Muito provavelmente o STF aprovará a
“inconstitucionalidade” das doações eleitorais por pessoa jurídica. Uma grande
parte do eleitorado consciente –e desavisado!-- celebrará a decisão gato por lebre. Da mesma
forma que os ministros da suprema corte cairá na ilusão de que isso vai reduzir drasticamente o peso do poder econômico no processo político brasileiro e a
corrupção.
Trata-se
de um engano terrível. Só quem não percebe em absoluto como se dão as
engrenagens de corrupção na política brasileira
julga que o grande problema são as doações oficialmente
registradas em período eleitoral. A parte do leão da corrupção da politica
brasileira funciona no patrimonialismo via controle de partes enormes do aparelho do
estado nas três esferas de governo e nos três poderes.
Rouba-se no dia a dia do criar dificuldades
para vender facilidades dos processos burocráticos mais variados, dos lobbies e
da venda de trâmites executivos, legislativos e
judiciais e nas variadíssimas formas de favorecimento público-privado.
Com base nisso amealham-se tesouros de guerra
que já estão mobilizados previamente aos processos eleitorais
financiando toda a infraestrutura de campanha e o controle das clientelas
eleitorais: centros assistenciais com seus consultas médicas, ambulâncias
vereador ou deputado fulano de tal, serviços de despachante, material de
construção e tudo mais que você possa ou não imaginar como serviço a
contingentes de desvalidos.
Esses recursos servem também para a compra de
votos, via cabos eleitorais: há uma legião deles. Os políticos que recorrem a
esse expediente têm todo um know how
de como utiliza-los. Os mais aptos sabem até quantos votos estão comprando em
cada urna!
A doação de pessoa jurídica (a de pessoa física é quase inexistente
executadas as auto-doações de candidatos ricos) entra como um mero complemento. Acabar com ela é como jogar fora o sofá do
adultério. Quem rouba institucionalmente vai simplesmente roubar mais e o
chamado “caixa dois”, os recursos “não declarados”, irão explodir.
Também irá
se ampliar muitíssimo a legião dos “fiscais” para policiar isso e com isso a
corrupção inerente à outra ponta: a da fiscalização e da repressão policial.
Novamente os mais aptos saberão comprar seu caminho para a impunidade e alguns
bodes expiatórios, bois-de-piranha serão oferecidos à mídia como bola-da-vez.
Tudo continuará como d’antes no quartel de Abrantes, com um detalhe: todos que
estiverem no poder (e muito em particular o PT) sairão fortalecidos.
Em política, já se sabe, não existe o vácuo.
Se não há mais doação de pessoa jurídica e como o incremento de doações pessoais --inclusive pela internet, se houver-- não
será significativo, a consequência inevitável terá que ser um aumento do
financiamento público, que já existe via Fundo Partidário e que já pode ser usado em
campanhas eleitorais. A divisão desse bolo se dá por número de deputados eleitos na última
eleição. Naturalmente os partidos mais favorecidos serão o PT e o PMDB. Por
outro lado o controle da máquina pública e dos programas sociais que permitem a
captura de clientelas assistenciais favorece o status quo. Isso significa preferencialmente o situacionismo federal, leia-se PT + grotões.
Por isso o PT, partido que nas últimas eleições maiores doações recebeu das empresas, é favorável a proibi-las! Juntamente com o PC do B articulou, via OAB, a mencionada ação no STF.
Isso significa que a doação eleitoral de pessoa jurídica
deveria ser mantida tal qual existe? Penso que não. De fato essas doações, no
volume em que se dão, contribuem para plutocratizar a democracia embora não seja
verdade que o simples fato de recebe-las torna um político serviçal do doador.
Atualmente as empresas financiam em largo espectro. Em boa parte das situações
não há uma condição imposta embora fique naturalmente implícito um acesso futuro
ao parlamentar ou executivo em questão, um telefonema que não deixará de ser atendido.
As falcatruas via de regra acontecem em torno das transações muito mais
vultosas que ocorrem fora do processo eleitoral.
A contribuição eleitoral de empresas ocorre em diversas
democracias que funcionam melhor que a nossa. Estas, via de regra, estabelecem limites. Na Alemanha, por exemplo, é equivalente
a 70 mil reais. Doações irregulares são punidas e até um estadista como Helmut
Kohl teve sérios dissabores políticos e encrenca judicial por causa disso.
Financiamento de campanha é um problema complicado no mundo inteiro. Qualquer
olhar minimamente atento percebe que não há solução perfeita mas há mal menor.
No GT da reforma política propus, vinculado ao
voto distrital misto, um esquema de
financiamento que estabelece limites rígidos e transparência instantânea ao
financiamento por pessoa jurídica e amplia o espectro de doadores.
