19/10/2013

Censura e privacidade



  Me causa certa estranheza a discussão sobre impedimento de biografias “não-autorizadas” envolvendo artistas, jornalistas e intelectuais. Leio os textos de uns e outros, todos têm razões mas a razão singular me parece apontar para o valor mais alto: a liberdade de expressão e de informação.

 Por mais que prezemos a privacidade –e creio de fato que trata-de de um bem a ser protegido—a liberdade pesa mais. A liberdade, por sua vez,  é limitada pela responsabilidade. Nesse sentido os abusos: difamação, calúnia e invasão da intimidade devem poder ser punidos de forma eficiente, a posteriori, mas nunca sob forma de uma censura prévia.  

 Direitos de herdeiros próximos e distantes sobre a “imagem” de pessoas públicas é algo indevido de uso quase sempre escandalosamente parasitário e fisiológico.  Sinceramente não vejo justificação alguma para que uma biografia de Noel Rosa, Mané Garrincha ou Roberto Carlos seja impedida de chegar aos leitores por falta de “autorização”.

 Li um artigo de um artista famoso em  que pertende que nos EUA a existência de biografias “não autorizadas” era compensado por uma legislação eficaz de proteção das pessoas contra abusos a sua privacidade e inverdades. Isso está muito longe da realidade! A legislação de libel nos EUA é muito mais frouxa que a nossa. 

 Lá,  para se obter a condenação de um difamador ou caluniador não basta demostrar a falsidade da alegação mas é necessário também provar que o difamador o fez conscientemente e que sabia ser falsa sua alegação. Isso permite que as prateleiras estejam cheias de biografias não autorizadas contendo as maiores barbaridades. 

 Bill e Hillary Clinton, Obama e numerosos outros políticos norte-americanos são vítimas frequentes das mais inacreditáveis alegações mentirosas e, em geral, engolem o sapo e ignoram o libel. Uma parte dos norte-americanos, por exemplo, acredita piamente que seu presidente é muçulmano e não nasceu nos EUA.

 Pessoalmente penso que nos EUA leva-se a liberdade  a certos extremos que vão além do tolerável, como por exemplo, a liberdade a expressão e atuação de grupos supremacistas, nazistas, o incitamento à violência e, naturalmente, o porte livre de armamento de guerra. Mas no tocante a livros penso que seu ordenamento legal de não censura-los nem submetê-los a qualquer autorização prévia é o correto.

 Ao contrario do que pretendeu o artista, no artigo ao qual me refiro,  temos no Brasil leis relativamente robustas de proteção contra calúnia e difamação. Em tese protegem bem a quem sofre-las. O problema aqui é a lentidão da nossa justiça  e isso muitas vezes retira eficácia a esses processos que acabam demorando muitos anos, décadas as vezes, permitindo assim a impunidade. 

 Mas esse é um problema geral da justiça brasileira que não se resolve limitando a liberdade de expressão e produção intelectual.

  Por outro lado,  vivemos numa sociedade onde a privacidade é cada vez mais corroída por novas tecnologias intrusivas e controladoras e onde se criou uma verdadeira cultura do exibicionismo. Curiosamente, dentre estridentes expoentes do controle prévio de biografias há alguns que já se excederam na auto-exibição e na de seus parceiros/as e  naturalmente enfraquece seus argumentos.

 Não vejo outro caminho senão permitir amplamente biografias não-autorizadas e responsabilizar legalmente os eventuais autores de delitos que estão perfeitamente previstos na Lei. Cabe, sim, exigir da justiça nesse e em outros casos uma celeridade cuja falta priva de direitos a população brasileira e espalha o câncer da impunidade, inclusive e sobretudo em delitos bem mais graves do que os crimes contra a imagem, a honra e a reputação das pessoas. Aí está o “x” do problema.

Um comentário:

  1. Sirkis,penso que biografias de artistas não têm interesse em si O que vale num artista é o seu trabalho de proficiência e beleza Se leio Oscar Wilde é para repensar as bases epistemológicas da civilizaçãoSua escrita ficcional é linda!!!Tem que ficar claro para a escrita marron que não vale a pena brincar com a vida e a dignidade das pessoasHelenice Maria Reis Rocha

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