18/08/2014

Turbilhão de incertezas


  

A única vez que presenciei algo assim foi em 1974, em Buenos Aires na morte do presidente Juan Domingo Perón. Uma onda de dor e emoção numa escala tão imensa. Cheguei em Recife no sábado e fui com meu amigo s ex-secretário de meio ambiente de Pernambuco, Sérgio Xavier, à base aérea aguardar a chegada dos corpos a bordo de um Hercules da FAB. No pequeno salão da base e no seu terraço lateral haviam umas quinhentas pessoas a maioria da família, amigos e servidores do governo de Pernambuco e da prefeitura. Esperamos num silencio impressionante que só parou com os aplausos quando o grande aparelho camuflado com suas quatro hélices barulhentas parou em frente ao espaço da imprensa junto à pista --debaixo de chuva-- e os esquifes de Eduardo e seus três acompanhantes começaram a ser retirados pelos soldados da FAB.

 Seguiu-se um longo percurso de umas três horas –me aprece interminável—pelas ruas de Recife. O esquife em cima do caminhão de bombeiros com alguns dos filhos de Eduardo, a viúva Renata e o mais pequeno, Miguel, na cabine.  A longa caravana –de fato uma carreata—passou por todo tipo de bairro. As duas da madrugada de domingo as ruas estavam cheias e gente de todas as idades pelas calçadas  com faixas e cartazes improvisados de todo formato, bandeiras do Brasil e de Pernambuco. Nos bairros mais populares muitos gritos predominando “Eduardo, guerreiro do povo brasileiro”, nos de classe média uma emoção mais comedida: aplausos e lenços brancos. Dos lados da caravana um enxame de motos fazendo manobras as mais perigosas buzinando sem cessar numa cacofonia atroz. Outros acompanhavam correndo. Um garoto magrinho correu todo  o percurso: um maratonista anônimo.

 No final, no palácio das Princesas uma multidão em prantos quando os caixões de Eduardo e Percol  desceram das viaturas de bombeiros e foram colocados sob uma tenda preparada para a missa horas mais tarde. Dor e perplexidade. As pessoas pouco se falava mas se abraçavam muito. A superlotação era opressiva mas todos davam um jeito de torna-la suportável. Do lado de fora, da rua em frente ao Palácio, ouviam-se frequentemente gritos de revolta com uma aparente adesão as teorias conspirativas correndo nas redes sociais: clamores por justiça, alusões à caixa preta e acusações ao PT. Fiquei me perguntando se isso iria permanecer no imaginário popular: uma tragédia absurda desse tipo tende a demandar um “culpado” um bode expiatório. Embora haja ainda muita incerteza sobre o que exatamente levou o jatinho a cair a hipótese de uma sabotagem é para lá de remota mas na paranoia popular as teorias se constroem: “ A Marina ia estar junto, era para matar os dois e não ia haver mais segundo turno” repetia um senhor de cabelo grisalhos completamente exaltado. “ Mataram o Jucelino, o Jango, o Tancredo e agora...o Eduardo!” A sua volta alguns assentiam “Foi culpa da Dilma!” mas a maioria olhava para ele plácida, indiferente. Acreditavam? Não acreditavam?

 Esgotado física e emocionalmente voltei para o hotel às 4 da manhã. Decidi me poupar da missa às dez e ao acordar fui correr uma hora na praia da Boa Vagem. Dei um mergulho ignorando os tubarões e voltei ao Palácio à tarde quando o cortejo saia em direção ao cemitério de Santo Amaro. Fiquei algum tempo no sufoco atrás do caminhão  -- mas depois fui filmar com meu Iphone as reações do povo de Recife.

 Que virada do destino! Entramos numa nuvem da mais absoluta incerteza que vai exigir de todos nós, Marina, seu entorno, o PSB seus múltiplos dirigentes todos acostumados ao mando decidido de Eduardo um esforço de superação, um salto de qualidade (e de humildade), de fraternidade e de visão estratégica altamente difícil e desafiante. Ninguém sabe o alcance do processo que a tragédia desencadeou. A vitória tornou-se uma possibilidade e com ela toda a coleção possível e imaginável de oportunidades e perigos.

No Youtube minhas imagens nas ruas de Recife


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