15/09/2017

Rota de avestruzes

A versão do “novo regime automotivo” denominado Rota 2030, sob clara hegemonia da ANFAVEA, que atualmente circula em restritas áreas do governo, não dialoga com o Compromisso Nacionalmente Determinado (NDC) assumido pelo Brasil e não toma conhecimento do Acordo de Paris nem da necessidade urgente de reduzir a poluição atmosférica nas nossas cidades. Muito menos leva em consideração algo que salta aos olhos: a decisão das próprias matrizes das montadoras de fabricar veículos elétricos numa escala e velocidade inimaginável poucos anos atrás. 

O texto procrastina para 2032 medidas atinentes à eficiência no transporte de carga e para o pós-2030 a adoção do diesel de padrão europeu. Ainda estaremos nos preparando para melhorar a eficiência da gasolina e diesel no ano em que a Índia anunciou que terá sua frota automotiva massivamente eletrificada.

 O Brasil foi pioneiro em biocombustíveis nos anos 70. Depois, sacrificou o Proalcool subsidiando combustíveis fósseis. Perdeu a oportunidade de desenvolver um carro híbrido  etanol/elétrico. O carro flex será, até 2030, nossa mais audaciosa fronteira tecnológica. É pouco, convenhamos.  Adotamos, em 2015, na NDC, a meta --modesta--  de 18% de biocombustíveis na nossa matriz de transportes algo que o texto solenemente ignora. Essa indústria maneja um lobby poderoso, no Congresso e acostumou-se a uma confortável proteção do governo, incentivos diretos, subsídios a combustíveis fósseis, padrões ambientais lenientes e a uma certa tolerância do mercado para com o seu atraso. 

Recentemente tentou impedir o aumento da mistura de biodiesel e vêm articulando a liberação de SUV poluentes num momento em que o resto do mundo lhes impõe restrições. A influência das montadoras num Rota 2030, desconectado dos compromissos climáticos assumidos pelo Brasil deixa no ar (para além da fumaça) uma dúvida: são avestruzes que enterram a cabeça na areia sem ver a revolução dos veículos elétricos --e logo adiante dos autônomos-- que suas próprias matrizes preparam?  Ou, pelo contrário, conscientes disso tencionam simplesmente reservar o mercado brasileiro para ser o vazadouro das “carroças” poluentes enjeitadas?


Para que o Brasil cumpra o Acordo de Paris não basta combater o desmatamento ou promover a agricultura de baixo carbono, será preciso avançar já na eficiência energética e na redução de emissões de CO2 provenientes da queima de combustíveis fósseis, na produção de energia, na indústria, mas, principalmente, nos transportes, tanto de passageiros como de carga. É preciso impor limites ao transporte individual, melhorar os modais de transporte de massas, estimular os biocombustíveis de primeira e segunda geração e avançar resolutamente na eletrificação dos veículos investindo na sua infraestrutura de recarga e em tipos de baterias as mais apropriadas ao nosso clima e condições. Em 2030, nossas emissões de gases-estufa precisarão ser 43% menores que as de 2005 e o motor à combustão de gasolina –subsidiada ou não—   em rota firme rumo ao destino do Ford Bigode.

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