Nos deixaram essa semana dois grandes
lutadores das boas causas. Manuel Henrique Ferreira, 65, meu companheiro dos
tempos da VPR, falecido no Rio e o grande compositor e folk singer Pete Seeger, 94, cujas músicas de protesto inspiraram o
movimento pelos direitos civis, a resistência à guerra do Vietnam e os
primórdios do movimento ambientalista nos EUA.
Conheci Manuel na operação de sequestro do
embaixador da Alemanha, Erenfried von Holleben quando conseguimos libertar das
prisões da ditadura 40 companheiros que estavam sendo torturados, alguns com
risco de “desparecer”. Ficamos juntos no “aparelho” (é como na época chamávamos
os esconderijos) da rua Pedro Rufino, na zona norte do Rio, na guarda do
diplomata. Minha função era ser o intérprete e manter a interlocução política
com ele. Em tinha 19 anos e aquela era a primeira ação armada que eu
participava. Junto conosco estavam Bacuri, que comandava nosso grupo e Gerson Teodoro da
Silva-- ambos mortos na epoca-- Teresa Angelo e Manuel.
Naquele clima de tensão, medo e muitas vezes
agressividade entre nós, Manuel tranquilo e afável era um amigo precioso.
Conversávamos bastante. Ele tinha um grande sorriso com dentes brancos que
contrastava com o clima humano por vezes lúgubre do local. Conto a história em
detalhes no meu livro Os Carbonários.
Com o final da ação que permitiu mandar para a
Argélia os 40 companheiros, inclusive alguns que eram ou depois se tornaram
grandes amigos como Carlos Minc, Fernando Gabeira, Apolônio de Carvalho, Angelo
Pezzuti e outros, nos separamos. Chegamos a participar juntos de outras ações
mas praticamente não vi mais Manuel Henrique que deixou a VPR num dos muitos
“rachas” da época e ingressou no MR 8.
Ele foi preso alguns dias depois que
fugi do país, em maio de 1971. Foi muito torturado e depois ficou detido com meu
grande companheiro e amigo da época Alex Polari.
Reencontrei Manuel Henrique quase uma década
mais tarde, depois da anistia, quando votei do exílio e ele saiu da prisão junto
com Alex e outros companheiros como Nelson Rodrigues Filho, o “Prancha”, nosso
fotografo Jabour e o querido e já falecido amigo mineiro Zé Roberto Rezende. A única foto que tenho
dele é essa acima onde está com os outro presos da Ilha Grande onde fizeram várias
(uma delas longa e heroica) greves de fome.
O Rio tem um jeito seu de distanciar as
pessoas e encontrei Manuel Henrique apenas esporadicamente aqui e ali ao longo
de todos esses anos que passaram tão rápido. Hoje pela manhã me deparei com a
noticia de seu falecimento em O Globo.
Me veio aquele turbilhão de lembranças
antigas dos “anos de chumbo” de tanta revolta, devoção, ilusões e desatinos que remetem ao verso de Fernando Pessoa: “tudo vale a pena quando a alma não é
pequena”. A de Manuel Henrique certamente é grande e generosa.
Ouvi Pete Seeger pela primeira vez nas alturas
de 1965 com seu LP Dangerous Songs. Me chamou atenção duas canções contra a
guerra do Vietnam, uma trágica King Henry e a outra satírica Draft Dodger.
Era um músico de primeiríssima, inspirado que inspirou
gerações de Bob Dylan e Joan Baez ao mais contemporâneo Bruce Springsteen e um dos maiores
conhecedores do folclore não só norte-americano como irlandês, escocês e
inglês. Tinha canções hilárias. Me lembro de uma daquele primeiro disco que
conheci Pill do composito escocês Mac Maguin que contava a espera de um trabalhador católico com vinte e dois filhos pela benção do Vaticano à pílula anti-concepcional. Espera até hoje...
Seeger foi perseguido pelo macarthismo, no
início dos anos 50 e chegou a ser condenado à um ano de prisão por “desacato ao
Congresso”, ao se recusar a delatar pessoas, mas a queda em desgraça do maligno senador Joe Mc Carthy permitiu que ele se
livrasse da pena. Depois ele teve um papel importante na mobilização pelos
direitos civis, contra a guerra do Vietnam e, mais recentemente, do Iraque. Ele liderou numa das primeiras mobilizações
ambientalistas norte-americanas, ainda nos anos 60, contra a poluição do rio Hudson.
Uma figura cheia de humor e irreverência, Seeger foi durante décadas uma referencia da esquerda norte-americana e alvo de feroz hostilidade por parte dos republicanos.
Teve também seus arrufos no meio artístico. Diz a
lenda que irritou-se de tal maneira com Bob Dylan quando este adotou a guitarra
elétrica que tentou cortar o cabo da dita cuja no palco com um machado. Seeger
desmentia a história embora criticasse Dylan naquele show por der feito “demasiado
barulho”.
Os grandes músicos tem esse dom da imortalidade permanecem conosco nas suas canções. Posso assim me consolar com meu I Tunes e continuar ouvido sua voz de tenor, possante e cristalina.
Detalhe final: foi Pete Seeger quem compôs o famoso If I had a Hammer que
rodou o mundo nas vozes variadas de cantores como Trini Lopez e Rita Pavone
(datemi un martello e dime cosa fare...)
Axé Manuel Henrique, axé Pete Seeger.
Manuel Henrique, de barba, é o terceiro da direita para esquerda na fila do meio. Atrás dele Zé Roberto. Com a mão no ombro de Zé Roberto, Alex Polari e o primeiro à direita na fila sentada é nosso fotógrafo Jabour. A foto é da penitenciária da Ilha Grande, provavelmente de 1977.
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Pete Seeger, um mestre do folk song e das boas causas |
Bendita hora,como diria minha mãe,que você mostra o valor de pessoas que se recusaram a dedurar pessoas por causa do MachartismosHoje em dia,pessoas absolutamente inocentes,gente do povo,que viveu e vive uma resistência pessoal são consideradas culpadas e gente realmente culpada,inocente
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