15/08/2014

A incerteza do óbvio


 A crise da política brasileira é profunda, estrutural e altamente desagregadora.  Não chega a ser muito diferente do que ocorre noutros quadrantes do mundo –notadamente na Europa, mas tem um detalhe: é a nossa crise. A campanha para as eleições gerais de 2014 iniciou-se com um grau de desinteresse e rejeição profundo. Um verdadeiro abismo entre a grande maioria dos eleitores e a mal chamada “classe política”. O movimento (abortado pelos violentos) de 2013 contribuiu para exacerbar um sentimento que está conosco há muitos anos. A franja da política brasileira movida por algum tipo de idealismo ou de propósito programático vem se reduzindo a cada eleições. O sistema eleitoral, a cultura política individualista, clientelista, assistencialista e patrimonialista a ele vinculada e as engrenagens da velha política, agora sob zelosa administração petista, criaram uma quadratura do círculo que tende a afastar da política aqueles que gostariam de transforma-la.

 A mídia foca seus  holofotes sobre esse estado de coisas mas seu efeito prático, passado o ponto de saturação, não é o de ajudar a supera-lo  --processo longo e trabalhoso--  mas o de cultivar o conformismo: “é, não tem jeito mesmo”. A suspeição generalizada e o clima de acusatório generalizado é um fator suplementar de desestímulo à participação. Pois à indignação indiscriminada acaba correspondendo uma inquisição sem critérios. Dou como exemplo a insistência do William Bonner em tentar caracterizar como “nepotismo” o apoio político de Eduardo Campos à candidatura de sua mãe para o TCU --em disputa com outros candidatos, eleita pelo Congresso--   naquela entrevista derradeira. Ao fisiologismo generalizado corresponde o moralismo inquisitório num jogo de soma zero.

 É sobre esse estado de coisas que incidiu a terrível tragédia do acidente aéreo em Santos. É tendo-o como pano de fundo  decidir-se-á quem vai assumir o lugar do ex-governador tragicamente ceifado pelo destino. A rigor não caberia nem muita discussão. Marina Silva é o que Nelson Rodrigues chamava de “o obvio e ululante”.  Só que o óbvio, o natural,  nem sempre é o que prevalece na política brasileira. Na política brasileira, como ela é, muitas vezes falam mais alto o aparato e o cartório.


  Sem Marina as chances de reeleição no primeiro turno da presidente Dilma são grandes. Com ela o segundo turno fica praticamente garantido. Como outros partidos brasileiros o PSB tem uma considerável heterogeneidade ideológica: um segmento de esquerda bem ortodoxa, um segmento pragmático e havia Eduardo que buscava dar-lhe uma conotação de uma esquerda mais moderna. Sem ele,  que exercia um comando inquestionável sobre o partido,  ninguém sabe direito o que pode acontecer.  

 Uma “puxada de tapete”  não me parece ser a hipótese mais provável mas há forças que se mexem para que ela ocorra. Seria um golpe terrível muito mais do que contra Marina contra a própria noção de uma eleição representativa do pluralismo de forças políticas na sociedade brasileira e, portanto, contra a nossa democracia já consideravelmente desacreditada.  Acredito que isso não acontecerá, mas, nessa hora,  todo cuidado é pouco.

PS - De fato, há uma evolução positiva. Aparentemente a incerteza em relação ao óbvio se reduz e a solução natural, Marina como candidata a presidência parece ir aos poucos se afirmando.

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