Acautelai vos contra as políticas da raiva. O
clima lhes é propício. Burra, a esquerda se pulverizou em tribos mil e se ilude
poder voltar ao poder com velas infladas pelo vento da raiva. A grande mídia
espalha raiva. Em parte pela guerra da audiência, em parte pelo sentimento de
onipotência que dá aos seus editores serem a ponta e lança do “indignismo” de
uma classe média desnorteada. Não aprecio muito o Neil Ferguson pelo seu
republicanismo (tradicional, não trumpiano) mas no último Foreign Affairs ele acerta na mosca ao explicar, matematicamente, como o fenômeno das redes sociais trouxe no
seu DNA uma pulverização sectária da sociedade. Se no Brasil a grande mídia tradicional
se faz panfletário-inquisitória, as redes sociais são grande estande de tiro. Já não somos mais
capazes de amplos denominadores comuns. Já não importa buscar estratégias reais,
plurais, plausíveis para tentar sair da terrível crise econômica, social e
ambiental. Importa apenas afirmar-se: agrido portanto existo.
Não há mais hipótese de alianças amplas,
modernas buscando soluções que estejam ao alcance do Brasil com todas suas imensas vantagens para
se afirmar na geopolítica do século XXI, efetuando sua transição para uma
sociedade inclusiva e ecologicamente viável. O momento é francamente regressivo. É hora das tribos, em busca da afirmação
fanatizada da própria identidade. "Mortadelas" ou "Coxinhas" são intransigentes, irancudas, primárias.
Não interessa mais dialogar com o diferente, encontrar pontos de entendimento,
compreender suas inquietações, medos, paranoias
para fazer avançar agendas que atendam a uns sendo aceitáveis pelos outros para
fazer avançar uma agenda política de maiorias. Não há espaço comum. Só antagonismos
sofregamente entre minorias cultivados
por colecionadores de raivas.
Num contexto assim não há nada surpreendente no
ressurgimento de um discurso pro golpismo militar clássico paralelo ao de um
neofascismo trumpiano. A esquerda, abobada, em vez de consolidar os avanços da
história das últimas décadas, passou os últimos 13 anos soprando nas brasas então quase apagadas da extrema direita, tentando reviver antigas batalhas como foi aquela
demanda estúpida de revisão da anistia. Os novos avanços também foram feitos de
forma a serem os mais antagonistas e menos dialogantes possíveis.
Por exemplo: a maior parte do conservadorismo religioso seria até capaz de aceitar uma agenda gay de não-discriminação entendendo que, numa democracia, todos tem direitos a ser o que são sem sofrer perseguições ou violências. Deveria ser uma questão de direitos civis não de educação sexual nas escolas com a imposição de um discurso “politicamente correto” ou uma tentativa de criminalizar alguma objeção retrógrada porém legítima numa sociedade plural onde a Constituição protege não apenas o politicamente correto.
A extrema-direita, que o governo do PT foi pródigo em ressuscitar, hoje se define menos por algum discurso direitista bem construído, do que por um sentimento visceral anti-esquerda. Reacionário no lato senso.
Por exemplo: a maior parte do conservadorismo religioso seria até capaz de aceitar uma agenda gay de não-discriminação entendendo que, numa democracia, todos tem direitos a ser o que são sem sofrer perseguições ou violências. Deveria ser uma questão de direitos civis não de educação sexual nas escolas com a imposição de um discurso “politicamente correto” ou uma tentativa de criminalizar alguma objeção retrógrada porém legítima numa sociedade plural onde a Constituição protege não apenas o politicamente correto.
A extrema-direita, que o governo do PT foi pródigo em ressuscitar, hoje se define menos por algum discurso direitista bem construído, do que por um sentimento visceral anti-esquerda. Reacionário no lato senso.
Nossa
esquerda não conseguiu apreender o que os vietnamitas que venceram os EUA, nos
anos 70, ensinavam: “ganhar todos que
podem ser ganhos, tornar neutros aqueles que não consigamos ganhar, isolar o
inimigo o principal”. Aqui foi o contrário: irritar o maior número de pessoas
possível, criar novas divergências, empurrar para longe possíveis antigos ou
novos aliados, cultivar a soberba, perpetuar-se no poder a todo custo –mesmo ao
preço da hiper corrupção-- e alargar ao máximo o espectro dos que não os suportam. Resultado: a ressureição de
uma direita à sua imagem e semelhança só que de sinal contrário.
O
neofascismo é negócio na essência meio antibrasileiro mas tem lá sua clientela jovem,
pobre ou de classe média que não convêm subestimar nesses tempos de crise e
desorientação. Se Trump pôde triunfar
nos EUA, apenas um sistema eleitoral mais sensato –o nosso, de eleição direta em
dois turnos!—nos deixa em situação de
risco um pouquinho menor. Num segundo turno, seria algo difícil uma figura
grotesca e extremista se impor. Mas não impossível... De qualquer modo
mais graves são os danos colaterais e a incorporação de atitudes fascistóides
no poder institucional.
Beleza, acabou
a impunidade e um bom número de grandes figuras políticas e empresariais chapa
branca estão vendo o sol nascer quadrado. Isso só trará um melhor padrão na
vida pública se vier acompanhado de uma reconstrução da política brasileira em
algum patamar mais limpo que demanda um misto de renovação e reciclagem que não
se avista no horizonte. O plantel de candidatos
a presidente é simplesmente lamentável. Assustador pensar num segundo turno
Lula x Bolsonaro.
A reforma política fracassou, manteve o voto jabuticaba que vai conservar uma representação parlamentar fruto do clientelismo/assistencialismo e a emergência do baixo clero trará consigo uma maior influência política do narcotráfico, milícias e outras modalidades de criminalidade violenta.
A reforma política fracassou, manteve o voto jabuticaba que vai conservar uma representação parlamentar fruto do clientelismo/assistencialismo e a emergência do baixo clero trará consigo uma maior influência política do narcotráfico, milícias e outras modalidades de criminalidade violenta.
Aos que
imaginam que uma solução militar ou judicial-militar é um caminho, convêm lembrar
que o Brasil não é o de 1964 quando o estado mal que bem possuía o monopólio
sobre o armamento de guerra. As armas do conjunto dos grupos que, quatro anos
depois, passaram a combater o regime, todas somadas, são hoje superadas de longe pelo mais
modesto arsenal da menor favela dominada pelo narcovarejo no Rio. Há uma
quantidade absurda de armamento circulando na nas comunidades e periferias. Uma
quebra da ordem institucional produziria não uma ditadura militar mas centenas de
ditaduras militares locais.
Hoje o grande risco não é mais um regime a la 64 mas a síndrome dos estados falidos. Por isso vale a pena ter cuidado, respirar fundo e acreditar na velha frase de Churchill de que a democracia é o pior dos regimes do exceção de todos outros.
Hoje o grande risco não é mais um regime a la 64 mas a síndrome dos estados falidos. Por isso vale a pena ter cuidado, respirar fundo e acreditar na velha frase de Churchill de que a democracia é o pior dos regimes do exceção de todos outros.
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