21/12/2013

Chico Mendes, 25 anos...

Faz vinte cinco anos que assassinaram Chico Mendes em Xapuri. Recentemente O Globo publicou uma reportagem sobre a reserva extrativista que leva seu nome focando no fato dos seringueiros terem aderido à exploração madereira e à pecuária. Também ressalta o fato de envolvidos no seu assassinato terem sido aceitos como membros do sindicato de trabalhadores rurais que ele presidia. É bem deprimente embora minha experiência como jornalista me ensina que é preciso buscar mais informação sobre isso antes de chegar a uma conclusão final. Pretendo checar as informações e o contexto. Algum nível de extração sustentável de madeiras e de criação de gado não seria incompatível com a sustentabilidade e de uma forma geral o Acre é um estado amazônico com desmatamento menor. Por isso é preciso, frente à reportagem, entender a questão em  sua complexidade e abrangência mas, de qualquer forma, me pareceu preocupante.

 A cada aniversário da morte trágica deste querido amigo são atormentado pela pergunta se afinal morreu em vão. 

 Também entendo que o modelo de desenvolvimento sustentável e a preservação da Amazônia no final das contas detende não apenas de uma disposição militante mas também de uma solução econômica e parece ter havido um abandono do apoio à atividade extrativista da borracha que não é menos merecedora de subsídio que os automóveis e a a gasolina...

Cinco anos atrás, no vigésimo aniversário da morte de Chico, publiquei o artigo abaixo. Relendo vi que continua absolutamente atual, por isso vou reproduzi-lo aqui no blog.

LEMBRANDO CHICO

Conheci o Chico Mendes em Xapuri, em 1987. Estava organizado o PV no Acre e fui a Xapuri encontrá-lo. Foi uma amizade intensa, instantânea,  e um pacto imediato de apoio nosso à luta dos seringueiros que, na nossa ótica,  representava a junção das lutas sociais e ambientais.  Voltando ao Rio passei a montar uma rede de apoio ao Chico Mendes que logo veio ao Rio e participou de um encontro dos verdes em  Petrópolis. Nessa época apresentei o Chico a João Augusto Fortes e alguns outros empresários que começavam a se interessar pela causa verde. João já sonhava em ajudar os seringueiros a criar produtos de latex que pudessem ser comercializados e sustentar as reservas extrativistas.

 Nessa época fiz uma entrevistas com o Chico para o JB que não quis publica-la. O editor de então dizia que tinha mais interesse nos garimperos do que nos seringueiros. Com raiva lhe respondi que possivelmente se interessaria por ele quanto fosse assassinado. Tinha uma constante preocupação com o Chico que estava ameaçado de morte por vários pecuaristas que tinha impedido de amoliar sua "fronteira de pasto" realizando "empates". Um deles, Darli Alves, parecia o mais perigoso. O mais preocupante é que parecia haver um ligação da Policia Federal, supostamente lá para protegê-lo, com os fazendeiros inclusive Darli. O Conselho Nacional de Serigneiros descobriu que ele tinha crimes de morte no Paraná, inclusive um mandado de prisão. A informação foi vazada para ele que foi se esconder e jurou de morte o Chico que considerava responsável pela revelação de seus antecedentes.

 No Rio, logo depois das eleições de novembro de 88, organizamos um grande ato chamado Salve a Amazônia consistia numa maratona andando, correndo e pedalando do Jardim Botânico ao Monumento a Estácio de Sá, no Aterro do Flamengo e a colocação de um imenso pano de juta com os dizeres Salve a Amazônia. Foi uma manifestação notável da qual tenho muitas imagens até hoje. Vejo e revejo as cenas: Betinho, Lucélia Santos, John Neschling, Gabeira, Minc, Nei Matogrosso, Luise Cardoso. Há uma cena do Chico conversando comigo no meu velho Opala verde oliva quando nos dirigíamos ao bondinho do Pão de Açucar.  Falavamos sobre seus problemas de segurança e ele admitindo o perigo que representava o tal Darli Alves. Eu tentando convencê-lo a ficar no Rio até que conseguissimos fundos para contratar um grupo de seguranças particulares pois, pelas histórias que ele contava, os policiais que o protegiam eram pouco confiáveis. A certa altura achei que o tinha convencido. Nossas amigas Rosa e Dora também faziam pressão nesse sentido. O Chico decidiu ficar no Rio. Depois por pressão da esposa que ficara sozinha --queríamos trazer a familia dele também-- ele decidiu passar o Natal em Xapuri.

