A notícia da morte cerebral do cinegrafista
Santiago Andrade da TV Bandeirantes, além da tragédia pessoal, deve por fim a
relativa condescendência com que vêm sendo tratados o Black Block, similares
e a franja extremada que desviou e depois desmobilizou o movimento de junho de
2013. Minha geração se formou enfrentando e temendo regimes autoritários: a ditadura militar de direita e depois os
regimes stalinistas do chamado “socialismo real”. Hoje em dia por mais que haja
quem tema que a persistência da atual aliança de governo do PT com os caciques
da política tradicional possa levar ao chavismo preocupa mais outro fenômeno: a
entropia. Uma sociedade que entra em franco regime de autofagia. Não é um fenômeno
tipicamente brasileiro, nem é propriamente um fenômeno moderno --muito menos
pós moderno. Já o velho Testamento trazia a história da torre de Babel. Os
hispanos tem um nome mourisco para isso: algarrávia.
Isso me ocorre a pretexto dos últimos
incidentes de rua envolvendo manifestações contra o aumento das passagens de
ônibus, com Black Block , extrema
esquerda, polícia e mídia num imbróglio barulhento e explosivo. Uma
manifestação pequena --como vem sendo desde que a franja violenta espantou a
grande maioria que desceu às ruas aos milhares em junho do ano passado-- para
protestar entre outras coisas pela má qualidade dos serviços públicos. Essa pode não ter sido a única causa da debandada
daquela mobilização massiva, policêntrica e difusa mas certamente contribuiu bastante.
Frente
ao anunciado do aumento para 3 reais dos ônibus cariocas foi marcada uma
manifestação na Central à qual acorreram algumas poucas centenas de pessoas
inclusive os indefectíveis porradeiros do Black Block e similares. Primeiro se
dedicaram a perturbar o funcionamento dos trens da Supervia que nada tem a ver
com o cartel das empresas de ônibus, multiplicando incidentes junto às
catracas. Pergunta pertinente: porque o usuário de trem, já tão mal servido,
vai ter que pagar pelo aumento da Fetranspor?
Segundo momento, em frente à
estação, na hora que começou a inevitável pancadaria, um desses “militantes”
entregou uma bomba de fabricação caseira (ou um “morteiro”) para outro e esse
jogou-a (ou disparou-a, ainda não
entendi direito) sobre um cinegrafista
da Band. O petardo explodiu junto a sua cabeça ferindo-o fatalmente.
Isso certamente não ajudará os defensores do
“passe livre” a estabelecerem a viabilidade ou sequer a justeza de suas
reivindicações. A gratuidade dos transportes públicos não existe. Paga o usuário ou paga o contribuinte. Usuários de
classe alta e média devem pagar. Sistemas de vale-transporte pelas empresas
devem garantir o percurso casa-trabalho dos trabalhadores do setor formal da economia e já há numerosas
gratuidades que deveriam inclusive passar por um filtro social (estudante rico
deveria pagar, sim!).
Na minha modesta opinião as reivindicações
para serem factíveis e justas deveriam focar nos “bilhetes únicos” e de integração. Deveriam ser
prorrogados para pelo menos três horas e instituídas diversas modalidades e formatos concebidos para atender
usuários de baixa renda em uma variedade de situações. É justo que haja
subsídio público para esse componente gerando uma tarifa social que em alguns
casos poderia ser muito barata, sem chegar, no entanto à gratuidade por ser deseducativa.
Isso, em tese, deveria se aplicar até as gratuidades já consagradas, mas
causaria demasiado conflito querer introduzi-lo agora. “Passe livre” lembra
“boca livre”, falseia a percepção em relação ao serviço público. Cinquenta centavos, que seja, para os mais pobres é mais correto que a
balela demagógica de uma gratuidade que não
o é.
Qual a tarifa justa? O fundamental nessa
discussão é a transparência: a planilha de custos tem que ser
confiável e estar acessível para qualquer um e o aumento seguir de fato o
índice inflacionário com o eventual subsídio público agindo como elemento
regulador. É preciso buscar um ponto de equilíbrio entre de um lado o lucro abusivo, exorbitante, das empresas e, do outro, a inviabilização econômica do serviço demandando níveis de subsídio
impagáveis para o poder público. Com as novas ferramentas tecnológicas disponíveis
é potencialmente viável controlar com precisão as informações pertinentes.
Cabe
uma discussão sobre qualidade do serviço, particularmente a necessidade de uma
universalização do ar condicionado e a redução
de emissões poluentes com a adoção de combustíveis que a promovam. Há uma
questão absolutamente vital que é a qualidade do serviços, sobretudo no tocante
ao comportamento ao volante dos motoristas que cometem diariamente barbaridades
no trânsito carioca. É preciso instituir uma instância de concertação
permanente entre usuários, empresas e prefeitura para tratar dessas questões
com transparência e tolerância.
Achar que se pode melhorar a mobilidade urbana
com reivindicações demagógicas e com violência é um tiro no pé a não ser que o
propósito seja justamente esse: promover a entropia. Não foi essa a motivação que levou
às ruas as multidões de junho de 2013 que terminaram desmobiliadas por essa minoria violenta que usa o protesto legítimo apenas como “octágono” para exercitar sua
fúria paranoica e, agora, assassina.
Muita
calma nessa hora.
Relance
A tragédia com o cinegrafista da Band não foi a primeira
agressão à imprensa por parte dos Black Blocks e similares # O noticiário de TV e de jornal do sistema Globo
tentando estabelecer uma ligação dos
envolvidos com o dirigente do PSOL Marcelo Freixo pareceu uma certa “forçação de barra”. Dados muito
inconsistentes e disse-que-disse com base em declarações confusas de um estagiário
de direito # O deputado denuncia uma
conspiração envolvendo milícias o que também não é tão evidente assim # A ânsia
pelo “furo” é a mãe da “barriga” muito embora a manipulação também possa
existir. Pode até haver algum grau de promiscuidade entre a extrema esquerda e
o pessoal do quebra-quebra (até na Rede já houve problemas assim...) mas a
princípio e até prova em contrário parece injusto o vínculo estabelecido em cima de
dados frágeis que a rigor nem justificariam uma matéria # Felizmente, depois, o site de O Globo deu espaço para ele expressar seu ponto de vista# Pesquisas em relação
às consequências mais duradouras dos incidentes que se iniciaram nas franjas
das manifestações de junho 2013 indicam uma forte guinada para a direita na
chamada “maioria silenciosa”. Eu previa esse risco na época # É bom prospectar as
coisas para além dos nossos amigos de rede social.
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