem muito
aos critérios até hoje adotados pela justiça brasileira e tensionam de forma
muito intensa preceitos alguns constitucionais
como a presunção de inocência e amplo direito defesa.
A
questão da prisão preventiva, por exemplo, vem fugindo totalmente aos cânones
da justiça brasileira colocando inclusive uma diferença de comportamento dos
acusados nesse caso com os de variados acusados de crimes violentos Brasil a fora.
Se qualquer um desses personagens presos seis, oito meses, sem condenação, nem
em primeira instância, tivesse matado a mulher num “crime de honra”, atropelado
fatalmente, bêbado, cinco pessoas ou
assassinado um desafeto numa briga de bar ou trânsito, dificilmente teria
ficado em cana, preventivamente, todo esse tempo. Num país de prisões abarrotadas devemos pensar muito bem no que
desejamos quando torcemos pelo aprisionamento continuado de dezenas de pessoas que, caso
culpadas, praticaram crimes sérios mas sem violência. Pessoalmente penso que salvo
circunstâncias excepcionais é mais importante recuperar o dinheiro desviado e fazer doer o bolso dos responsáveis do que trancafiar por longos períodos gente que não cometeu ato
violento nem corre o risco de cometê-lo.
Tenho essa posição, há muito tempo, em
relação a principal causa de abarrotamento das cadeias que é a prisão por
trafico de drogas pequeno porte e desarmado e penso que se aplica, salvo situações excepcionais,
àquela delinquência não violenta.
O pêndulo (e a grana de
Churchill)
Quando ouço agressivos argumentos a favor
dessas prisões preventivas por tempo indeterminado dizendo
que essas objeções “legalistas” são simplesmente os artifícios para a impunidade, chicanas de advogado, me recordo daquele velho filme policial, dos anos 70, estrelado por George Peppard que, creio, se chamava “O Pendulo”. O protagonista,
policial, tinha ojeriza de um certo advogado, muito competente, que utilizava com
maestria seus recursos de defesa. Na sua
visão ele era um arauto da impunidade dos bandidos. Uma bela noite o policial
volta inopinadamente para casa de uma viagem abortada e ao entrar em casa
encontra a esposa infiel assassinada a tiros nua na cama com outro homem também
morto.
O policial ao comunicar o achado é imediatamente preso pois, segundo
todos os colegas, quem mais poderia ter crivado de balas, na cama, o casal flagrado em adultério que não
o próprio marido traído? Um crime de solução óbvia e ululante.
A primeira coisa que o personagem de Peppard fez é chamar justamente "aquele" advogado o qual odiava e cujo talento lhe
permite permanecer em liberdade o tempo necessário para elucidar o crime e descobrir o verdadeiro
assassino, um bandido que ele prendera anos atrás e que ao ser solto resolvera
vingar-se entrando em sua casa matando o que supunha ser ele próprio com a esposa. De que lado pende certo o pêndulo?
O nosso “pendulo”
que balançou para um dos lados para vulnerar a anterior impunidade revoltante periga agora balançar longe demais. Todo esse mais
recente episódio envolvendo Lula parece ser um indício disso.
É plausível se supor que o ex-presidente soubesse
e seja de fato o mandante do esquema do Petrolão e em outras estatais e fundos
mas, por enquanto, não há provas nem, nem sequer, até onde percebo, sólidas evidências disso. A suposta delação do senador Delcídio Amaral apesar de aportar acusações por aí não parece conter essas provas ou evidências, pelo
menos até onde se conheça.
No bombardeio acusatório do MP e da grande mídia essa
lacuna é amplamente compensada por um foco obsessivo no apartamento de Guarujá, no
sítio usufruído pela família do ex-presidente, nos pagamentos das suas palestras e no favorecimento de negócios no exterior
das empreiteiras.
As
palestras --se de fato realizadas-- e a
intermediação de negócios, no exterior, para grandes empresas brasileiras dificilmente configuram
crime embora em certos casos apontem para ligações políticas questionáveis e relações promíscuas com governantes autoritários e
cleptocratas da pior espécie. Mas será tão diferente das milionárias palestras de Bill Clinton, dos altos negócios de Gerhard Shroeder com
a Gasprom russa e de dezenas de outros arranjos de ex-chefes de estado com empresas?
