Transcrição de trechos do meu novo livro Megalópolis, que será lançado na terça-feira 23 de outubro, a partir das 19 h na Livraria da Travessa do Shopping Leblon.
O modelo de transporte não afeta apenas a mobilidade mas também da qualidade do ar, mortalidade associada aos acidentes, impacto das obras viárias e do trânsito sobre a qualidade de vida da população em geral - ou seja, da poluição sonora, da devastação da ambiência urbana e coisas afins. Precisamos refletir sobre o modelo de transportes que predomina nas cidades brasileiras. O Brasil não teve a possibilidade de fazer grandes investimentos no transporte de massa. Pelo contrario, no caso das cidades brasileiras nos anos 60, desmantelou-se de cabo a rabo um dos sistemas de transporte urbano mais bem estruturados que já houve, o de bondes elétricos da cidade do Rio de Janeiro. Aqui havia 400 quilômetros de linhas de bonde e elas chegavam a todos os cantos da cidade, serviam muito bem a população. Quando garoto, nos anos 50, eu ia de bonde para escola - estudava na British School, na rua da Matriz, em Botafogo - pegava o bonde na rua Marquês de Abrantes e ia até a rua da Matriz em 20 minutos e era muito bom. O meu pai, que na época tinha um carro de marca Hillman (depois comprou um Mercury) andava atrás do bonde, xingando. Ele ficou encantado quando o governo Carlos Lacerda, na década de 1960, tirou os bondes para colocar os ônibus elétricos, os troley buses, apelidados de “chifrudos”. Pouco depois os ônibus elétricos foram abolidos e o Rio de Janeiro ficou na mão dos antigos motoristas de lotação que enriqueceram e que hoje se tornaram hoje os proprietários das empresas de ônibus a diesel que se organizam na FETRANSPOR.
Na cidade do
Rio de Janeiro e noutras cidades brasileiras
o transporte público depende das empresas particulares de ônibus, porque
as empresas públicas foram liquidadas, como foi o caso da CTC aqui no Rio. Assim, mais ou menos 70% dos deslocamentos na
cidade são feitos em ônibus a diesel,
20% em veículos mais leves, a gasolina,
e cerca de 10% num coquetel que tem um pouco de trem, um pouco de metrô,
um pouco de bicicleta, um pouco de barcas - as vans e peruas estão incluídas
nos 20% a gasolina.
Durante
muitos anos as empresas de ônibus se estruturaram muito bem para combater
qualquer tipo de pressão do Poder Publico no sentido de melhorar a qualidade
dos seus serviços. Elas se organizaram
para enfrentar a esquerda parlamentar, as associações de moradores e as
entidades ambientalistas, e fizeram isso criando lobbies dentro da Câmara Municipal, da Assembléia Legislativa e do
próprio Congresso Nacional. Esses lobbies são muito eficazes. (...)
Amplia-se o
acesso a automóveis por parte de uma população de baixa renda, que cada vez
mais compra carros mais velhos e poluentes - e as vans – tudo isso somado
evidentemente agrava o caos dos transportes.
Tudo isso tem conseqüência
ambiental: a maior causa de poluição atmosférica nos perímetros urbanos é o
sistema de transportes, com os seus vários tipos de poluentes, com partículas
em suspensão, as partículas finas, dos
motores a diesel, o monóxido de carbono, o ozônio, o Nox, e CO2
-sem efeito local mas com
efeito global- tudo oriundo dos veículos
movidos a gasolina. O resultado não é um
ar irrespirável, como no caso de São Paulo.
No Rio de Janeiro temos a sorte
de ter uma cidade aberta para o mar, com um regime de vento que dissipa a
poluição, no centro, zona sul e na parte litorânea da oeste mas no resto da Zona Norte e na Zona Oeste a
poluição do ar é forte. Nos dias de inversão térmica a cidade
vista de cima apresenta aquela clássica camada de fog foto-químico.
