Estamos numa crise econômica terrível, a pior
de nossa história. Governos de estado entram em colapso, o Rio é o caso mais
sério. A bandidagem aproveita o colapso e reocupa ostensivamente as favelas
restabelecendo a ditadura militar local. Recentemente uma ONG que desenvolvia
um trabalho fantástico no Vidigal, comunidade até então supostamente “pacificada”,
com UPP e tudo, foi obrigada a fugir do morro. Os bandidos queriam que eles
assinassem carteiras de trabalho para seus ‘soldados” e a recusa levou a ameaças
de morte. Em São Paulo, o PCC comanda grandes ocupações e está expandindo seus
tentáculos para o interior do Rio.
A
instabilidade política/institucional agrava sobremaneira a econômica. Não temos
como sair da recessão pela via kenesiana do investimento público pois o PT conseguiu
com sua gastança absurda fechar essa porta por um bom tempo. A iniciativa
privada teme investir o que quer que seja e há contenção mesmo no setor agropecuário, o único relativamente
ao abrigo.
Há um volume enorme de poupança externa a juro baixo –até negativo,
em alguns casos-- disponível, para bons projetos mas que demandam sólidas
garantias contra o risco de mudanças
cambiais bruscas e outros. Esses
capitais não virão numa situação patética como a nossa. E o Banco Central, no
meio desse pânico, tende a manter ou reduzir demasiado lentamente uma taxa de
juros devastadora, uma quimioterapia que está matando o paciente.
A mídia
é diretamente responsável pelo entretenimento do clima de entropia. Em tempos
de “redes sociais” quando qualquer energúmeno terá sua audiência, onde imperam
o hoax e o discurso de ódio isso
torna a sociedade um mosaico de tribos enfurecidas e desorientadas. A
polarização entre petistas e anti-petistas cede lugar agora a um "vale tudo" todos contra todos, como numa daquelas brigas de saloon de filme americano dos anos 50. A histeria tornou-se o tom dominante.
A midia “séria” busca o sensacional, aposta na
crise cada vez maior. Não se cansa de publicar matérias sensacionalistas com um
nível de apuração nulo tendendo a criminalizar qualquer tipo de contato com
aquelas que até pouco eram as maiores de empresas do país. Figurar numa agenda
telefônica, ter trocado mensagens por celular, anotações de pedidos de contribuição
legal de campanha tudo vira pasto para um circo diário que vai criando suas
turbas de linchamento, por enquanto via internet. Como soe acontecer nessas situações,
que no passado resultaram em fascismo, comunismo, rebeliões, guerras civis e
banhos de sangue, há uma sofreguidão por bodes expiatórios e por abater “a bola da vez”.
O ódio e a raiva
tornam-se os sentimentos dominantes. Desopilar o fígado e não colocar o cérebro
para funcionar passa a ser o nome do jogo. Como nas guerras, a verdade objetiva
é a primeira que morre e vivemos alimentados uma enorme confusão de verdades,
meias verdades, meias mentiras, mentiras completas, distorções e lendas urbanas
aos quais a internet dá possibilidades inéditas.
Algumas
das maiores empresas do país tem seus principais executivos presos e a maior
parte do estamento político superior, envolvido em grandes escândalos começa a
acompanha-los. A clássica impunidade dos arrogantes poderosos como Eduardo
Cunha, Sérgio Cabral, etc acabou. A Lava Jato promoveu uma devassa meritória.
Muito bem. Outros personagens vão cair. Que assim seja. No entanto, manter o
país, em grave crise econômica emerso nesse frenesi permanentemente com todos
os efeitos colaterais que isso provoca dá uma clara noção de o remédio vai matar
o paciente.
Há dois processos na Lava Jato. Um é a
investigação, em si, em geral conduzida com seriedade e com foco nos grandes
esquemas de corrupção envolvendo vultosos recursos públicos. Esse processo,
globalmente positivo, tem um propósito louvável. Comete, no entanto, certos escorregões,
atropela perigosamente, aqui e ali, prerrogativas constitucionais como a
presunção de inocência, abusa de prisões preventivas e de penas totalmente
desproporcionais para forçar delações que viraram uma faca de dois gumes. Transformou-se na norma o que oferece um poder inédito para
apurar crimes mas traz consigo grandes riscos. Todo poder desmedido, mesmo o poder dos
virtuosos, traz enormes perigos. Se a impunidade não pode mais ser tolerada a
supressão de garantias individuais não pode se tornar a norma. Há um equilíbrio
delicado que precisará ser preservado, caso contrário a democracia se verá em
apuros.
Esse risco no permanente pêndulo das
instituições judiciais preocupa mas poderá eventualmente encontrar seu ponto de
equilíbrio. Mais grave é ódio no olho da
rua ou na virtualidade das redes. Outro
dia ouvi de um motorista de taxi “a solução para o Brasil é fuzilar todos os políticos”, “como na Indonésia” explicou. "Todos",
repetiu. Expliquei lhe que na Indonésia não estão absolutamente fuzilando políticos mas os traficantes estrangeiros, inclusive surfistas brasileiros. “Filipinas,
então” retrucou, persistente.