 Um mês depois foi assassinado. Tornou-se um mártir internacional da causa ecológica, um símbolo, uma bandeira de luta mas a perda foi irreparável. Era um ser humano extraordinário:generoso, sensível, divertido e um dos poucos quadros capazes de unificar em torno de uma causa comum setores díspares:serigueiros, índios, ecologistas, ambientalistas norte-americanos, PT, PV, etc...Não se encontrou mais um líder com as mesmas características. A causa da Amazônia tornou-se internacional com a repercussão de sua morte mas penso que teria feito muito mais, vivo. De qualquer jeito, aos que ficamos fica também a obrigação de não deixar que sua morte tenha sido em vão (…) e nada é capaz de afastar essa horrenda sensação de que talvez ele tenha morrido em vão. 

 A pecuária, as monoculturas, a extração de madeira predatória e os assentamentos e “colonização”,  cinicamente apresentados como “reforma agrária” na região amazônica,  vêm agravando o quadro sem tréguas.    Os ganho econômico e os avanços sociais vinculados a esses tipos de atividade  são efêmeros e perversos: a péssima qualidade do pasto, o baixo preço e o enorme desperdício da madeira extraída, as dificuldades para a exploração agrícola, os ganhos econômicos e sociais predatórios, de curtíssimo prazo, sem sustentabilidade, que vaticinam uma catástrofe de implicações planetárias, ainda no horizonte de vida de nossos filhos e netos. Isso sem falar do drama atual, das cidades infestadas de fumaça, dos aeroportos fechados, das culturas tradicionais destruídas, da biodiversidade exterminada.

  Até hoje a economia vem jogando constantemente contra a ecologia, na região amazônica. A única chance de reverter esse processo de devastação., de conseqüências planetárias é  viabilizar um ciclo econômico sustentável de extrativismo não predatório, ecoturismo e  exploração inteligente das imensas possibilidades vinculadas à biodiversidade  Implementar o zoneamento ecológico e econômico da região e, sobretudo, estimular outras alternativas econômicas, inclusive nas cidades amazônicas.   Existe, em tese,  a possibilidade  de exploração sustentável da madeira, como também da mineração, mas é preciso que se diga, alto e em bom tom, que ela é totalmente inviável (…) sem instituições locais confiáveis, sem conscientização, sem organização social (…)

 Desde 2008 quando escrevi esse artigo algumas coisas melhoram: caiu substancialmente o desmatamento e o Brasil adotou uma posição mais assertiva em relação a questão do clima. Hoje o controle do desmatamento é feito de forma mais eficaz. Mas a questão crucial de casar economia e ecologia e levar uma política econômica sustentável, sobretudo na formação de preços, subsídios, incentivos e tributação ainda está longe do ponto. E o destino final do legado de Chico segue incerto.

 
Vestindo a camiseta
Com Maya Gabeira, campeã de surf, então pequenina...





Entre outros Minc, Lizt Vieria, Louse Cardoso e John Neschling

Com Betinho(segundo à direita)




Em 2008: Guilherme Syrkis, a nova geração.

  

Um comentário:

  1. Tenho ancestralidade indígena(miha trisavó paterna) e isto me situa naturalmente junto a estas lutas mas prefiro o viés cultural(mitos,literatura)através do qual filtro este conflito entre o modo de produção capitalista e as culturas da preservaçãoObrigada por ter publicado algumas vezes meus singelos comentários Helenice Maria Reis Rocha

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