12/10/2012

Mobilidade urbana: buscando um novo modelo




 Transcrição de trechos do meu novo livro Megalópolis, que será lançado na terça-feira 23 de outubro, a partir das 19 h na Livraria da Travessa do Shopping Leblon.


O modelo de transporte não afeta apenas a mobilidade mas  também da qualidade do ar, mortalidade associada aos acidentes, impacto das obras viárias e do trânsito sobre a qualidade de vida da população em geral - ou seja, da poluição sonora, da devastação da ambiência urbana e coisas afins.   Precisamos refletir sobre o modelo de transportes que predomina nas cidades brasileiras.  O Brasil não teve a possibilidade de fazer grandes investimentos no transporte de massa.  Pelo contrario, no caso das cidades brasileiras nos anos 60, desmantelou-se de cabo a rabo um dos sistemas de transporte urbano mais bem estruturados que já houve, o  de bondes elétricos da cidade do Rio de Janeiro.  Aqui havia 400 quilômetros de linhas de bonde e elas chegavam a todos os cantos da cidade,  serviam muito bem a população.  Quando garoto, nos anos 50, eu ia de bonde para escola - estudava na British School, na rua da Matriz, em Botafogo - pegava o bonde na rua Marquês de Abrantes e ia até a rua da Matriz em 20 minutos e era muito bom.  O meu pai, que na época tinha um carro de marca Hillman (depois comprou um Mercury)  andava atrás do bonde, xingando.  Ele ficou encantado quando o governo Carlos Lacerda, na década de 1960, tirou os bondes para colocar os ônibus elétricos, os troley buses,  apelidados de “chifrudos”.   Pouco depois os ônibus elétricos foram abolidos e o Rio de Janeiro ficou na mão dos antigos motoristas de lotação que enriqueceram e que hoje se tornaram hoje os proprietários das empresas de ônibus a diesel que se organizam na FETRANSPOR.

 Na cidade do Rio de Janeiro e noutras cidades brasileiras  o transporte público depende das empresas particulares de ônibus, porque as empresas públicas foram liquidadas, como foi o caso da CTC aqui no Rio.  Assim, mais ou menos 70% dos deslocamentos na cidade são feitos em ônibus a diesel,  20% em veículos mais leves, a gasolina,  e cerca de 10% num coquetel que tem um pouco de trem, um pouco de metrô, um pouco de bicicleta, um pouco de barcas - as vans e peruas estão incluídas nos 20% a gasolina.

 Durante muitos anos as empresas de ônibus se estruturaram muito bem para combater qualquer tipo de pressão do Poder Publico no sentido de melhorar a qualidade dos seus serviços.  Elas se organizaram para enfrentar a esquerda parlamentar, as associações de moradores e as entidades ambientalistas, e fizeram isso criando lobbies dentro da Câmara Municipal, da Assembléia Legislativa e do próprio Congresso Nacional.  Esses lobbies são muito eficazes.   (...)

 Amplia-se o acesso a automóveis por parte de uma população de baixa renda, que cada vez mais compra carros mais velhos e poluentes - e as vans – tudo isso somado evidentemente agrava o caos dos transportes.  Tudo isso tem  conseqüência ambiental: a maior causa de poluição atmosférica nos perímetros urbanos é o sistema de transportes, com os seus vários tipos de poluentes, com partículas em suspensão, as partículas finas,  dos motores a diesel, o monóxido de carbono, o ozônio, o Nox, e  CO2    -sem efeito local mas com efeito global-  tudo oriundo dos veículos movidos a gasolina.  O resultado não é um ar irrespirável, como no caso de São Paulo.  No Rio de Janeiro  temos a sorte de ter uma cidade aberta para o mar, com um regime de vento que dissipa a poluição, no centro, zona sul e na parte litorânea da oeste  mas no resto da Zona Norte e na Zona Oeste a poluição do ar  é  forte. Nos dias de inversão térmica a cidade vista de cima apresenta aquela clássica camada de fog foto-químico.