Ah, “os
políticos”! Conheço bem esse mundo. Atuei nele 26 anos contra a maré. Lutando
por ideais e propostas num mar de fisiologismo, clientelismo, assistencialismo
e corrupção. Me afastei da política institucional, em 2014, e estou mais que feliz com essa decisão. Minha
vida melhorou muito. Por outro lado, por conhece-la sei como são ingênuas e
simplistas --quando não estúpidas-- algumas das plataformas em voga “nas redes”.
Tenho visto uma recentemente que é o afastamento imediato pelo STF dos cerca de
300 parlamentares indiciados. Conheço esses caras, há entre eles, sem dúvida, bandidos
que precisariam ser logo julgados e não são porque a Justiça é morosa. Há também uma boa quantidade indiciamentos abusivos
por denúncias de adversários, matérias jornalísticas irresponsáveis ou
perseguição de um desses procuradores gênero Demóstenes Torres que usava a posição nos MP para se promover (e virar político).
Conheço processos tremendamente injustos contra pessoas de bem que também tardam
a ser inocentadas.
É possível
simplesmente expurgar os parlamentares indiciados? Na prática, cassar mandatos populares antes do desfecho do
devido processo legal? Além precisa indicar no Facebook que existe uma Constituição.
Mas suponhamos por um momento que os tais 300 --que no seu tempo “lava-mais-branco” o Lula chamou de “picaretas”-- fossem
todos afastados. Alguém tem ideia de quem são seus 300 suplentes? Um baixo
clero de quinta, com toda probabilidade de serem ainda mais corruptos,
intelectualmente nulos, fisiológicos e vindos de um estamento mais ligado às milícias, ao tráfico e por aí vai.
A grande
questão é a seguinte, nossos terríveis “políticos” acaso vieram de Marte? São alienígenas à nossa austera sociedade que simplesmente se
infiltraram no Congresso Nacional, nas câmaras municipais e assembleias
legislativas para roubar, roubar, roubar? Ou esses caras estão lá porque foram eleitos --numa
enorme proporção por compra direta ou indireta de votos-- porque
seus eleitores se identificam com eles, investem neles por considerar que em
algum momento irão lhes trazer alguma vantagem? Quando ingressei pela primeira
vez na Câmara Muncipal do Rio eu acreditava piamente aqueles políticos que eu tanto
desprezava “enganavam o povo”. Depois aprendi que não era bem assim. Que eram
eleitos conscientemente, queridos pelas benesses que propiciavam, admirados por
que roubavam, sim, mas repartiam parte do produto via centro assistencial. Extraterrestre era eu que chegava num bairro
desses bem “trabalhado” por políticos daquele estilo e me deparava com um olhar
hostil do eleitor: “mas você aí com toda
essa sua conversa mole de ecologia, que não enche a barriga de ninguém, o que você
vai me dar em troca do meu voto? Nem uma camiseta, heim?”
Os “políticos”
refletem o eleitorado que os elegeu e, no Brasil, quem se elege defendendo ideias, quer
discutir programas de governo, projetos é uma minoria sempre minguante. Seres em extinção se o sistema eleitoral brasileiro permanecer o que
é com sua espinha dorsal de feroz individualismo e sua lógica de carreira profissional, individual.
Melhor
então voltar à ditadura? Na ditadura roubava-se muito mas não se podia falar
disso pois a imprensa era censurada, o judiciário submetido e mandava uma
clique fardada. Quanto aos “políticos” nunca deixaram de existir. Na ditadura
eram submissos, cumpriam ordens num congresso de fachada. Querem
isso de novo? Improvável, até porque os militares não tem mais a menor disposição de tomar conta desse país ingovernável, nem pelas boas, nem pelas más.
Não há atalhos nem soluções miraculosas. A economia precisa se recuperar
senão vamos para uma Síria tropical. Para que a economia tenha uma chance de
sair dessa tem que haver um mínimo de estabilidade política e não um
sobressalto por dia. Avançou-se muito no desmonte dos grandes esquemões e um
contingente considerável dos principais operadores políticos foi pego mas não
vamos conseguir “limpar” totalmente a política brasileira, a curto prazo. O
equilíbrio de poderes é importante mesmo que –e sobretudo quando— os poderes são
problemáticos. Uma hegemonia total do Judiciário só é atraente para quem não
conhece suas mazelas, seus privilégios e impunidades próprias.
Então é
hora de respirar fundo, engolir a histeria, entender que Fora Temer é ridículo (quem seria o “político” eleito indiretamente
para seu lugar???) Em 2018 haverá possibilidade de eleger um outro e não se vê no
horizonte quem possa ser. Isso sim que é grave...
Quem quer tenha alguma responsabilidade precisa contribuir
para acalmar, pacificar, estabilizar, tentar segurar a queda livre da economia,
promover o diálogo a des-sectarização e uma reforma política que a médio prazo
ajude a produzir uma representação melhor do que a atual. No mais espera-se uma
nova geração idealista mas prática, sem quimeras ideológicas de esquerda ou
direita, e que provavelmente virá do exercício do poder local.
Enquanto
isso recomendo muito chá de camomila e muita passiflora. Muita calma, nessa
hora.
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