12/09/2018

Presidencialismo de crise, parlamentarismo e voto útil


Ainda não decidi meu voto para presidente. Numa eleição pautada por critérios programáticos e ideológicos eu votaria em Marina Silva com quem tenho mais pontos de concordância no socioambiental, na sustentabilidade e na economia. Nossas diferenças nas questões comportamentais (política de drogas e aborto) considero secundárias, conquanto importantes. Mas meu fator determinante de voto, nessa eleição presidencial, relaciona-se com o desafio da governabilidade. Governar o Brasil se assemelha cada vez mais à quadratura do círculo, a uma missão impossível.

 O presidencialismo de coalizão do qual padecemos demanda ao chefe de estado assumir diretamente a tarefa de constituir maioria parlamentar para governar e não ser inviabilizado. Em quatro presidentes eleitos tivemos dois impeachments (e um ex-presidente preso) por circunstâncias direta ou indiretamente relacionadas à governabilidade e seus percalços.  

Num dos meus surtos “sincericidas” certa vez disse a Marina que faltavam-lhe os defeitos necessários para ser presidente, no atual regime. Não a imaginava regateando com deputados, um a um, cultivando seu fisiologismo, seguidamente, em circunstâncias cada vez mais difíceis.  Ou resiliente à ferocidade da mídia, na era das redes sociais,  do fake news e do tribalismo exacerbado, sob fogo cruzado da direta como da esquerda. Fernando Henrique Cardoso --nosso único presidente não impichado ou preso--   uma tarde, no Alvorada, numa conversa comigo, Gilberto Gil e Fernando Gabeira, comentou: “é muito difícil passar por isso aqui sem perder a humanidade, continuar sendo gente”.

 Temos uma institucionalidade primitiva:  o chefe de estado se expõe no dia a dia, na primeira linha de trincheira. Crises agudas não encontram um desenlace institucional, normal. A única forma de fazer cair um governo inepto ou simplesmente desgastado é, como no caso Dilma, forçar a barra de um impeachment formalmente questionável. 

 “Governar com os melhores”, direis? Os melhores são minúscula minoria nos partidos e no Congresso. O próximo, eleito pelo mesmo sistema eleitoral, o sistema proporcional personalizado – nosso voto jabuticaba-- tende a ser mais da mesma coisa. Poderá variar a composição dos cerca de 20% eleitos pelo voto urbano de classe média, que tenderá mais à direita e à extrema esquerda. Mas a imensidão do voto clientelista, assistencialista, crente, curralista, direta ou indiretamente comprado, dos restantes 80%, seguira a produzir o mesmo tipo de representação. 

As circunstâncias pós-Lava Jato e o atual sistema de financiamento de campanha favorecem o chamado baixo clero. Podem mudar os personagens mas o tipo de composição, pulverizada, continuará a ser similar. Durante quatro anos, com seus mandatos garantidos, eles poderão arrancar benesses do executivo dando-lhe sempre uma sustentação precária, chantagista. Já com a espada de Dêmocles da dissolução e das eleições antecipadas a coisa muda de figura.  

 Posso até imaginar Marina, bem sucedida, num regime parlamentarista, como chefe de estado e garante das instituições. Convocando como primeiro ministro um líder político com alguma identidade programática para formar maioria parlamentar. O governo poderá cair, naturalmente, por um voto de desconfiança. Se o Congresso não for capaz de produzir uma maioria estável para governar a contento, o (a) presidente pode dissolve-lo e convocar eleições. 

A maioria parlamentar assim obriga-se a colocar  -perdoem a vulgaridade- o seu na reta a dar estabilidade ao governo. O (a) presidente sanciona as Leis e pode veta-las. Comanda as Forças Armadas, garante a Constituição, é símbolo da República, da brasilidade aos olhos do mundo, mas não governa no dia a dia.

 Por duas vezes na nossa história o parlamentarismo foi derrotado em plebiscito. As esquerdas sonhavam com um presidencialismo “forte”, caminho de reformas. A maioria eleitoral temeu que ele resultasse em “mais poder para os políticos”. 

A preocupação procede. É fácil ficar assustado olhando para essas figuras e imaginando –equivocadamente—que o parlamentarismo lhes ofereceria total poder.  É certo que traz novos  riscos e desafios mas teria que aportar seus antídotos: a dissolução do Congresso para eleições antecipadas, a adoção do voto distrital misto para melhorar a sua composição e enxugar o quadro partidário,  o fortalecimento do serviço público, concursado, limitando os cargos comissionados. 

 Se temos, pelo mundo afora,  democracias parlamentaristas bem sucedidas isso se dá menos pela virtude inata de seus políticos (não são tão diferentes dos nossos) do que pelo sistema de pesos e contrapesos e pela agilidade institucional que ele proporciona. Um judiciário e um MP ativos, junto com um serviço público bem assentado sem o peso avassalador do provimento clientelista, dariam a um parlamentarismo, associado ao voto distrital misto, uma estabilidade sujeita a uma instabilidade regrada, previsível, que só teria a ganhar com a separação das figuras de chefe de estado e chefe de governo.


A grande dificuldade, evidentemente, será combinar essa PEC “com os russos”, no  Congresso. Nisso a Lava Jato pode ajudar... Me referi a Marina, mas essa mudança é de interesse dos outros candidatos também. Todos deveriam se comprometer, com uma PEC instituindo o regime parlamentarista semi-presidencial com voto distrital misto. 

Sem isso a opção de voto tende ao “útil”.  Aquele de undécima hora para evitar o pior que seria uma polarização Bolsonaro x PT no segundo turno. No momento, há indícios de que poderia ser o Ciro.

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