11/11/2016

A COP impactada


A eleição de Donald Trump caiu como uma bomba na COP 22, em Marrakech. Afinal, ele declarou que a mudança climática “é uma fraude inventada pelos chineses” e rodeou-se de negacionistas climáticos. Num dos debates com Hillary, no entanto, negou seu negacionismo com grunhidos e caretas sem explicar exatamente qual sua posição. Ele certamente irá tentar favorecer a indústria do carvão que atualmente passa por uma crise provocada, em parte por uma regulação climática e ambiental mais severa,  mas numa medida maior ainda por uma razão econômica: o boom do gás de xisto, barato e altamente competitivo com o carvão. Ao contrário de muitos republicanos Trump já adotou no tempo diversas posições opostas entre si sobre diversos assuntos. Não é evidente, embora certamente possível, que adote uma posição radicalmente negacionista. Prevejo mais ambiguidade e confusão.

A energia limpa, as eólicas e o solar hoje constituem uma grande força econômica geradora de emprego e negócios, inclusive no sul dos EUA em estados governados pelos republicanos, como o Texas. Trump, mesmo que queira, não conseguirá reverter essa tendência nem os estímulos às energias limpas que vigem até 2020. Claro, poderá fazer bastante estrago no arcabouço político-diplomático arduamente construído e sacramentado do Acordo de Paris mas mesmo para se retirar do Acordo ele terá que percorrer tortuosas vias. Mais fácil será fazer corpo mole. Boicotar o que já era difícil.

 Até agora a única coisa que se pode dizer com certeza é que daqui para frente uma estratégia climática global poderá avançar menos pela via regulamentadora, consensual, como é esse processo da UNFCCC. Ela precisará se impor, por si,  como uma tendência da economia moderna. A transição para a descarbonização será pela via econômica ou não será.

O estande dos EUA fica quase em frente ao do Brasil e notam-se aqui muitos membros de sua delegação desolados. O secretário de estado John Kerry, no entanto, manteve sua visita a Marrakech e irá marcar fortemente posição de apoio ao Acordo de Paris. Já será de certa forma um dos primeiros atos de resistência aos tempos obscuros que em breve virão.

 Minha filha que mora em Los Angeles me ligou aos prantos, meus amigos do Climate Reality, de Al Gore,  estão desconsolados. A guisa de consolo tenho lhes dito o seguinte: era inevitável depois de oito anos de um --extraordinário-- presidente negro que a sociedade norte-americana acabasse engendrando, por conta dos desajustes da globalização e resistências ao multiculturalismo,  um ciclo reacionário. Hillary teria tido dificuldades enormes para governar. Se esse ciclo abriu-se mais cedo um otimista poderá imaginar que também terminará mais cedo. Vai depender da força da metade da sociedade norte-americana (que ganhou por pequena vantagem o voto popular) e de sua vontade de retomar o caminho de Obama. A própria presidência de Trump tenderá a ser uma montanha russa (ou uma roleta russa) de desatinos com cenários nesse momento inimagináveis e possivelmente tragicômicos.

 Quanto à COP 22, em si, ela não está dentre aquelas destinadas a ser politicamente importantes. Trata-se aqui de esmiuçar e iniciar a aplicação  de aspectos do Acordo de Paris e os prazos para tanto numa conjuntura atropelada –aqui no bom sentido--   pela sua surpreendentemente  rápida ratificação e entrada em vigor. Em foco estão  questões como a  da transparência e da comparabilidade entre os Compromissos Nacionalmente Determinados dos diversos países e a possibilidade de todos expressarem quais serão suas reduções (ou não) de emissões no agregado; o financiamento da adaptação e do Fundo Verde do Clima; as “regras de aplicação” das diversas previsões do Acordo; o conteúdo específico da COP 24, prevista para 2018,  e que deverá se debruçar sobre estratégias de longo prazo para economias carbono neutras,  na segunda metade do século são algumas das questões relevantes em discussão.


 Como dirão nossos anfitriões: “os cães ladram, a caravana passa”.

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