05/02/2015

El Tango nel labirinto



É provável que nunca apareça a verdade na morte do promotor Alberto Nisman. Mais ou menos como o assassinato de John Kennedy. Há muitos anos tenho um mórbido interesse pela tragédia de Dallas que tanto me chocou com meus 12 anos.  Atualmente tendo a acreditar que havia mais de um atirador,  que a cabeça dele foi destroçada por dois tiros praticamente simultâneos de diferentes direções  por homens da máfia de Carlos Marcello e Santo Traficante com possíveis ligações com um setor da CIA e grupos anticastristas. 

 A causa principal seria a repressão à mafia comandada pelo capo  Sam Giancana  por parte do ministro da Justiça Bob Kennedy, uma insuportável "ingratidão"  pelo apoio eleitoral da dita cuja (negociado pelo velho Joe Kennedy) nas eleições de 1960, no  estado do Illinois (Chicago), decisiva para vitória sobre Richard Nixon, numa das disputas mais apertadas da historia dos EUA. Essa teoria é a que me parece a mais plausível mas não sei,  ao certo. Não sabemos. E não saberemos como não saberemos  das conspirações (ou não?) nos subsequentes assassinados de Bob Kennedy e Martin Luther King.

 A morte do pobre Nisman parece tão complicada quanto todas estas que marcaram os anos 60.  Tecnicamente parece suicídio mas ele não parecia um nem um pouco suicida, não  possuia motivo aparente, não estava em depressão, pelo contrário seu ânimo parecia combativo e beligerante. Não foi identificado nenhum indício de interferência externa, arrombamento ou presença de ninguém estranho no apartamento,  o DNA encontrado na arma e nas roupas era apenas dele, etc... 

 Mas seria, de fato,  tecnicamente impossível o assassinato? Vamos  imaginar: um grupo altamente profissional consegue entrar no condomínio fechado de Puerto Madero mediante  subterfúgio: entregadores de pizza, farmácia, visita a moradores, qualquer coisa assim. Houve uma margem de tempo considerável para tanto. Sabiam (por grampo ou informação privilegiada)  que ele tomara de empréstimo uma pistola 22 do auxiliar (eventualmente parte da trama). Possuíam, quem sabe,  um sistema de rastreamento  dos seus movimentos previamente instalado no apartamento. 

 Entraram sorrateiramente mediante técnica de serralheria quando ele estava no banheiro. Localizaram a pistola tomada de empréstimo. Ao abrir a porta do banheiro ele foi imobilizado e levou um tiro na cabeça a curta distância. Sua mão foi colocada na arma. O assassino usava luvas. Saiu(iram) discretamente do apartamento e do prédio, disfarçado(s) de alguém banal. Ou na mala de um carro com a cumplicidade de algum morador ou empregado? Não parece impossível... 

 Mas quem, nessa hipótese, teria matado Nisman? Como sua morte se encaixa na trama histórica política e de inteligência envolvendo os atentados da AMIA (1994) e da embaixada de Israel (1992)  e do suposto acordo secreto Argentina-Irã para encobrir a participação de altos personagens iranianos no caso?

 Acredito na versão de que os atentados tenham sido praticados pelo Hezbollah em represália aos ataques “cirúrgicos” da aviação israelense contra seus dirigentes -- num dos casos com vítimas “colaterais” de familiares. As relações do Hezbollah com o Irã são íntimas e intensas, particularmente com a Guarda Republicana e sua unidade de operações externas,  a brigada Al Quds. É plausível  o envolvimento  da embaixada em Buenos Aires. 

 Há no entanto muitas zonas de vácuo. Atribui-se o planejamento do atentado ao subchefe do Hizbollah, Imad Mughnyieh --morto em Damasco, em 2011,  numa operação conjunta da CIA com o Mossad.  Mas nunca se identificou os autores materiais dos dois atentados. Foram presos agentes da policia da província de Buenos Aires, depois soltos ao se considerar seu indiciamento um diversionismo. 

 Também dá margem a  dúvida o envolvimento direto do ex-presidente Hashemi Rafsandjani hoje tido como um moderado. Com base a quais dados comprovados se estabeleceu sua responsabilidade? Dados de inteligência do Mossad? Da CIA? 

  Embora tivessem atuado profusamente no exterior nunca antes nem depois  matadores a mando de Teerã praticaram atentados indiscriminados deste gênero. Sua forma de atuação típica era, sobretudo na década de 90,  a eliminação seletiva de opositores em capitais europeias. O apoio logístico que a embaixada iraniana prestou pode ou não ter tido luz verde a nível presidencial. Parece haver até hoje uma grande autonomia e até um padrão de rivalidade e  desafio entre as várias facções de poder no Irã.

Evidentemente, teria que haver  argentinos envolvidos --e não faltam na Argentina antissemitas que o Hizbollah pudesse recrutar--  o problema  é que nunca apareceram. E Nisman que por longos anos investigou o caso, por indicação do ex-presidente Nestor Kirshner, jamais conseguiu detecta-los algo que, em tese,  pareceria mais menos difícil que definir as responsabilidades precisas na cadeia de comando iraniana envolvendo o ex-presidente Rafsandjani.  

