A imagem que me vem do Mauricio Azedo no
momento em que, inopinadamente, tomo
conhecimento do seu falecimento, aos 79, no obituário de O Globo, é a de um grande tribuno carioca. Jornalista,
escrevia muito bem, mas à semelhança de outro jornalista -- esse ideologicamente
seu avesso-- Carlos Lacerda, era melhor ainda
discursando. Pois me lembro agora do Maurício, na tribuna da Câmara despejando
sua verve, sua erudição carioca, sua ironia bolchevique, seu humor
sarcástico. E eu lá num daqueles
desconfortáveis assentos de madeira concordando ou discordando mas sempre
admirando a pujança daquela oratória.
A maior parte do tempo estivemos juntos nos
embates da cidade. Idelogicamente pouco concordávamos pois Mauricio, na época
da ala “prestista” do PDT, era comunista
ortodoxo --aceitando até o stalinismo--
e isso chocava meu libertarismo ecológico e meu horror total ao Zé dos
Bigodes. Nas questões da cidade concordávamos mais do que discordávamos. Seu
profundo conhecimento do Rio de Janeiro me evocava constante admiração. Nos juntávamos na paixão pelo Rio e havia um
terreno no qual estávamos totalmente irmanados: o padecimento rubro negro. “Tem
coisas que só acontecem com o Flamengo” pontuava Maurício do alto daquela
tribuna, se não me engano, repetindo Ari
Barroso.
Tivemos umas brigas memoráveis –lembro dele me
passando uma descompostura lá da tribuna, apontando para minhas “calças de
pijama”. Ambos de pavio curto mas coração sem mágoas nos reconciliávamos
rapidamente. Logo no início daquele mandato de 1989 estivemos divididos numa
batalha de grande repercussão. Junto com
alguns vereadores calouros eu dava total apoio à cruzada moralizadora da então
presidente Regina Gordilho. A mídia adorava aquela aparentemente implacável
ofensiva “contra a corrupção” muito parecida com a que naquele mesmo ano elegeria
Fernando Collor. Para nossa
incompreensão ele não embarcou naquela canoa furada pois pressentia (ou já
sabia) da farsa que ali se ocultava.
Nas brigas mais importantes: contra
mamatas imobiliárias, enfrentamento (nunca ganhamos...) com o lobby das
empresas de ônibus estávamos juntos. Para logo discordar na guerra do Golfo
–ele chegou a torcer pelo Sadam. “Pô,
Maurício, esse cara é um fascistão terrível!” E ele: “Tu tá dando mole pro imperialismo
ianqui!”
Aquela
legislatura de 89-92 me deixa grandes lembranças pelo nível das discussões ali
havia um grupo especialmente bem preparado e representativo numa época em que o
voto de opinião ainda tinha bastante influência: Francisco Milani, Sergio
Cabral, pai, Chico Alencar, Ruça e alguns outros. Juntos elaboramos a Lei
Orgânica Municipal, o Plano Diretor de 92 e o essencial da legislação ambiental
que vige até hoje. O fisiologismo era majoritário -- chamávamos eles de
“centrão”-- mas a correlação de forças
não era tão esmagadoramente desfavorável como atualmente. A ali se destacava
nas palavras do saudoso Milani “o severo spala”, o maestro daquele plenário:
Mauricio Azedo.
Na eleição seguinte ele não se elegeu. Prova
cabal de que as eleições são frequentemente de uma injustiça atroz. Ficou como
primeiro suplente na nossa coligação do PDT com os verdes. Quando assumi a
secretaria de meio-ambiente, meses depois,
ele voltou à Câmara. Reconstituiu rapidamente aquele seu gabinete
abarrotado de papeis, arquivos e cinzeiros com guimbas mil. Maurício na época
fumava (não me lembro mais se Hollywood ou Continental) um atrás do outro. Como ele não tinha cigarro light.
Na época já nos preocupávamos com
sua saúde: na tribuna, aos brados, parecendo que ia ter uma síncope a qualquer
momento. Aí descia, tranquilo e, dependendo da nossa relação de momento me
lançava um sorriso ou um olhar severo. Efeito
catártico, ao descer ele ficava tranquilo.
Com o visível deterioro daquela Câmara
Municipal --com uma composição pior a cada eleição-- ele foi para o Tribunal de Contas e depois
assumiu a presidência da ABI. Quando me elegi pela quarta vez vereador, em
2008, nos primeiros dias de mandato, tentava me adaptar à mudança no plenário.
O nível das discussões era –salvo uma ou outra honrosa exceção—
assustadoramente baixo. Platitudes, bobagens, bairrismos, atitudes
“mamãe-olha-eu-aqui”. Votações robóticas, todas previamente acertadas. Pouca discussão séria. Total falta de
conteúdo, de conhecimento, de debate real das questões da Cidade. Oratória
estereotipada, obtusa ou acanhada. Faltava algo ali de forma aguda, lancinante.
Faltava o mestre Maurício Azedo.
Todo spala tem que ser severo Se a mão que segura o arco não tiver o exato equilíbrio de tensão entre peso e leveza,o músico desafina a orquestra toda HMaria
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