15/11/2017

Na COP de Sísifo

(Bonn) É recorrente às COP essa sensação de estar girando em falso, de muita conversa pouca ação e menos ainda resultado. Há conferências onde se sente um pequeno progresso palpável, aquém do necessário, mas progresso, afinal. Ele nem sempre vem do processo negociador, frequentemente de algum avanço políticos em um país importante ou um registro de redução de emissões global ou nacional. Nada disso acontece na COP 23. Sua pauta nada tem de muito substantivo, trata-se de esmiuçar aplicação do Acordo de Paris, o manual de implementação de suas regras a discussão de como discutir. No entanto, o contexto político e científico internacional produz más noticias que são reverberadas dentro da COP.

 Vínhamos acompanhando com interesse a possibilidade de as emissões por queima de combustível fóssil terem atingido o seu “pico” em 2013 já que elas vinham estáveis --e até com uma ligeira queda--  coincidindo com anos de crescimento do PIB mundial. Isso é importante pois já havíamos tido, no passado,  redução de emissões de CO2 mundiais mas sempre em anos recessivos. Dessa vez havia algo diferente. Agora, cientistas do Carbon Budget Project anunciam uma projeção de aumento de 2% das emissões, em 2017,  o que seria o primeiro aumento, no agregado, desde a estabilização. Isso teve um efeito de ducha fria. Corresponderia a um aumento de emissões de mais de 3%, na China, dado um uso mais intrenso de suas térmicas a carvão por causa da seca afetando hidroelétricas (algo com tendência a ser repetir) e de uma redução menor nos EUA onde o “efeito Trump” ainda não apareceu mas poderá, mais adiante,  em função da desregulamentação das normas nacionais  da EPA(Agencia Ambiental Federal).

 Cabem certas ressaltas. Primeiro é uma estimativa, o ano ainda não acabou e ela está num patamar menor do que a margem de erro. Além disso a fonte que vem registrando com o precisão as emissões de CO2, por queima de combustível fóssil,  é a Agencia Internacional de Energia (IEA) assim que,  para seguirmos a série histórica,  teríamos que ter seus dados e não comparar dados de fontes diferentes. Por outro lado, as emissões por energia são a parte do leão dos gases-estufa mas apenas essa parte. Teríamos que acrescentar as emissões por desmatamento que, em 2015 e 2016,  aumentaram no Brasil e na Indonésia, e as “exponenciais” provenientes da decrescente capacidade dos oceanos e florestas de arbsorverem carbono, das geleiras derretendo e do permafrost liberando metano (CH4). Tanto, que apesar dessa estabilização nos relatórios de emissões de CO2/energia, a concentração de gases-estufa na atmosfera medidas em “partes por milhão” (ppm) continuaram a subir em todo esse período. Já andamos pelos 401 ppm e em alguns observatórios já se detectaram concentrações de 407 ppm.

  Lidamos com uma situação geopolítica adversa. Trump parece muito isolado mas acaba inspirando outros países carvoeiros como a Polônia que agora canta de galo mais alto com seu governo de extrema-direita disposto a resistir mais às pressões europeias. A próxima COP, que irá abrir a discussão da descarbonização de logo prazo, a COP 24, será em Katovice, o locus de uma enorme siderurgica da época do comunismo, a Huta Katovicza,  em uma região cuja economia ainda depende bastante do carvão. Não vai surpreender ninguém se ocorrerem, no ano que vem, manifestações carvoreiras contra a COP com crucifixos e fotos do Trump, despezado ao redor do planeta mas admirado na Polônia que assim irá sediar --sabe Deus porquê--  sua terceira COP.

 Um dado interessante em Bonn atual vem sendo o ativismo do governdor Jerry Brown que  junto com seu antecessor, Arnold Schwarzenegger, vem estrelando numerosos eventos em representação do que eu chamaria de  U(d)SA: United Decarbonizing States of America, que formam a quinta economia do mundo. Brown negocia diretamente com a China, agita incessantemente as plateias mas deixa transparecer uma certa angústia. No evento da IRENA que participei, mencionou o “duelo entre o pessimismo do intelecto e o otimismo do coração, de um pensador que não vou aqui mencionar”. Referia-se evidentemente ao filosofo italiano Antonio Gramsci que por prudência não nominou para que a mídia não o acuse de comunista.

 O clima da COP é de uma certa deprê e sua supreendente má organização não ajuda muito. Distâncias enormes, péssima sinalização grande perda de tempo o tempo todo. A proverbial organização alemã dessa vez não compareceu. Saudades de Marakerch. Ah, os marroquinos, esses sim, sabiam como organizar uma COP...