 No último período Nisman se concentrou já não mais em resolver todo esse quebra-cabeças mas em investigar a suposta decisão da presidente Cristina Kirshner de “aliviar” o Irã abandonando as vítimas da AMIA. Não resta dúvida que pode ter havido um movimento nesse sentido mas o fato é que pouco prosperou. A Interpol nega que a Argentina tenha solicitado a anulação da ordem internacional de prisão contra os iranianos acusados de envolvimento. Tanto na Argentina, quanto no Irã, houve oposição política e obstrução à ideia da “comissão da verdade” argentino-iraniana para o caso e não se vislumbra direito qual seria a grande contrapartida comercial que a Argentina receberia.

  Observadores absolutamente isentos,  inclusive vários correspondentes internacionais que cobrem o caso,  avaliam que a peça acusatória de Nisman era frágil. Mostrava que havia um lobby iraniano incrustado no governo e nos “movimentos sociais” que fazem parte de sua clientela mas continha mais um libelo político do que propriamente uma causa criminal. 

 Paralela à história da apuração dos dois horrendos atentados antissemitas  e da tentativa de superar o contencioso com o Irã, corre uma outra, a do SIDE, o serviço federal de inteligência argentino,  uma espécie de SNI on steroids  permanentemente envolvido em espionagem política e mafiosa chapa branca, manobras escusas, provocações e um onipresente “grampo” telefônico a serviço do poder e  eventuais compradores de informação comprometedora sobre outrem. 

 Durante muitos anos o czar desse serviço foi Antonio Stiusso, um personagem obscuro, dentro do negocio desde os tempos da ditadura militar, servidor dos diversos governos de cores políticas opostas e, em todo último período,  fiel e temido esbirro dos Kirshner. Homem de muitos contatos, inclusive com a CIA e o  Mossad israelense,  envolveu-se a fundo na investigação do atentado da AMIA mas também nunca conseguiu identificar os executores diretos argentinos e  do Hizbollah. Usou muito dados provenientes desses dois  serviços que lhe passaram informação de boa inteligência mas eventualmente dados politicamente direcionados para os objetivos estratégicos dos respectivos governos.

 Pois quis o destino que a cada vez mais escalafobética presidenta Cristina K e o seu espião-chefe, herdado do marido, viessem a se desentender.  Siusso --cujo melhor paralelo histórico parecer  o temível chefe do FBI,  J Edgar Hoover-- foi demitido por ela. Essa crise correu em paralelo como a fase mais recente de investigação de Nisman e, nos seus últimos dias,  com a comoção criada pelo massacre do Charlie Hebdô em Paris. Siusso era uma das principais fontes de Nisman e a relação entre ambos, na reta final, é pouco clara,  inclusive em relação a uma derradeira comunicação telefônica.

  Fontes citadas pela imprensa internacional afirmam  que a CIA trabalha com duas hipóteses: 1 - a turma de Cristina K mandou matar Nisman para deter suas denúncias (já que chegou até a rascunhar um pedido de prisão da própria presidenta...)  2 - Siusso tramou e executou a morte do procurador com requintes de profissionalismo para vingar-se de Cristina K e ferra-la politicamente para o resto da vida.

 Perdoem-me os patrícios mas, do ponto de vista estritamente lógico,  a segunda hipótese parece-me algo  mais plausível que a primeira por menos que aprecie a atual ocupante da Casa Rosada, que vai arruinando um país pelo qual,  diferente de muitos,  tenho imensa estima (salvo no futebol). Até entendo a oposição argentina, exasperada com o desgoverno --inclusive minha amiga dos “anos de chumbo” deputada  Patricia Bulrich--  surfarem politicamente nessa história mas,  sinceramente, creio mais provável a autoria Siusso que a de Cristina.

  Menos prováveis ainda que plausíveis: o Hizbolah, o Irã ou,  por que não, o Mossad?  De Netanhyahu tudo pode se esperar para isolar mais o Irã e tentar melar as negociações nucleares com Obama.  Ou, então, finalmente, voltando a ele,  o suicídio. É verdade,  há  suicídios totalmente inesperados, como raio em sereno, crises maníaco depressivas repentinas, fulminantes. Nisman estava numa posição delicada com os holofotes do mundo sobre ele,  uma denúncia pouco consistente e o bafo do muy amigo Stiusso no cangote. Ou seja tudo é possível mas pouco plausível.   

 Alô, alô, madam Agata Christie and mister Conan Doyle comparecer com urgência ao balcão do aeroporto internacional de Ezeiza para dar desfecho literário decente a esse misterioso e exasperante tango nel labirinto. 


 

Um comentário:

  1. Sirkis,você tem um trabalho tão lindo a fazer que acho um desperdício ficar tentando entender a lógica de mentes criminosas Deixa prá Ághata Cristie A vovó dá conta

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