26/10/2013

Mestre Mauricio


 A imagem que me vem do Mauricio Azedo no momento em que, inopinadamente,  tomo conhecimento do seu falecimento, aos 79, no obituário de O Globo,  é a de um grande tribuno carioca. Jornalista, escrevia muito bem, mas à semelhança de outro jornalista -- esse ideologicamente seu avesso--  Carlos Lacerda, era melhor ainda discursando. Pois me lembro agora do Maurício, na tribuna da Câmara despejando sua verve, sua erudição carioca, sua ironia bolchevique, seu humor sarcástico.  E eu lá num daqueles desconfortáveis assentos de madeira concordando ou discordando mas sempre admirando a pujança daquela oratória.

 A maior parte do tempo estivemos juntos nos embates da cidade. Idelogicamente pouco concordávamos pois Mauricio, na época da ala “prestista” do PDT,  era comunista ortodoxo --aceitando até o stalinismo--  e isso chocava meu libertarismo ecológico e meu horror total ao Zé dos Bigodes. Nas questões da cidade concordávamos mais do que discordávamos. Seu profundo conhecimento do Rio de Janeiro me evocava constante admiração.  Nos juntávamos na paixão pelo Rio e havia um terreno no qual estávamos totalmente irmanados: o padecimento rubro negro. “Tem coisas que só acontecem com o Flamengo” pontuava Maurício do alto daquela tribuna, se não me engano,  repetindo Ari Barroso.

 Tivemos umas brigas memoráveis –lembro dele me passando uma descompostura lá da tribuna, apontando para minhas “calças de pijama”. Ambos de pavio curto mas coração sem mágoas nos reconciliávamos rapidamente. Logo no início daquele mandato de 1989 estivemos divididos numa batalha de grande repercussão.  Junto com alguns vereadores calouros eu dava total apoio à cruzada moralizadora da então presidente Regina Gordilho. A mídia adorava aquela aparentemente implacável ofensiva “contra a corrupção” muito parecida com a que naquele mesmo ano elegeria Fernando Collor.  Para nossa incompreensão ele não embarcou naquela canoa furada pois pressentia (ou já sabia) da farsa que ali se ocultava. 

 Nas brigas mais importantes: contra mamatas imobiliárias, enfrentamento (nunca ganhamos...) com o lobby das empresas de ônibus estávamos juntos. Para logo discordar na guerra do Golfo –ele chegou a torcer pelo Sadam.  “Pô, Maurício, esse cara é um fascistão terrível!” E ele: “Tu tá dando mole pro imperialismo ianqui!”

Aquela legislatura de 89-92 me deixa grandes lembranças pelo nível das discussões ali havia um grupo especialmente bem preparado e representativo numa época em que o voto de opinião ainda tinha bastante influência: Francisco Milani, Sergio Cabral, pai, Chico Alencar, Ruça e alguns outros. Juntos elaboramos a Lei Orgânica Municipal, o Plano Diretor de 92 e o essencial da legislação ambiental que vige até hoje. O fisiologismo era majoritário -- chamávamos eles de “centrão”--  mas a correlação de forças não era tão esmagadoramente desfavorável como atualmente. A ali se destacava nas palavras do saudoso Milani “o severo spala”, o maestro daquele plenário: Mauricio Azedo.

 Na eleição seguinte ele não se elegeu. Prova cabal de que as eleições são frequentemente de uma injustiça atroz. Ficou como primeiro suplente na nossa coligação do PDT com os verdes. Quando assumi a secretaria de meio-ambiente, meses depois,  ele voltou à Câmara. Reconstituiu rapidamente aquele seu gabinete abarrotado de papeis, arquivos e cinzeiros com guimbas mil. Maurício na época fumava (não me lembro mais se Hollywood ou Continental)  um atrás do outro.  Como ele não tinha cigarro light

 Na época já nos preocupávamos com sua saúde: na tribuna, aos brados, parecendo que ia ter uma síncope a qualquer momento. Aí descia, tranquilo e, dependendo da nossa relação de momento me lançava um sorriso ou um olhar severo.  Efeito catártico, ao descer ele ficava tranquilo.

 Com o visível deterioro daquela Câmara Municipal --com uma composição pior a cada eleição--  ele foi para o Tribunal de Contas e depois assumiu a presidência da ABI. Quando me elegi pela quarta vez vereador, em 2008, nos primeiros dias de mandato, tentava me adaptar à mudança no plenário. O nível das discussões era –salvo uma ou outra honrosa exceção— assustadoramente baixo. Platitudes, bobagens, bairrismos, atitudes “mamãe-olha-eu-aqui”. Votações robóticas, todas previamente acertadas.  Pouca discussão séria. Total falta de conteúdo, de conhecimento, de debate real das questões da Cidade. Oratória estereotipada, obtusa ou acanhada. Faltava algo ali de forma aguda, lancinante. Faltava o mestre Maurício Azedo. 

Um comentário:

  1. Todo spala tem que ser severo Se a mão que segura o arco não tiver o exato equilíbrio de tensão entre peso e leveza,o músico desafina a orquestra toda HMaria

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