10/05/2018

Eleições sem outsiders




 O que têm em comum as decisões de Joaquim Barbosa, Luciano Hulk e Bernardinho que desistirem de suas cogitadas candidaturas? Todos, num primeiro momento, imaginaram poder jogar o papel do outsiders que vêm de fora da política convencional. Pensaram fazem valer esse atrativo na campanha e, em caso de sucesso, à frente do governo para fazer diferente e melhor. No entanto, os três chegaram à conclusão que iriam entrar numa tremenda roubada e desistiram do desejo que acalentaram meses a fio, talvez anos. Não haverá outsiders nessa eleição, nem para presidente nem para governador do Rio, por mais que supostamente isso fosse objeto de grande desejo dos eleitores.

A razão pela qual eles desistiram e também outras pessoas, algumas com muito mais experiência política eleitoral, é muito simples: o contexto político, social, institucional e midiático do Brasil é singularmente adverso para quem quer simplesmente realizar, resolver: não há lugar para pessoas novas ou decentes na política que não estejam dispostos a correr riscos desmedidos e tendo nas mãos um carteado ruim com  fortíssima  probabilidade de fracasso na sequencia do eventual sucesso eleitoral.

O ódio, a divisão, a tribalização, a pulverização da sociedade brasileira são tamanhas que quem não tiver uma senhora  pele de elefante e uma imensa capacidade de não se deixar afetar pelas difamações mais vis, injustas e irresponsáveis, vinculadas tanto pelas redes sociais como pela grande mídia estabelecida e, sobretudo,  pela frustração de ficar completamente bloqueado, depois, não serve nem para o início dessa partida.

  Essa indispensável e paquidérmica resilencia não constitui necessariamente uma bela qualidade de caráter.   Em geral provem da total indiferença em relação à opinião (e sentimentos) dos outros. Apenas pessoas com esse atributo – não sei mais se qualidade ou defeito— conseguem participar do tipo de processo que temos. Têm que aguentar as situações desgastantes, deprimentes,  os vexames, as pressões e as chantagens que abalariam as pessoas “normais” cujas famílias não suportam. Ter essa capacidade é necessariamente bom? Ela é mesmo resilência ou revela um quê de psicopatia?

 É verdade que em política se apanha e sofre incompreensão todo o tempo. Vem lá dos primórdios da democracia em Atenas.  Mas vivemos um tempo em que a baixaria tornou-se exponencial.  Atualmente, quanto mais exposição –mesmo positiva-- maior atração de hostilidade. A “tribalizacão”,  singularmente agravada pelas redes sociais, pelos trolls potencializa sobretudo as energias negativas. As redes sociais, longe de “empoderar o cidadão a participar do processo político” deram voz a milhões de energúmenos que não tinham onde se expressar por não passarem pelos filtros dos canais convencionais de comunicação social. Isso deixou de ser problema. Um deles, Donald Trump,  hoje é o homem mais poderoso do mundo com seu dedo sobre o botão nuclear.  

  Mas há outro elemento ainda mais importante que inibe não só os outsiders como também alguns dos melhores quadros que o Brasil e o Rio teriam a sua disposição. É  essa sufocante sensação  do “não adianta”, “não  conseguiria fazer” que o atual status quo telegrafa a todo momento. Não adianta mesmo as pessoas mais preparadas, experientes com grandes ideias,  assumirem a presidência ou o governo do Rio porque o presidente ou governador já não dispõe mais de poder algum. Em bom português: não manda nada. 

 Há uma pompa ilusória, mequetrefe em torno desses cargos  mas a sua autoridade real anda próxima de zero. Como naquele dito gaúcho, de fronteira,  que ouvi uma vez:"está a dois dedos do rabo do cachorro".  Eleito,  o governante será fustigado por uma mídia hipercrítica a qualquer um, hostilizado de imediato  por uma sociedade pulverizada nessas pequenas tribos histéricas onde ser do contra já é um reflexo condicionado pavolviano. 

 Logo será paralisado pelos órgãos de controle, fustigado pelo Ministério Público e pelo Judiciário que  talharam sua parte do leão no exercício de um poder meramente púnico.   Sem o voto nem a responsabilidade de gerir os problemas no mundo real. Podem impedir de governar mas não podem governar até porque não foram feitos para isso.  

 Ostentam esse enorme poder de deter e destruir --por vezes com total arbítrio--  sem a responsabilidade de resolver as complexas questões da governança. Podem prender maus governantes, corruptos mas não podem produzir uma governança melhor ou as condições de governabilidade para torna-la possível. Dá pra quebrar o vaso ruim mas não para moldar o bom. Esse é o nó górdio do nosso drama atual.

 A complexidade, as sutilezas e as ambiguidades que envolvem governança e governabilidade estão drasticamente escamoteadas  no maniqueísmo binário que se instalou no cotidiano. É o circo “indignista”da grande mídia, exacerbado pelas redes sociais que poderá nos conduzir a um estado policial.

   Qualquer daqueles outsiders, tipo Joaquim, Hulk ou Bernardinho, que botasse a cabeça de fora iria, imediatamente,  virar alvo daquela devassa  apta a degolar o mais santo dos bem intencionados  que também lá terá  sua zona cinzenta. Logo seria envolvido em acusações, denúncias e escândalos que não precisariam ser provadas  para virar uma verdade inamovível nas “redes”, fato  real para milhões de pessoas. "Viu? Bem que eu desconfiava".  Provar o contrario seria nadar contra as correntes e marés do tempo atual. 


  Tempos assim foram feitos para os cínicos (com sorte),  os piores hipócritas,  os tribunos simplistas  --sempre que consigam evitar o "efeito bumerangue"—e também os bem relacionados e endinheirados, como acontece sempre. Demagogos, de ideologia variada,  conservarão suas chances, sempre que consigam não ser presos. Mas só por um brilhareco no tempo, por um  momento efêmero. Na hora de governar lá estará  descortinado  o atoleiro. Face a ele a tentação da ditadura muito embora o risco maior, de longe, seja o da "síndrome dos estados falidos":  as mil ditaduras locais sobre os escombros do estado de direto como já vivemos por antecipação no Rio de Janeiro.

 Embora a sociedade brasileira supostamente clame pelo "novo", pelo "diferente", pelo “fora da política convencional”, tende a destruí-lo  na primeira oportunidade.  A hora é do “indignismo”, das turbas de linchamento à direita como à esquerda. O processo demanda bodes expiatórios e não portadores de soluções difíceis, complicadas, de construtores de consenso ou facilitadores de diálogo. São tempos de entropia. Por isso esses outsiders antes esperançosos deram o pinote.  

 As velhas raposas tentam sobreviver e muitas conseguirão, o baixo clero esfrega as mãos esperando o que vai cair no seu colo por gravidade. O fascismo espreita.

 2018 será a respeito de evitar o pior.

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