 Já o Brasil, procupa. Poderia estar trazendo razoáveis noticias com a inflexão do desmatamento na Amazônia que, depois de dois anos horríveis, apresenta agora queda de 16% segundo o PRODES. Mas o foco das atenções de dirige para a esduxula MP 759,  tramitando no Congresso, que quer subsidiar a indústria de petróleo em quase um trilhão de reais até 2040. Laurance Tubiana, que co-presidiu a Conferencia de Paris me perguntou: “que loucura é essa? Isso é verdade???” Expliquei que ainda fazia parte das (más) intenções e que essa MP,  se não for aprovada até dezembro, cai.


Trata-se então de balançar o pé de jaca!


MP 795, um subsídio na contramão


A austeridade, no Brasil, tem sido feroz. Até as doações obtidas a fundo perdido para a proteção do meio ambiente, com aquelas do Fundo Amazônia, quando se destinam a órgãos públicos, caem sob os efeitos do “contingenciamento” como se orçamento fossem. Acabam congeladas. Uma austeridade feroz...e burra. Pois tem a chancela do arauto dessa austeridade, a do ministro Henrique Meireles, o maior desperdício da nossa história incarnado na MP 795/17 que dá de mão beijada à indústria do petróleo quase um trilhão de reais em subsídios, até 2040. A MP original foi enviada algo sorrateiramente, sem consulta ao Ministério do Meio Ambiente, em agosto, e demorou em ser identificada na sua maligna enormidade. O relator, deputado Júlio Lopes conseguiu piora-la ainda mais estendendo sua vigência. Agora ela precisa ser votada até dezembro para não seguir para seu lugar merecido, a lata de lixo da história. Por isso,   há quem queira vota-la por agora, possivelmente para melhor queimar o filme da Brasil na COP 23, em Bonn.

 O petróleo encontra-se no limiar de uma lenta mas  profunda implosão. Antes mesmo da decisão da indústria automobilística global de entrar de cabeça na era da eletrificação, o seu preço já se estabilizara num patamar baixo pelo excesso de oferta que os recentes  cortes de produção da OPEP não remediaram. Sua agonia certamente será mais lenta e longa que a do carvão mas é inevitável,  inexorável. Até porque para a humanidade ter a menor chance de conter a temperatura do planeta abaixo dos dois graus –quanto mais 1.5--  será preciso manter enterrados cerca de 60% das atuais reservas identificadas. Futuramente esse petróleo não extraído possivelmente terá  valor enquanto stranded asset: recurso interdito. Cientes dessa situação,  grandes produtores como a Noruega,  mas também a própria  Arábia Saudita,  buscam vários tipos alternativas para um futuro menos petrodependente. Mas no Brasil, esse país de fantasia que se julga o futuro Texas do início século 20, ainda imagina-se poços off shore do Pre Sal qual novo Eldorado. Ufanemo-nos brasileiros que esse  ainda será um grande motor do nosso desenvolvimento. Voltaremos ao Poço do Visconde, de Monteiro Lobato. Podes crer, Jeca Tatu...

 Essa confiança cega na perenidade do combustível fóssil não chega ao ponto de admitir o “livre jogo” do capitalismo como senhor do seu destino. Não confia mais no próprio taco. Duvida de suas peremptórias verdades mas não dá o braço a torcer. Um pânico interior o faz se pendurar, mais uma vez, qual playboy perdulário, na bolsa da Viúva. Um país em profunda recessão, submetido a essa feroz austeridade que enxota até as doações recebidas para sublinhar sua radicalidade,  deverá  subsidiar generosa e duradouramente essa indústria não obstante sua prometida obsolescência e não obstante o consenso internacional sublinhado até pelo FMI de que é fundamental ir acabando com todo tipo de subsídios a combustível fóssil?  Globalmente são mais de 650 bilhões anuais em subsídios diretos e mais de 5 trilhões, indiretos, o que inclui os custos de saúde e outros de suas externalidades negativas climáticas e ambientais, locais,  nas quais se inclui sete milhões de mortes prematuras, em todo planeta,  por conta do ar poluído. Não há mais o que dizer sobre a MP 795 a não ser que seu lugar é na lata de lixo da história.

No Amazon Too Big to Fail

Outonais 

 Governador da Califórnia Jerry Brown
Com Zequinha e Raoni






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