A crise econômica, social, politico
institucional e de segurança do Brasil prossegue a todo vapor. A anunciada
melhoria dos indicadores macroeconômicos só me suscita um sorriso amargo. Quanto
tempo tardará para termos um mínimo de alívio social? O tipo de recuperação que
faz vibrar bolsa de valores não é necessariamente aquela que irá abrir num novo
ciclo de desenvolvimento socialmente inclusivo e sustentável.
Hoje encerra-se o
proconsulado (o cargo no Império Romano) de Rodrigo Janot e suas flechadas a, literalmente,
torto e direito. Me
recordo dele de meu tempo de deputado durante o primeiro governo Dilma. Parecia
perfeitamente alinhado com o Planalto e
o PT. Quando fui obrigado a sair do PV, em outubro de 2013, ele me incluiu numa
lista de parlamentares cujos mandatos
seu MP pediu ao TSE para cassar por “infidelidade partidária”.
Perseguido pelo
presidente vitalício do partido que fundei, presidi oito anos e no qual permaneci
27, quem decidiu negar-me a legenda em 2014 –naquele ano anterior eu ainda
pensava me recandidatar-- fui obrigado a
deixar o PV e me filiei, junto com a Marina Silva, no PSB. Na época aquele
pedido de cassação me pareceu insuflado um segmento ativista do PT, no MP, como parte do jogo contra ela. Me incluíram na
lista dos “infiéis” embora meu caso tivesse sido amplamente noticiado. As
pessoas sabiam o quanto fora doloroso para mim deixar o PV.
Depois
da audiência com o juiz eleitoral, no corredor, perguntei ao representante do Janot por que a
senadora Katia Abreu, que também trocara de partido, não fora incluída na lista que dos que MP
queria cassar. Me explicou que a infidelidade não se aplicava aos senadores, só
aos eleitos “proporcionais, vereadores e deputados”. Como assim? Isso não
estava na Lei. “É a nossa interpretação”, explicou. Aquilo não deu em nada, claro,
o TSE me deu ganho da causa. Mas produziu algum noticiário de mídia negativo minha
suposta “infidelidade partidária” com direito a foto... Foi minha experiência
pessoal com o proconsul Janot e suas flechas de bambu.
PASSADO A LIMPO?
Uma narrativa possível é a do Brasil sendo
“passado a limpo”: intrépidos promotores, juízes e ousado jornalismo, contraponto
dos poderosos, promovem devassa no establishment
político e empresarial. Apesar dos traumas e erros menores, aqui e ali, emergirá
um Brasil melhor, em algum momento futuro. Corresponde aos sonhos que tantos de
nós acalentávamos, inconformados com a podridão política brasileira.
Mas como emergirá
esse novo Brasil ainda não se vislumbra senão como artigo de fé. O que se
descortina visível é a terrível crise econômica, um sobressalto permanente avesso
a qualquer estabilização, um horizonte carregado
de maus agouros. A “passagem a limpo” do Brasil certamente implica no expurgo
de esquemas, práticas e políticos corruptos e no fim de sua instrumentalização
do aparelho de estado. No entanto, por si só, isso não garante futuras
representações ou tempos melhores.
A
cura messiânica, “neo-tenentista” --hoje das togas não dos quartéis-- periga seguir
a clássica trajetória das revoluções: inicio promissor, exultante, catártico, depois,
terror e, ao fim, o Thermidor –a restauração—ou
a nova ordem, amiúde pior. Trata-se de uma revolução pós-moderna, sem
barricadas, assaltos ao palácio de Inverno e outros que tais, feita por dentro
das instituições persecutórias e de parte de um judiciário, cumprindo seu papel
mas tomando certas liberdades com as garantias individuais e o estado de
direito, pelo uso generalizado de instrumentos que demandariam certa parcimônia
como as expeditas e intermináveis prisões provisórias e o recurso intensivo às delações,
umas mas mais premiadas que outras...
Dirão: sem
isso a Lava Jato não teria desmantelado os megaesquemas de corrupção
incrustrados nas empresas estatais, não teria desmascarado e punido ladravazes
notórios, não teria frustrado uma estratégia de perpetuação no poder, análoga àquela
do PRI mexicano, no século XX.
