07/09/2018

Reflexões sobre uma facada

A agressão a faca contra Jair Bolsonaro é condenável sob qualquer ponto de vista. Aparentemente,  o agressor é um maluquete,  ex-filiado o PSOL,  mas com um discurso onde surgem ingredientes típicos de extrema direita como o ódio à Maçonaria. É um fachoesquerdófilo sinal dos tempos,  gênero Lee Harvey Oswald. 

 Os extremos se emulam. Um país democrático depende da existência tanto de uma esquerda democrática quanto de uma direita civilizada. Uma esquerda autoritária e uma um direita selvagem conduzem em última análise à destruição de um país. Será o nosso destino? 

 Na situação em que estamos discursos radicais fomentam  mais violência com risco de circulo vicioso. Mas essa não foi tanto uma situação clássica de violência ideológica organizada –incomum no Brasil--  mas o reflexo de uma doença do inconsciente coletivo, da psique social brasileira,  depois de três anos de crise econômica aguda, da exacerbação emocional, no limite da histeria,  da justa luta contra a corrupção por parte de determinados agentes –o MP em busca de poder, a grande mídia em busca de audiência e de influência política--   e da pulverização e  tribalização da nossa sociedade.  Se dá num contexto de reverberação crescente do discurso identitário,  intolerante e autoritário,  tanto à direita como à esquerda. 

 Dias antes do lamentável atentado, Bolsonaro teatralizou com um tripé de fotógrafo o ato de metralhar petistas no Acre, um estado onde diversos sindicalistas seringueiros –inclusive Chico Mendes—foram assassinados e onde o sinistro deputado Hildebrando picava os cadáveres de suas vítimas com motosserra. Bolsonaro já havia dito, antes,  que faltou matar 30 mais mil pessoas na ditadura e que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso deveria der fuzilado. 

“Brincadeiras” dizem seus seguidores, fingindo ignorar que certo tipo de discurso provoca morticínios como tantas vezes vimos pelo mundo afora com discursos ideológicos ou religiosos fanáticos que incitam a violência. Não se bule com esses demônios.

 Sempre me intrigou a distancia entre esse discurso tão assustador e o Jair que conheci na proximidade parlamentar. Já comentei aqui que nos seis anos que convivi com o ele, na Câmara Municipal do Rio e, depois, na de Câmara Deputados, na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, mantínhamos um relacionamento cordato, quase amistoso.   Eu identificava no seu discurso, provocador,  um quê de pirraça, uma coisa meio enfant terrible. O ex-capitão, sindicalista dos militares e policiais,  cultivava a estratégia Trump antes do Trump: criar polêmicas extremadas para chamar a atenção. Cultivava uma parceria objetiva com os histéricos do outro lado, que também sabiam retirar seu dividendo eleitoreiro,  e a mídia que adora essas coisas.

  Minha maneira de discutir com ele era outra. Quando polemizávamos eu costumava a recorrer ao humor. Uma vez, na Comissão, ele me acusou de ignorar "o maior problema ecológico da humanidade”. “Qual seria esse problema,  Jair?” “O crescimento descontrolado da população”, assentiu. “Se você pensa assim, deveria ser um grande adepto do casamento gay”, respondi. Gargalhada geral na Comissão. Jair riu também.

 Algumas vezes me interroguei se aquele Jair que eu conhecia e mantinha relações cordiais comigo, como, anteriormente,  com o Gabeira --dois ex-guerrilheiros dos tempos da ditatura, agora pacíficos e convertidos ao centro esquerda--    seria capaz de nos pendurar no pau de arara num eventual advento de um novo regime autoritário por ele comandado. Francamente é uma pergunta para mim sem resposta e não quero pagar para ver. 

 De qualquer modo,  minha principal preocupação com ele nessa campanha é seu flagrante despreparo para algo tão difícil quanto o exercício da Presidência e o inevitável caos social  econômico e de convivência cidadã de  um governo por ele presidido.

 Minha grande preocupação com o Brasil é menos uma nova ditadura que repita o regime de 64-85 do que a "síndrome dos estados falidos" com a generalização de ditaduras militares locais, da bandidagem e das ditas milícias,  disseminadas por comunidades e bairros numa reedição dos senhores de guerra feudais numa era pós-moderna. 

 Isso pode se dar tanto pela esquerda --por um chavismo madurismo patropi--  quanto pela direita, numa “fugimorização” que dá errado depois de uma tentativa, fracassada,  de implantar um regime forte centralizado, hoje  muito mais difícil de repetir. No que pese a nostalgia de alguns. Não é de todo impossível, Duterte, Erdogan, Putin e Sisi estão aí para atestar mas certamente muito mais difícil que nos idos de 64. 

 O atentado tresloucado irá favorecer o Bolsonaro?  A lógica política convencional diria que sim. A vitimização traz simpatia, aí está o próprio Lula para confirmar. Uma outra linha de raciocínio levantaria duas questões que deixam pairar dúvidas no ar: será que a caracterização de Bolsonaro como, ao mesmo tempo,  fomentador e  vítima de violência não soará o alarme na cabeça da maioria eleitoral brasileira que sempre foi moderada?  Não aumentará seu  receio de que uma eventual presidência sua exploda a violência no país? 

  Talvez o efeito mais imediato do atentado seria o de quebrar aquele elã emocional da campanha do PT. Retardar o processo de transferência de votos de Lula para “Andrade”, quero dizer Haddad, ao priva-los do monopólio da vitimização.

  Essa vitimização, costumeiro  fetiche da esquerda,  não necessariamente funciona da mesma a maneira pelo lado da direita. Ali  o chefe tem que ser  forte, inatingível, invulnerável, um super herói. A imagem dele numa situação de fragilidade, se contorcendo de dor,  o reduz a uma dimensão humana, quebra um pouco aquele elã do  chefe guerreiro que vai resolver no tiro e na porrada,  que, até agora,  havia sido um grande chamariz para o eleitorado “indignista” formado o longo de três anos de crise econômica  e histeria midiática. 


 Nesse contexto,  Ciro Gomes pode obter alguma vantagem já que, nesse momento,  apresenta uma dinâmica mais ascendente que Marina e Alquimin, os dois outros candidatos com quem compartilha da minha indecisão. Qual dos três, afinal,  vai se afirmar como alternativa viável a um assustador  segundo turno entre Bolsonaro e “Andrade”? 

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