O grande
desafio da ecologia urbana é desenvolver um outro modelo de transporte que
torne a população menos dependente do automóvel e do ônibus, porque na
verdade transporte de massas não é ônibus - ônibus é transporte complementar - o
transporte de massa se dá sobre trilhos, ou até sobre pneus mas organizado em
canaletas expressas exclusivas com
veículos articulados, de alta capacidade.
É preciso recuperar os trens, construir mais linhas de metrô, criar
essas canaletas exclusivas de ônibus articulados –menos veículos mas muito
maiores-- e encontrar outras medidas
alternativas, como as ciclovias e o transporte hidroviário, como
complemento. Ao mesmo tempo,
evidentemente precisamos aperfeiçoar tecnicamente o rendimento dos motores de
combustão para torná-los menos
poluidores.
[No
final de 2011 os carros elétricos e híbridos começam a entrar lentamente no
mercado a força de subsídios governamentais nos EUA, Europa, Japão e China]
Mas existe também o aspecto urbanístico, temos que
planejar bairros com usos múltiplos nos quais se cada um possa encontrar no seu
bairro a grande maioria das coisas
necessita. Isso permite
prescindir de muitos deslocamentos.
Mecanismos mais complexos já existem em outros países, como procurar
empregar as pessoas prioritariamente de acordo com a sua vizinhança do local de
trabalho, evitando aquilo que os anglo-saxões chamam de cross-commuting que são os
vários cruzamentos irracionais que acontecem entre os vários trajetos
individuais casa versus
trabalho. Finalmente, com as inovações
da informática, com a Internet, há possibilidade das pessoas trabalharem nas
suas casas e prescindirem de deslocamentos, tanto para trabalhar quanto para
uma série de trâmites (bancários e outros) – ou seja, não se precisa mais ir ao
banco ou aos correios. O não-transporte
é parte da solução do problema do transporte.(Novembro de 2001)
O Rio de Janeiro tinha 400 km de linhas de bonde, desmanteladas nos anos 60 para favorecer o automóvel... |
O Hlman do meu pai e eu... Papai torcia para que acabassem com os bondes, mal sabia o que iria acontecer... |
MOBILIDADE URBANA E O FUTURO DO AUTOMOVEL
É
inevitável a futura adoção, no Rio de medidas de restrição ao uso do automóvel.
Resta saber quais. Segundo uma pesquisa do GPP, 43% dos cariocas
admitem, genericamente, medidas de restrição ao automóvel na cidade tais como
rodízio, pedágio urbano e restrição de circulação ou estacionamento em áreas
supersaturadas. 45% são contrários. Quando se olha os números mais de perto
fica claro que nas áreas com maior número de automóveis circulando a maioria é
a favor (59,7% a 37,4%, do Leme ao Pontal). Lá onde há menos carros, como nos
bairros da Leopoldina, a maioria é contra, (52% a 27,6%). Os cariocas estão
divididos meio a meio e fica claro que este tipo de medida deveria começar
pelas áreas mais saturadas. O fato da população nelas ser majoritariamente
favorável não é, por si só, garantia de sucesso, tudo dependerá de uma
implementação competente.
Os rodízios adotados em cidades como México,
Atenas ou São Paulo tiveram sucesso apenas relativo. Na sua variante mais
drástica, em Atenas, apenas 50% da frota circulava (um dia, placas par, no
outro, ímpar). Quando estive lá, em 2003, tive a nítida impressão que havia um
desrespeito massivo à restrição. O trânsito era péssimo mas constava que a
poluição estivesse em baixa. Na cidade do México o programa Hoy no Circula
restringindo a frota em 20%, a cada dia útil, inicialmente teve um efeito
positivo sobre a poluição. Com o tempo, muitos começaram a comprar um segundo
carro, mais velho e poluente, para usar no dia. Em São Paulo, tivermos um
rodízio estadual mais severo (tipo México) e um municipal restrito aos horários
de rush com efeitos reduzidos sobre a poluição embora mitigando algo os
engarrafamentos paulistanos que estão entre os piores do mundo (só em Istambul
vi coisa pior).
