12/12/2015

Precificando a redução de carbono

 Emplacamos, discretamente, o art. 109* do draft  que reduzido a  sua expressão básica representa o reconhecimento, por 196 países, do “valor social e econômico” das “atividades de mitigação”.  Ou seja: redução de carbono = valor.  Trata-se do primeiro passo para a criação de um mecanismo de precificação positiva da redução de carbono e talvez, no futuro, de uma moeda do clima. Ao contrário do que alguns podem supor, esse futuro  mecanismo não tem a ver com os “mercados de carbono”. Pertence a uma outra família, mais afim com o “valor de uso” do que com o de “troca”.

 “Grosso modo” pode se dizer que há três tipos de mecanismos econômicos para a descarbonização. São:

1 – Os mercados de carbono. Um mecanismo, no final das contas, bastante limitado. Não me refiro apenas ao mau uso havido --dupla contagem, manobras especulativas, fraudes-- em determinadas situações. A tendência é que esse mercado, depois de suas agruras pós-Copenhagen e, sobretudo,  após o acordo do Brasil com a UE para aperfeiçoa-lo, possa  e funcionar melhor que no passado. Ainda assim será um instrumento  de escopo limitado pois serve basicamente para dar mais agilidade ao cumprimento de metas já estabelecidas. É um “trade” sob um “cap” limitado pela meta do país ou estado subnacional (caso dos mercados de carbono subnacionais como a Califórnia ou o Quebec).  Funcionando correta e honestamente, pode ser útil mas nunca será transformador.

2 -  A “precificação real” para efeito de taxação do carbono e eliminação de subsídios a produtos e serviços carbono intensivos (tipo combustíveis fósseis).  É um elemento muito importante para uma ação de mitigação global mais robusta. Permite incorporar as “externalidades” normalmente ignoradas –o custo dos danos provocados pelas mudanças climáticas e pela poluição de efeito local--  torna o carbono intensivo mais oneroso melhorando a competitividade das energias e tecnologias limpas e serve para arrecadar um adicional que possa ser investido na economia de baixo carbono. Pode se afirmar também que ajuda a estabelecer um sistema tributário socialmente mais justo e equilibrado. Deve ser feito sem aumento da carga tributária substituindo impostos que incidam sobre o trabalho e o investimento pela taxação de acordo com a intensidade de carbono. A eliminação de subsídios pode  demandar compensações sociais para fazer frente a certos aumentos de preços. Tanto a taxação do carbono quanto a eliminação de subsídios são uma batalha a ser travada país a país porque os sistemas tributários e os subsídios são nacionais.

3 – A “precificação positiva”. Trata-se de atribuir preço, não ao carbono em si, como na “precificação real”,  mas à redução de carbono (ou “atividades de mitigação”). Trata-se de um processo ainda em gestação cujo primeiro passo está sendo dado na COP 21 com o reconhecimento do valor social e econômico das atividades de mitigação. A base econômica disso é a quantificação do dano à economia global por parte das mudanças climáticas num tempo dado, o que vem sendo feito desde o Relatório Stern.

  A partir de uma avaliação consensual desse prejuízo do tipo: “a perda para a economia global será de ‘x’  trilhões de dólares até 2050” , será possível calcular o valor de cada tonelada de carbono emitido a menos. O potencial desse mecanismo é muito significativo na medida em que ele pode engendrar uma nova ordem financeira internacional da era do baixo carbono, com uma “moeda do clima”, conversível e de reserva,  lastrada na redução de carbono, uma “Bretton Woods” do baixo carbono. Ainda estamos muito longe disso mas a metáfora, que para alguns pode parecer forçada,  tem razão histórica de ser.

A economia global conquanto pareça (se pretenda) uma ciência exata é produto de circunstâncias e necessidades históricas. Em 1944, a nova ordem econômica internacional com o dólar atrelado ao padrão ouro, as novas instituições multilaterais (Banco Mundial, FMI) e o uso poderoso do déficit e do endividamento público,  foi criada para atende o problema central da humanidade naquela época: a reconstrução da Europa e de boa parte da Ásia destruídas pela guerra. Hoje o problema central  da humanidade são as mudanças climáticas com sua  catástrofe prometida e sua tendência a agravar todos os outros problemas. Uma nova ordem econômica e financeira se faz necessária para fazer frente a era que vivemos. Sua pedra angular é o reconhecimento do valor, social, ambiental, econômico e financeiro da descarbonização.

  Esse reconhecimento pode engendrar mecanismos específicos de investimento na economia de baixo carbono que pretendo abordar noutro artigo. Para resumir imaginemos apenas dois: certificados de redução de carbono, garantidos por um conjunto de governos, bancos centrais, bancos de desenvolvimento e organismos multilaterais com os quais projetos de descarbonização, uma vez devidamente certificados, poderão pagar parte de seus financiamentos. Uma “moeda do clima” que remunere ações de mitigação antecipadas (concluídas antes do prazo) e adicionas (acima da meta) que serviria exclusivamente para adquirir produtos, serviços e tecnologia conduzindo a uma subsequente redução de emissões, gerando assim um ciclo virtuoso.

 Se a humanidade conseguir fazer frente ao repto de manter a temperatura abaixo de 2 graus (ou melhor ainda, 1,5) certamente esse tipo de mecanismos irão desempenhar um papel importante nas próximas décadas. É o desafio pós-Paris. Quem viver verá.

*As duas frases do texto final da COP 21 que abrem caminho para a construção de um mecanismo de precificação positiva da redução de carbono são:

Art 109: Recognizes the social economic and environmental value of voluntary mitigation actions ande their co-benefits for adaptation , health and sustainable development.


E no Art 2 do “Paris Agreement” o inciso 1 (c): Making finance flows consistent with a pathway towards low greenhouse gas emissions and climate resilient development.

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