Quanto ao sítio, apartamento e despesas de
mudanças de armazenamento de arquivos, pode eventualmente levantar questões éticas mas dificilmente
resultará numa condenação criminal. Teria que haver claramente uma prova de que
àqueles favores foram prestados em troca de decisões específicas que favoreceram ilegalmente nesta ou aquela empresa em matéria bem identificada.
Há uma
longa história, no Brasil e noutros países, institucionalmente mais
avançados, de ex-chefes de estado recebendo favores ou agrados de empresários
ou pessoas ricas por admiração, estima ou reconhecimento que não configuram
crime embora possam ser politicamente ou eticamente questionáveis.
Nesse particular Lula está longe de desacompanhado. Muito recentemente em
deparei com uma que vou tomar a liberdade de reproduzir pois envolve um dos maiores
estadistas do século XX.
No último número da revista The Atlantic há uma
resenha do livro “No More Champagne: Churchill and His Money” de David
Lough que trata da relação de Winston Churchill com o vil metal. Desde a juventude ele era
bastante perdulário, sistematicamente gastava
muito mais do que ganhava ou possuía. Era
tido como rico de berço mas, na verdade, seu ramo dos Churchill era o menos
abastado da aristocrática família. O futuro
duas vezes primeiro ministro e doze vezes ministro era, quando muito, remediado.
Cultivava uma imagem de refinamento e de opulência que lhe permitia se
endividar e “rolar” as dívidas. Foi
assim durante décadas. Ele gostava de luxos diversos, passeios de iate, roupas,
charutos e bebidas caras e morava bem
muito acima de suas posses. Também gostava de jogar. Um momento particularmente
delicado de suas agruras financeiras foi justamente quando ele assumiu o cargo
de primeiro-ministro, pela primeira vez, em plena guerra. Ele devia o que hoje
corresponderia a 3.7 milhões de dólares.
Em
diversas ocasiões Churchill foi “ajudado” por amigos ricos e admiradores, da indústria e do setor financeiro, como Sir Ernest Cassel e Sir Henry Strakosch.
Cassel financiou sua famosa biblioteca e o salvou de uma operação imobiliária
desastrosa, no pós I Guerra. Strakosch segurou as despesas entre 1930 e 1940.
Ajudou-o com suas dívidas. Não era propriamente uma segredo e a propaganda
nazista chegou a acusa-lo por conta disso de “estar no bolso do judeu
Strakosch”. Anteriormente, nas eleições de 1923, seus adversários trabalhistas usaram
copiosamente o fato dele ter recebido mal explicadas 50 mil libras de Cassel. Lough sustenta no seu
livro que nunca apareceu nenhuma contrapartida específica como gestor público na
qual favorecesse esses amigos e que em algumas ocasiões Churchill contrariou
seus interesses econômicos. Ele simplesmente parecia considerar que haja vista
sua estatura histórica isso lhe era devido.
Na parte
final da II Guerra, Churchill superou definitivamente suas agruras financeiras com polpudas receitas sobre direitos de imagem dos documentários e e filmes
em que era personagem e também direitos autorais relativos aos seus muitos livros. Lough afirma
que ao deixar o cargo ele levou consigo enormes arquivos do tempo de
guerra, 68 caixas, que a princípio seriam propriedade do governo de sua Majestade.
Outra figura histórica beneficiária de favores de amigos ricos foi o presidente
de Israel, Ezer Weizman, herói de guerra, falecido em 2005. Ele foi atormentado,
no final da vida, por causa de doações
não declaradas de ricos admiradores. Renunciou à presidência, em 1999, mas não foi processado. Nem falemos de John Kennedy! Esse era riquíssimo de berço mas ainda assim, se acreditarmos no livro The
Dark Side of Camelot, do famoso jornalista investigativo Seymour Hersh, compartilhou
uma amante com o capo mafioso Sam Giancana, Judith Campbell Exner, que, certa feita, ter-lhe-ia entregue, na Casa Branca, uma mala cheia dólares para o caixa 2 de
uma campanha eleitoral dos democratas. Kennedy teria agradecido e colocado no armário.
Custa um pouco acreditar nisso e a credibilidade de Hersh nem sempre é inquestionável.
Recentemente, foi muito contestado seu "furo" com a versão de que a morte de Osama Bin Laden
fora combinada com os paquistaneses. De qualquer modo, para além do folclórico episódio
da mala de Judith, é certo que a máfia pesou fortemente na decisiva vitória de
Kenedy sobre Nixon, em 1960, no estado do Illinois, que permitiu sua estreita vitória
naquela eleição presidencial. Das teorias conspirativas sobre seu assassinato a
que reputo a mais plausível foi a de uma vingança da máfia quando passou a ser
perseguida pelo então ministro da justiça Robert Kennedy, com respaldo do irmão.