 O grande desafio da ecologia urbana é desenvolver um outro modelo de transporte que torne a população menos dependente do automóvel e do ônibus, porque na verdade  transporte de massas não é  ônibus - ônibus é transporte complementar - o transporte de massa se dá sobre trilhos, ou até sobre pneus mas organizado em canaletas expressas  exclusivas com veículos articulados, de alta capacidade.  É preciso recuperar os trens, construir mais linhas de metrô, criar essas canaletas exclusivas de ônibus articulados –menos veículos mas muito maiores--  e encontrar outras medidas alternativas, como as ciclovias e o transporte hidroviário, como complemento.  Ao mesmo tempo, evidentemente precisamos aperfeiçoar tecnicamente o rendimento dos motores de combustão  para torná-los menos poluidores. 

[No final de 2011 os carros elétricos e híbridos começam a entrar lentamente no mercado a força de subsídios governamentais nos EUA, Europa, Japão e China]

Mas existe também o aspecto urbanístico, temos que planejar bairros com usos múltiplos nos quais se cada um possa encontrar no seu bairro a grande maioria das coisas  necessita.  Isso permite prescindir de muitos deslocamentos.  Mecanismos mais complexos já existem em outros países, como procurar empregar as pessoas prioritariamente de acordo com a sua vizinhança do local de trabalho, evitando aquilo que os anglo-saxões chamam de cross-commuting  que são os vários cruzamentos irracionais que acontecem entre os vários trajetos individuais casa versus trabalho.  Finalmente, com as inovações da informática, com a Internet, há possibilidade das pessoas trabalharem nas suas casas e prescindirem de deslocamentos, tanto para trabalhar quanto para uma série de trâmites (bancários e outros) – ou seja, não se precisa mais ir ao banco ou aos correios.  O não-transporte é parte da solução do problema do transporte.(Novembro de 2001)


O Rio de Janeiro  tinha 400 km de linhas de bonde, desmanteladas nos anos 60 para favorecer o automóvel...
O Hlman do meu pai e eu... Papai torcia para que acabassem com os bondes, mal sabia o que iria acontecer...


MOBILIDADE URBANA E O FUTURO DO AUTOMOVEL

É inevitável a futura adoção, no Rio de medidas de restrição ao uso do automóvel. Resta saber quais. Segundo uma pesquisa do GPP, 43% dos cariocas admitem, genericamente, medidas de restrição ao automóvel na cidade tais como rodízio, pedágio urbano e restrição de circulação ou estacionamento em áreas supersaturadas. 45% são contrários. Quando se olha os números mais de perto fica claro que nas áreas com maior número de automóveis circulando a maioria é a favor (59,7% a 37,4%, do Leme ao Pontal). Lá onde há menos carros, como nos bairros da Leopoldina, a maioria é contra, (52% a 27,6%). Os cariocas estão divididos meio a meio e fica claro que este tipo de medida deveria começar pelas áreas mais saturadas. O fato da população nelas ser majoritariamente favorável não é, por si só, garantia de sucesso, tudo dependerá de uma implementação competente. 



 Os rodízios adotados em cidades como México, Atenas ou São Paulo tiveram sucesso apenas relativo. Na sua variante mais drástica, em Atenas, apenas 50% da frota circulava (um dia, placas par, no outro, ímpar). Quando estive lá, em 2003, tive a nítida impressão que havia um desrespeito massivo à restrição. O trânsito era péssimo mas constava que a poluição estivesse em baixa. Na cidade do México o programa Hoy no Circula restringindo a frota em 20%, a cada dia útil, inicialmente teve um efeito positivo sobre a poluição. Com o tempo, muitos começaram a comprar um segundo carro, mais velho e poluente, para usar no dia. Em São Paulo, tivermos um rodízio estadual mais severo (tipo México) e um municipal restrito aos horários de rush com efeitos reduzidos sobre a poluição embora mitigando algo os engarrafamentos paulistanos que estão entre os piores do mundo (só em Istambul vi coisa pior). 



