05/09/2014

Rumo à moeda do Clima




Os relatórios científicos sobre o processo de aquecimento do planeta confirmam sistematicamente os cenários mais preocupantes anteriormente esboçados. Esse é o caso do mais recente “rascunho” do IPCC que agora irá passar pelos ajustes das instâncias políticas governamentais que possivelmente atenuarão um pouco sua científica brutalidade. 
Possivelmente haverá um novo acordo do Clima na COP 21, em Paris, no próximo ano --sou um otimista incorrigível--  mas ele não será suficiente, nem de perto para, fechar o chamado “gap” o abismo que existe entre o mínimo que a comunidade científica estima necessário para manter a temperatura média  do planeta, esse século, abaixo de dois graus e a concentração de gases efeito estufa na atmosfera abaixo de 450 ppm,  e  o máximo que o consenso entre 193 governos consegue negociar de redução de suas emissões.

  Na China, o maior emissor, começa-se a admitir a ideia de um  “pico” das emissões e uma redução subsequente no “agregado” (uma redução em números absolutos) no final da próxima década. Os EUA e a União Europeia o segundo e terceiro maiores emissores já vem reduzindo as suas mas  esse processo é penosamente lento para o que objetivamente se faz necessário. Outros países como a India planejam aumentar significativamente suas emissões em nome do desenvolvimento. No Brasil, onde logramos resultados significativos pela redução de desmatamentos o incremento de emissões por energia ameaçam uma retomada do aumento de emissões  totais a partir de 2020.

 Diante da perspectiva de que  o processo da ONU, embora com avanços incrementais, dificilmente conseguirá  com suas medidas de “comando e controle” internacionais as reduções suficientes para a estabilização do clima no paradigma 2 graus/450 ppm,  há duas grandes estratégias  complementares a serem implementadas para além, naturalmente, daquelas de adaptação às consequências das mudanças climáticas já inevitáveis.

 A primeira seeia um esforço concentrado, específico, aos países grandes emissores.  Só a China e os EUA, juntos,  são responsáveis por 40% das emissões de GEE. Junto com a União Europeia, a Índia, o Brasil e alguns outros países compõem o essencial das fontes nacionais de GEE. Uma série de concertações bi e plurilaterais entre esses países podem obter resultados significativos. Também é fundamental um processo negociador da qual participem diretamente as empresas maiores emissoras. Várias delas emitem o equivalente a dezenas de países pelo seu volume é mais realista associa-las diretamente a acordos de geometria variável do que imaginar que esse ou aqueles governo possa assumir o compromisso de lhes impor obrigações quando sua própria subordinação a este ou aquele marco legal nacional é incerto ou frágil dentro do processo de transnacionalização.  

 A mesma dificuldade que existe em tributa-las com eficácia no marco nacional encontramos em impor-lhes limites de emissão. A própria atribuição “nacional” de emissões embora legalmente consagrada é errática: uma cimenteira japonesa transferida à China ou uma siderúrgica alemã ao Brasil consagra uma redução no país de origem que, de fato, é perfeitamente fictícia, já que o processo de emissão de  gases estufa é  essencialmente global. Há também uma discussão pertinente sobre a justeza de se atribuir a responsabilidade por emissões no território de um determinado país de produção destinada à exportação, portanto, ao consumo  em outros países. 19% das emissões da China entrariam nessa categoria.  Todo esse tipo de discussão, conquanto altamente pertinente, leva a impasses nos processos negociadores no marco da UNFCCC que demandam consenso de 193 governos. 

 Uma evidência do mundo atual é a limitação de recursos nas mãos dos governos para arcarem com os custos de transição para uma economia global de baixo carbono. Por ou lado o sistema financeiro internacional gira mais de duzentos trilhões de dólares numa lógica de automultiplicação. Sem atrair pelo menos uma pequena parte desse recursos financeiros para uma economia de baixo carbono a transição será muito difícil senão impossível.

  A condição básica para que isso possa ocorrer é o reconhecimento da redução de carbono como uma unidade de valor. Em suma, a criação de uma espécie de “moeda do clima” conversível que sirva para adquirir produtos, serviços e tecnologia que conduzam a redução de emissões. Torna-se fundamental nesse momento uma  “Bretton Woods do baixo carbono” análoga embora obviamente bem diferente daquela ordem financeira internacional estabelecida em 1944 para fazer o planeta recuperar-se daquela guerra ainda em curso que matava dezenas de milhões de seres humanos e destroçava países inteiros.


 Trata-se de reconhecer a redução de carbono como unidade de valor financeiro internacional. Em Bretton Woods convencionou-se que o dólar fosse lastreado no padrão ouro e isso se manteve até 1971. Foi basicamente um convenção humana que deu estabilidade ao sistema monetário do pós-guerra. Uma conveniência dos tempos. Agora cabe reconhecer e  declarar o valor social da redução de emissões, precificá-la e torna-la conversível. Criar um novo valor financeiro essencial para estabilizar o clima e prevenir uma  catástrofe para as futuras gerações. A partir daí pode-se criar uma “moeda do clima” que ao mesmo tempo financiará a economia de baixo carbono e uma retomada da economia produtiva mundial atraindo  parte do excesso de poupança existente no mundo. 

 Atualmente são cerca de 220 trilhões de dólares nos diversos circuitos financeiros internacionais, privados. Os recursos do governos nacionais disponíveis atualmente, ao contrário dos EUA em 1944,  são muito  restritos. A fonte possível para o financiamento de economias de baixo carbono depende de se estabelecer essa capacidade de atração criando produtos financeiros lastreados na redução de carbono reconhecida como unidade de valor.

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