Ninguém pode negar esse mérito à Lava Jato. As
revoluções sempre irrompem por causas justificadas e, nos seus primórdios, produzem
punições justas e necessárias, conquanto drásticas. Os problemas chegam, mais adiante,
quando o poder sobe à cabeça dos revolucionários, quando é preciso agradar mais
e mais um público tomado de amores pela guilhotina. Quando é preciso compensar essa
frustrante vida quotidiana que só piora mas pode ser distraída pelo espetáculo persecutório
que também passa a servir às inevitáveis disputas de poder. Quando se engendra
uma dinâmica fora de controle, e se descobre ali, entre tubos e provetas, o vulto
do Frankenstein.
Um momento, direis, ao judiciário, MP e à grande mídia,
audazes protagonistas dessa revolução, absolutamente não cabe solucionar os
problemas do Brasil apenas “rigorosamente cumprir a Lei”! Salta aos olhos,
porém, que esse rigor é relativo, seus critérios elásticos e, por vezes, escancaradamente
políticos. Alguns dispositivos legais são assim “esticados” ao máximo. Outros, totalmente ignorados, como o desmoralizado
segredo de justiça, exemplo vivo daquela Lei brasileira que “não pegou”, vulgarizando
os vazamentos e a divulgação de conversas “grampeadas”, inclusive de pessoas
sem relação alguma aos fatos investigados.
Do lado
midiático, onde se dá a instantânea, inapelável e irreversível condenação à
execração pública, à noite na TV, a atualidade tornou-se quase monotemática com
90% do noticiário dedicado às mesmas delações, malas de dinheiro, grampos e
listas de políticos, repetidas ad naseum,
em tom militante. Nada mais acontece de interesse no Brasil e no mundo, já
se sabe. Parte da classe média se eletriza com esse clima. Nas redes sociais
rebimbam as duas tribos viscerais: coxinhas versus mortadelas.
O NÃO DIALOGO
São duas narrativas não dialogantes, sectárias, excludentes.
Qual novo universo político resultará de tudo isso? Possivelmente haverá, em
2018, alguma renovação naqueles 20% eleitos pela classe média urbana. Tenderá mais
à direita e, em menor escala, à extrema esquerda. Os 80% restantes eleitores --que
a muito tempo dão de barato que “os políticos são todos ladrões”-- pragmáticos,
continuarão a dar seu voto de clientela, assistencialista e/ou religioso.
No
entanto, nem os atuais políticos são extraterrestres (afinal alguém os elegeu),
nem a corrupção na sociedade brasileira é seu exclusivo apanágio. Refletem algo
que a sociedade não gosta de ver refletido. Se fossem agora apartados por um
brado retumbante de ‘qué se vayam todos!’, quais
seriam seus sucedâneos? Um “baixo clero” que não aparece na mídia, cujas
campanhas não receberam contribuição das grandes empresas investigadas mas de
negócios locais, frequentemente, da economia informal e, eventualmente, da criminosa
violenta: grilagem, bicho, milícias, tráfico, etc. Vácuo não haverá mas
progresso ninguém garante.
A tábula
rasa não costuma produzir esse progresso. Outros países que melhoraram sua qualidade
da representação, governabilidade e governança, o fizeram pela progressiva decantação
institucional, política, educacional e cultural que levou um certo tempo. Mesmo
saindo de grandes traumas, eram sociedades com autoestima, confiança mútua e otimismo
num viés de alta. Seu progresso institucional e econômico não resultou do mero desmantelamento,
muito menos de uma auto-deprecação masoquista, de um “complexo de vira-latas”.
Somos um país em brutal recessão, sem perspectiva de rápida recuperação com mínimo
efeito social com devastação ambiental crescente, violência fora de controle,
facções criminosas mais fortes que nunca com grande quantidade de armamento de
guerra circulando em comunidades e periferias, convêm calcular lucidamente os
próximos passos e saber bem o que se quer da vida.
O Brasil é um avião, da torre acabam
de dar voz de prisão ao piloto, os passageiros, coxinhas e mortadelas, trocam
sopapos e pernadas na cabine, qual cinematográfica briga de saloon. A aeronave penetra em intensa
zona de turbulência. Apertem os cintos...
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