Depois
de toda essa digressão, regressemos aos
pedalinhos do nosso ex-presidente. Essas situações, bem mais fáceis de
evidenciar do que um eventual “batom na cueca” dele no Petrolão parecem, até agora, muito mais do
domínio da política do que algo passível
de condenação criminal soba égide da presunção de inocência e do in
dubio pro reo coisa que os promotores do MP paulista não levam em conta ao
solicitarem sua prisão provisória com uma fundamentação assombrosamente frágil e alguns aspectos francamente hilários: consegue-se imaginar Lula se
“evadindo”? De burca, será???
Claro que não. Estão simplesmente fazendo política se vendo
como os futuros Di Pietro brasileiros.
Há saída?
O foco
não é Lula, é Dilma. A crise econômica provavelmente acabará determinando algum
desfecho. Apesar de todas as revelações e ainda que haja manifestações muito expressivas e do PMDB estar, como diria o velho Brizola "ombreando o alambrado" não parece ainda haver número de parlamentares
suficientes para o impeachment --talvez por isso parecem priorizar, no
momento, a caça ao Lula. A hipótese da anulação das eleições de 2014 pelo TSE
parece ainda mais remota pois seu timing é problemático. Cabe recurso ao STF e
se o desenlace de der no próximo ano enseja uma eleição presidencial indireta,
pelo Congresso.
O que nesse momento seria mais interessante
para o PT e Lula? Do ponto de vista estratégico,
possivelmente uma renúncia de Dilma ou um rápido impeachment colocando o
abacaxi da crise econômica nas mãos de uma provável aliança do PMDB com os
tucanos. Possibilitaria ao PT deter a sangria e fazer o que os franceses chamam
de une cure d’oposition (uma terapia
de oposição). Uma oportunidade para PT de voltar a
jogar no ataque com manifestações e
greves contra o neoliberalismo. Talvez,
até 2018, o desgaste de Lula possa se
reduzir bastante.
Por
outro lado uma saída de Dilma possivelmente permitiria uma recuperação mais rápida da
economia. Um dos grandes problemas dessa crise é o fato dos remédios
neokeynesianos não poderem ser aplicados pelo nível de comprometimento das
contas públicas já que o abuso desses mesmos remédios, fora de qualquer limite razoável, no afã de ganhar as eleições em 2014, foi justamente o que levou o país a esse
buraco.
A recuperação, pelo menos num primeiro momento teria que vir de um “choque
de confiança” num momento em que há
capitais internacionais abundantes disponíveis e o real desvalorizado torna o
investimento no Brasil atraente, desde que haja um mínimo de confiança. Com
Dilma não haverá. Sem Dilma poderia eventualmente surgir uma janela de
oportunidade para reformas, inclusive a inevitável da Previdência. No entanto, o
grande problema do PT é largar o osso,
deixar a “companheirada” sem os carguinhos federais, assim ao relento. Do jeito que
ficou a política brasileira – e notadamente a de “esquerda”-- é algo a ser evitado com unhas e dentes. Então
teremos mais quase 3 anos de Dilma? Sangrando? Seria o desfecho mais lógico
analisadas friamente as opções.
Acontece que a crise já criou vida própria e
não depende mais da vontade de ninguém. O lógico não mais se aplica
porque diante do esfacelamento e da falência do estamento político a crise
econômica e social vai virar o motor dessa história de rumo imprevisível. Será
como uma catástrofe natural, tipo um tufão com seu próprio tempo de passagem.
Seu olho ainda não é visível. O que vai restar e resultar menos ainda.
Sempre fui simpatizante do seu trabalho, mas vejo que desconhece a Lei internacional anti trust, e receber presentinhos luxuoso de fornecedores é crime. A corrupção é a Mãe de todos os crimes.
ResponderExcluirVocê fala dos favores recebidos por Churchil,Kennedy,favores em dinheiro Não tenho nada contra favores mas contra a acumulação da riqueza produzida por muitos que permanecem na miséria Na manifestação de hoje(dia 13)o que me chamou a atenção foram os garis Limpar aquela sujeira toda Meu Deus...
ResponderExcluirO foco não é Dilma e sim a suposta eleição de Lula.
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