 Já o pedágio eletrônico urbano no centro de Londres virou um caso de sucesso exemplar. Quando implantado pelo prefeito Ken Levingston, que acaba de perder sua tentativa de segunda reeleição --mas não por causa disso-- foi mal recebido nas pesquisas mas, depois, caiu no gosto dos londrinos. Em Paris, o prefeito Bertrand Delanoe e seu secretário verde Denis Beaupin implantaram as canaletas exclusivas para ônibus, táxis e bicicletas reduzindo drasticamente o espaço dos carros. Os parisienses adoraram, já os da periferia --que não votam em Paris-- detestaram. No geral foi um sucesso notável. No Rio o melhor seria começar pelas de pistas exclusivas para ônibus articulados de alta capacidade segundo projeto desenvolvido por Jaime Lerner, similar ao Transmilênio de Bogotá, do ex-prefeito Enrique Penalosa. Um segundo passo futuro seria um pedágio eletrônico em áreas e horários de supersaturação e medidas de restrição ao estacionamento. A regra geral é que essas medidas só funcionam se simultaneamente se ofereça um transporte coletivo de qualidade, além das alternativas cicloviária e hidroviária que o Rio precisa retomar e ampliar urgentemente.

 O automóvel contiunuará hegemônico por muito tempo porém suas mazelas espaciais (engarrafamentos) e ambientais se tornar-se-ão cada dia maiores. O arquiteto e urbanista Moshe Safdie, em seu livro, The city after the automobilie, especula que no futuro teremos o U-Car (Utility Car). O carro será um mero serviço de mobilidade e não mais aquele cobiçado objeto de desejo e fetiche de status. Você pegará um na fila do estacionamento central de sua rua e pagará com seu cartão. No destino, um shopping, por exemplo, você o deixará na fila. Ao sair pegará outro e assim sucessivamente. Serão veículos elétricos, híbridos ou movidos a célula combustível de hidrogênio. Safdie também propõe calçadas rolantes, mas esta patente eu reivindico para meu policial futurista , de 1986, Silicone XXI.

Os cariocas e restrição ao automóvel. Como os cariocas encaram eventuais medidas de restrição aos automóveis tais como rodízios, pedágios urbanos e restrições de circulação em certas áreas supersaturadas? Pois 45,8% são contra, 43,8% a favor e 10,4% não sabem. Interessante a repartição por áreas da cidade. Na zona litorânea, do Leme ao Pontal, 59,7% são a favor, 31,3% contra e 9% não sabem. Na grande Tijuca, respectivamente, 48,8%, 44,8 e 6%. Na região de Jacarepaguá, 52,1%, 37,4% e 10,5%. São as áreas do Rio onde circulam mais automóveis! Nas outras o quadro se inverte. Leopoldina: 52%, contra, 27,6% a favor e 20% não sabe. Na zona norte distante, respectivamente, 57,4%, 35,4% e 7,2%; na zona oeste: 45%, 44,7% e 10,3%; Bangu: 52,2%, 40,2% e 7,6%. Na Central (Méier a Madureira), há rigoroso empate: 44,7% a favor, 44,7 contra e 10,6% não sabe. Resumo da ópera: onde há mais carros há mais gente a favor, onde há menos a tendência é contra. A pesquisa é do GPP com 800 entrevistas na cidade.(Novembro de 2007)


O automóvel comanda... (Brasilia)
...molda o espaço urbano à sua conveniência. (Toronto)
Os bondes, agora chamados de VLT, veículos leves sobre trilhos, voltam às cidades...(Melbourne)
Os ônibus articulados em canaletas exclusivas BRT são outra alternativa que se complementa (Bogotá)
O carro do futuro será elétrico e despersonalizado. O "utility car". 

Um comentário:

  1. Estou convicta que mudanças sustentáveis na área de mobilidade urbana verde só serão possíveis através de uma ação em conjunto do poder público,
    iniciativa privada, como bancos, e empresas. Muito interessante as soluções propostas pela empresa Siemens, na área de mobilidade verde. Vale a pena dar uma lida.

    http://www.siemens.com.br/desenvolvimento-sustentado-em-megacidades/mobilidade.html

    Alessandra Ribeiro

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