O Brasil está prestes a emplacar,
discretamente, o art. 109* do draft que reduzido a
sua expressão básica representa o reconhecimento, por 196 países, do
“valor social e econômico” das “atividades de mitigação”. Ou seja: redução de carbono = valor. Trata-se do primeiro passo para a criação de
um mecanismo de precificação positiva da redução de carbono e talvez, no
futuro, de uma moeda do clima. Ao contrário do que alguns podem supor, esse
futuro mecanismo não tem a ver com os
“mercados de carbono”. Pertence a uma outra família, mais afim com o “valor de
uso” do que com o de “troca”.
“Grosso modo” pode se dizer que há três tipos
de mecanismos econômicos para a descarbonização. São:
1 –
Os mercados de carbono. Um mecanismo, no final das contas, bastante limitado.
Não me refiro apenas ao mau uso havido --dupla contagem, manobras
especulativas, fraudes-- em determinadas situações. A tendência é que esse
mercado, depois de suas agruras pós-Copenhagen e, sobretudo, após o acordo do Brasil com a UE para aperfeiçoa-lo,
possa e funcionar melhor que no passado.
Ainda assim será um instrumento de
escopo limitado pois serve basicamente para dar mais agilidade ao cumprimento
de metas já estabelecidas. É um “trade” sob um “cap” limitado pela meta do país
ou estado subnacional (caso dos mercados de carbono subnacionais como a Califórnia
ou o Quebec). Funcionando correta e
honestamente, pode ser útil mas nunca será transformador.
2
- A “precificação real” para efeito de
taxação do carbono e eliminação de subsídios a produtos e serviços carbono
intensivos (tipo combustíveis fósseis).
É um elemento muito importante para uma ação de mitigação global mais robusta.
Permite incorporar as “externalidades” normalmente ignoradas –o custo dos danos
provocados pelas mudanças climáticas e pela poluição de efeito local-- torna o carbono intensivo mais oneroso
melhorando a competitividade das energias e tecnologias limpas e serve para
arrecadar um adicional que possa ser investido na economia de baixo carbono. Pode
se afirmar também que ajuda a estabelecer um sistema tributário socialmente mais
justo e equilibrado. Deve ser feito sem aumento da carga tributária substituindo
impostos que incidam sobre o trabalho e o investimento pela taxação de acordo
com a intensidade de carbono. A eliminação de subsídios pode demandar compensações sociais para fazer
frente a certos aumentos de preços. Tanto a taxação do carbono quanto a
eliminação de subsídios são uma batalha a ser travada país a país porque os
sistemas tributários e os subsídios são nacionais.
3 –
A “precificação positiva”. Trata-se de atribuir preço, não ao carbono em si,
como na “precificação real”, mas à
redução de carbono (ou “atividades de mitigação”). Trata-se de um processo
ainda em gestação cujo primeiro passo está sendo dado na COP 21 com o
reconhecimento do valor social e econômico das atividades de mitigação. A base
econômica disso é a quantificação do dano à economia global por parte das
mudanças climáticas num tempo dado, o que vem sendo feito desde o Relatório
Stern.
A
partir de uma avaliação consensual desse prejuízo do tipo: “a perda para a
economia global será de ‘x’ trilhões de
dólares até 2050” , será possível calcular o valor de cada tonelada de carbono
emitido a menos. O potencial desse mecanismo é muito significativo na medida em
que ele pode engendrar uma nova ordem financeira internacional da era do baixo
carbono, com uma “moeda do clima”, conversível e de reserva, lastrada na redução de carbono, uma “Bretton
Woods” do baixo carbono. Ainda estamos muito longe disso mas a metáfora, que
para alguns pode parecer forçada, tem
razão histórica de ser.
A economia
global conquanto pareça (se pretenda) uma ciência exata é produto de
circunstâncias e necessidades históricas. Em 1944, a nova ordem econômica
internacional com o dólar atrelado ao padrão ouro, as novas instituições
multilaterais (Banco Mundial, FMI) e o uso poderoso do déficit e do
endividamento público, foi criada para
atende o problema central da humanidade naquela época: a reconstrução da Europa
e de boa parte da Ásia destruídas pela guerra. Hoje o problema central da humanidade são as mudanças climáticas com
sua catástrofe prometida e sua tendência
a agravar todos os outros problemas. Uma nova ordem econômica e financeira se
faz necessária para fazer frente a era que vivemos. Sua pedra angular é o
reconhecimento do valor, social, ambiental, econômico e financeiro da
descarbonização.
Esse reconhecimento pode engendrar mecanismos
específicos de investimento na economia de baixo carbono que pretendo abordar
noutro artigo. Para resumir imaginemos apenas dois: certificados de redução de
carbono, garantidos por um conjunto de governos, bancos centrais, bancos de
desenvolvimento e organismos multilaterais com os quais projetos de
descarbonização, uma vez devidamente certificados, poderão pagar parte de seus
financiamentos. Uma “moeda do clima” que remunere ações de mitigação
antecipadas (concluídas antes do prazo) e adicionas (acima da meta) que
serviria exclusivamente para adquirir produtos, serviços e tecnologia
conduzindo a uma subsequente redução de emissões, gerando assim um ciclo
virtuoso.
Se a humanidade conseguir fazer frente ao
repto de manter a temperatura abaixo de 2 graus (ou melhor ainda, 1,5)
certamente esse tipo de mecanismos irão desempenhar um papel importante nas
próximas décadas. É o desafio pós-Paris. Quem viver verá.
*As duas frases do texto final da COP 21 que abrem
caminho para a construção de um mecanismo de precificação positiva da redução
de carbono são:
Art 109: Recognizes the social economic and
environmental value of voluntary mitigation actions ande their co-benefits for
adaptation , health and sustainable development.
E no Art 2 do “Paris Agreement” o inciso 1 (c): Making finance flows consistent with a
pathway towards low greenhouse gas emissions and climate resilient development.
Parabéns por este primeiro passo(reconhecimento da necessidade das ações de mitigação,no bojo da economia global)É um resultado sublime
ResponderExcluirSirkis,parabéns a você e a sua equipe por conseguir transformar Carbono em valor
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