Nunca
entendi, por exemplo, porque no Brasil só as empresas privadas podem doar e não
entidades da sociedade civil, sindicatos, ONGs,
como em muitos outros países. A doação precisa ser conhecida
pelo eleitor que vai decidir se quer ou não votar em alguém que recebeu contribuição do Banco Itaú, do sindicato dos metalúrgicos ou da ONG Mata
Atlântica.
Reproduzo as principais disposições da minha
proposta que foi aceita pelo GT embora não com o sistema eleitoral que propus e
que vou tentar ainda fazer voltar via emenda:
3 - Financiamento das Campanhas
eleitorais, limites para doadores e candidatos, maior transparência, ampliação
da base de doadores com limites menores.
3.1
- Limites de gastos para doadores
--tanto pessoa física quanto jurídica--
bem como para candidatos e
partidos, são fixados pela Justiça
Eleitoral, devendo ser, na primeira
eleição, 40% da média de gastos para o
mesmo cargo da eleição anterior.
3.2
- Além das empresas privadas podem também contribuir as associações
profissionais e as entidades da sociedade civil –salvo aquelas cujos estatutos
o vedem- com recursos especificamente
arrecadados para esta finalidade, entre seus membros, em período eleitoral, por coleta e conta específicas, vedado o uso
de recursos públicos ou outros fundos da entidade.
3.2.1
– Doações de pessoa jurídica só podem ser feitas aos partidos.
3.2.1
– Quaisquer contribuições de pessoa jurídica devem ser declaradas na internet
no prazo máximo de 72 horas depois de sua compensação bancaria.
3.2.3
- Empresas públicas e concessionárias continuam proibidas de financiar partidos,
campanhas ou candidatos.
3.2.4.
- No repasse dos partidos aos seus candidatos em campanha majoritária nos grandes distritos, 50% dos recursos devem ser distribuídos de
forma igualitária.
3.4
- O financiamento público continua a se
dar como atualmente pelo Fundo Partidário mas exclusivamente aos partidos,
com limites estabelecidos pela Justiça
Eleitoral para cada pleito.
3.5.
O financiamento por doação de pessoa física
também terá um limite estabelecido,
por candidato e por doador, a cada pleito, e passa a ser nominal, ao
invés de percentual, tanto para
candidatos quanto para doadores. Os candidatos podem receber contribuição de
pessoa física diretamente em conta específica da candidatura.
4 -
Redução de gastos com propaganda e prevenção de compra de voto
4.1
- A propaganda de rádio e TV é feita ao
vivo ou gravada em formato de debate ou
apresentação em separado, ao critério de prévios acordos entre os partidos.
4.2 - No
caso de gravação, pode ser em estúdio ou em externa apresentando apenas o
candidato expondo suas ideias, sendo entrevistado ou debatendo. A edição não
conterá cenas de apoio de nenhum tipo, excetuando-se vinhetas simples com a siglas e números
respectivos.
4.3
- A Justiça Eleitoral estabelece um limite para ajuda de custo à militância de
campanha, sempre individual, cujas tarefas constem do recibo.
4.4
- São vedados repasses de quantias
maiores destinadas a terceiros por intermediação de “cabos eleitorais”.
4.5
– A contratação de profissionais para tarefas técnicas nas campanhas deve ser objeto de contratos de
prestação de serviços, por tempo determinado, claramente descritas.
Sem evidentemente ser panaceia dos males eleitorais
esse sistema de financiamento reduziria moderadamente
o peso do poder econômico no processo político ao limitar as doações e
diversificar o universo de doadores aumentando a independência em relação a
fontes específicas ou, se preferirem, diversificando a dependência. Representaria
um prudente avanço e não um bem disfarçado retrocesso como a iminente decisão
do STF.
Ajudaria muito a reduzir um outro grande defeito da
vida política brasileira: a hipocrisia e o faz-de-conta melhorando nosso teor de
transparência e veracidade. É
simplesmente ridículo pretender que interesses econômicos --de empresas, de
categorias profissionais, de pessoas enquanto consumidores-- não se manifestem na vida política
institucional de um país!
É curioso que nesse nosso tão dominado pelo
fisiologismo em todos os níveis, onde até partidos como o PT e o PV, que surgiram nos anos 80 para dar um sopro
“ideológico” à política, rederam-se ao
fisiologismo, se pretenda por via judicial coibir a manifestação explícita de
interesses econômicos para, na prática, favorecer outros (ou os mesmos, haja
visto o vultoso financiamento das empresas ao PT) pela via tortuosa do financiamento público
ampliado e/ou pela explosão do caixa 2 e aumento de sua “fiscalização”.
Somos um país hipócrita, de luso herdada burocracia pombalina e vamos continuar
varrendo nossa sujeira política para baixo do tapetão de virtudes
grandiloquentes “politicamente
corretas”.
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