Já o pedágio eletrônico urbano no centro de
Londres virou um caso de sucesso exemplar. Quando implantado pelo prefeito Ken
Levingston, que acaba de perder sua tentativa de segunda reeleição --mas não
por causa disso-- foi mal recebido nas pesquisas mas, depois, caiu no gosto dos
londrinos. Em Paris, o prefeito Bertrand Delanoe e seu secretário verde Denis Beaupin
implantaram as canaletas exclusivas para ônibus, táxis e bicicletas reduzindo
drasticamente o espaço dos carros. Os parisienses adoraram, já os da periferia
--que não votam em Paris-- detestaram. No geral foi um sucesso notável. No Rio
o melhor seria começar pelas de pistas exclusivas para ônibus articulados de
alta capacidade segundo projeto desenvolvido por Jaime Lerner, similar ao
Transmilênio de Bogotá, do ex-prefeito Enrique Penalosa. Um segundo passo
futuro seria um pedágio eletrônico em áreas e horários de supersaturação e
medidas de restrição ao estacionamento. A regra geral é que essas medidas só
funcionam se simultaneamente se ofereça um transporte coletivo de qualidade,
além das alternativas cicloviária e hidroviária que o Rio precisa retomar e
ampliar urgentemente.
O automóvel contiunuará hegemônico por muito
tempo porém suas mazelas espaciais (engarrafamentos) e ambientais se
tornar-se-ão cada dia maiores. O arquiteto e urbanista Moshe Safdie, em seu
livro, The city after the automobilie, especula que no futuro teremos o U-Car
(Utility Car). O carro será um mero serviço de mobilidade e não mais aquele
cobiçado objeto de desejo e fetiche de status. Você pegará um na fila do
estacionamento central de sua rua e pagará com seu cartão. No destino, um
shopping, por exemplo, você o deixará na fila. Ao sair pegará outro e assim
sucessivamente. Serão veículos elétricos, híbridos ou movidos a célula
combustível de hidrogênio. Safdie também propõe calçadas rolantes, mas esta
patente eu reivindico para meu policial futurista , de 1986, Silicone XXI.
Os cariocas e restrição ao automóvel. Como os cariocas encaram eventuais medidas de
restrição aos automóveis tais como rodízios, pedágios urbanos e restrições de
circulação em certas áreas supersaturadas? Pois 45,8% são contra, 43,8% a favor
e 10,4% não sabem. Interessante a repartição por áreas da cidade. Na zona
litorânea, do Leme ao Pontal, 59,7% são a favor, 31,3% contra e 9% não sabem.
Na grande Tijuca, respectivamente, 48,8%, 44,8 e 6%. Na região de Jacarepaguá,
52,1%, 37,4% e 10,5%. São as áreas do Rio onde circulam mais automóveis! Nas
outras o quadro se inverte. Leopoldina: 52%, contra, 27,6% a favor e 20% não
sabe. Na zona norte distante, respectivamente, 57,4%, 35,4% e 7,2%; na zona
oeste: 45%, 44,7% e 10,3%; Bangu: 52,2%, 40,2% e 7,6%. Na Central (Méier a
Madureira), há rigoroso empate: 44,7% a favor, 44,7 contra e 10,6% não sabe.
Resumo da ópera: onde há mais carros há mais gente a favor, onde há menos a
tendência é contra. A pesquisa é do GPP com 800 entrevistas na cidade.(Novembro de 2007)
O automóvel comanda... (Brasilia) |
...molda o espaço urbano à sua conveniência. (Toronto) |
Os bondes, agora chamados de VLT, veículos leves sobre trilhos, voltam às cidades...(Melbourne) |
Os ônibus articulados em canaletas exclusivas BRT são outra alternativa que se complementa (Bogotá) |
O carro do futuro será elétrico e despersonalizado. O "utility car". |
Estou convicta que mudanças sustentáveis na área de mobilidade urbana verde só serão possíveis através de uma ação em conjunto do poder público,
ResponderExcluiriniciativa privada, como bancos, e empresas. Muito interessante as soluções propostas pela empresa Siemens, na área de mobilidade verde. Vale a pena dar uma lida.
http://www.siemens.com.br/desenvolvimento-sustentado-em-megacidades/mobilidade.html
Alessandra Ribeiro