24/09/2014

Nova York num certo clima


 O climate summit (cúpula do clima) convocado pelo secretário geral da ONU Ban Ki-moon para “aquecer” --o termo pode ser inadequado--  as coisas com vistas à Conferência de Paris, no próximo ano, para a qual se espera um novo acordo do Clima, não produziu nenhuma novidade notável embora tenha revelado certas tendências positivas. O pano de fundo foi a grande manifestação de quase 400 mil pessoas em defesa do Clima em Nova Kork, no domingo. Ela de fato representou uma retomada de mobilização e da conscientização depois de anos de apatia climática estimulado por uma polarização mais aguda em torno do tema que na maioria dos outros grandes países.

 A incessante ação do lobby “negacionista”,  financiado pela indústria do carvão e do petróleo,  fez dos EUA o país com a maior parcela de gente que simplesmente não acreditava no aquecimento global de origem antrópica. Essa proporção chegou a quase metade da população americana nos anos Bush. As grandes secas, furacões e enchentes de uma violência sem precedentes, os relatórios científicos, cada vez mais alarmantes começam a fazer recuar o negacionismo climático e, no seu segundo governo, Obama adotou uma postura mais combativa entre outras coisas estabelecendo um limite a emissões por ato  executivo da EPA, agência federal de proteção ambiental,  já que a Câmara continua dominada por uma maioria republicana hostil ao tema. No Senado pelo menos quatro democratas de estados carvoeiros também privam Obama da maioria que necessita.

 A “revolução” do gás de xisto permitiu uma redução do uso do carvão e uma redução de emissões de CO2, pela primeira. Nos dois últimos dias assisti vários discursos muito enfáticos que indicam uma ofensiva política na questão, nos EUA,  respondendo  ao mais recente --e particularmente alarmante--  relatório do IPCC. Em um evento do Climate Group, no Morgan Museum, o secretario de estado John Kerry, o secretário geral da ONU, Ban Ki-moon e o americano/coreano  presidente do Banco Mundial, Jim Yong Kim e,  no Lincoln Center, na  cerimonia de premiação do PNUD, o ex-vice presidente Al Gore, todos bateram todos na mesma tecla: nosso tempo está se esgotando, somos a última geração que pode enfrentar com relativo sucesso o problema evitando consequências catastróficas. As graves já são inevitáveis e vão exigir muita adaptação. Na   Assembléia Geral da ONU Obama foi no mesmo tom. Dos grandes tenores do lado democrata só não vi no pedaço a Hillary Clinton.  

 Mas fora a relativamente recente estridência norte-americana o que avançou de concreto o summit? Não foi particularmente concorrido ou prestigiado. A China, atualmente principal país emissor, com mais de um quarto dos GEE despejados na atmosfera mandou seu número quatro da hierarquia, o vice-primeiro ministro Zhang Gaoli. Angela Merkel não apareceu. Vieram David Cameron e François Hollande. O presidente francês cuja popularidade anda na casa dos 15% vai sediar a COP 21 ano que vem. Conversamos rapidamente. Quase lhe sugeri se fazer benzer por uma mãe de Santo, na Bahia,  pois sua maré de azar parece  inesgotável... Também estavam o presidente Peña Nieto, do México e a presidente da Coreia do Sul, Park Geun Hye. Ambos fizeram discursos interessantes com ênfase na transição e no financiamento para a economia de baixo carbono. Nieto prometeu dez milhões de dólares para o Fundo Verde do Clima, e    cem milhões. A previsão para o fundo, quando se sua criação era de 100 bilhões de dólares anuais, em 2020. Ninguém é capaz de mostrar como isso será possível. Até agora nem um quarto parece assegurado. Se há alguma certeza é a de que os governos, por si só, não serão capazes de financiar essa transição.

 Aí entram as discussões que o nosso think tank Rio/Clima vem levantando, desde 2012: é preciso se criar condições para drenar algo dos 220 trilhões de dólares que giram no sistema financeiro internacional mediante uma “Bretton Woods do baixo carbono” que reconheça a redução de GEE como uma unidade de valor financeiro,  conversível. A ênfase do presidente do Banco Mundial, Jim Yong Kim,  na necessidade de uma precificação do carbono, corroborado por uma tomada de posição nesse sentido por diversas grandes empresas num anúncio de página inteira do New York Times e o anuncio da família Rockfeller de que vai retirar seus investimentos das empresas petróleo e carvão, indicam o início de um movimento.

 Não é segredo para ninguém que a COP 21 gestará um acordo que vai representar um certo avanço mas muito aquém daquilo que os cientistas apontam como o mínimo necessário. Será preciso complementá-lo com uma concertação entre países grandes emissores para reduções adicionais e o que estou denominando um “Breton Woods” do baixo carbono, a criação de condições para canalizar para um investimento produtivo em energias limpas, cidades eficientes, agricultura de baixo carbono e transportes não poluentes de alguns dos trilhões que giram o planeta nos circuitos financeiros especulativos internacionais.  É o nó górdio da coisa.  


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