30/03/2011

O mal que vem da boca


  A abordagem brasileira em relação a discursos de ódio (hate talk) é diferente da norte-americana. Nos EUA a liberdade de expressão é levada ao extremo: são permitidas organizações e manifestações nazistas, supremacistas, racistas e fanáticas de todo tipo e, até incitamentos às armas e à violência,  deste que não passem às vias de fato ou ao seu planejamento específico. As próprias condições legais para processar alguém por calúnia e difamação são muito limitadas. Para ser bem sucedido judicialmente diante do libel a vítima tem que provar que o acusador agiu de má fé que sabia ser falso o que disse ou escreveu. Fica com a vítima o ônus da prova. Isso facilita a vida de figuras como o radialista Rush Limbaugh da raivosa direita republicana e muito outros.

 Confesso que prefiro o nosso ordenamento que coíbe a organização militante e a propaganda nazi e considera o racismo um crime. Dito isso penso que cabe uma discussão em onde colocar os limites à expressão de opiniões ou conceitos quando entram numa zona cinzenta onde passamos a correr o risco de, no final da linha,  criminalizar tudo aquilo que não rezar pela cartilha do “politicamente correto” e jogar na fogueira de Monteiro Lobato às piadas de português –passando pelos chistes alusivos à orientação sexual, impotência ou hiperatividade sexual. Quando  discutimos a criminalização da homofobia, por exemplo, fico me perguntando: até qual limite?

 Penso que qualquer incitação à violência, humilhação, discriminação no trabalho, escola, qualquer bulling físico ou moral atingindo uma pessoa individualmente  deve ser punida na proporção da gravidade do sofrimento ou prejuizo provocado. Mas há um limite a partir do qual palavras, expressões de mau gosto ou opiniões com as quais não concordamos passam a ser protegidas pela liberdade de expressão. Exatamente onde traçar a linha divisória é o grande desafio. Nesse sentido não penso que se possa, por exemplo,  privar um pastor evangélico de condenar genericamente o homossexualismo em função de suas convicções religiosas desde que não esteja discriminando, prejudicando o incitando à violência contra  um alvo humano em específico e causando-lhe  dano moral ou físico real.

 Não podemos (nem conseguiremos) coibir  o besteirol nem as expressões reacionárias  e cretinas da extrema-direita, da extrema-esquerda ou da extrema-qualquer coisa. E devemos evitar, na medida do possível, levantar a sua bola e contribuir para a sua auto-promoção nem para o estrelato marrom tão ao gosto de certos personagens –políticos, radialistas, jornalistas, etc...—que fazem do discurso chocante uma atração, um canal de popularidade e/ou de busca de votos. É preciso entender que esse pensamento preconceituoso é compartilhado por segmentos da sociedade e que dar-lhes demasiada atenção acaba ampliando seu poder de reverberação e sua visibilidade.

 Pensei nisso a propósito do incidente dep.Jair Bolsonaro versus Preta Gil. Claro que estou com Preta e não abro. Conheço Bolsonaro da Câmara Municipal do Rio desde a legislatura de 1988. Um sujeito pessoalmente afável capaz de defender a tortura e dizer as maiores barbaridades fascistóides, homófobas. Elege-se por um voto militar essencialmente corporativo. Além disso também trabalha um segmento de extrema-direita nostálgico da ditadura e caricaturalmente reacionário. Seu discurso de direita extremada e sua homofobia militante lhe traz votos e quanto mais incidentes midiáticos conseguir criar, melhor para ele.

 No plano da luta anti-racista há algum tempo estamos importando conceitos originados nos EUA como a ação afirmativa, as quotas, que na minha opinião são válidas em certos casos, desde que limitadas a duas ou três décadas,  mas que também podem, eventualmente, gerar efeitos perversos com conseqüências inesperadas, inclusive favorecendo gêneros de ressentimento que classicamente são bem trabalhados pela extrema-direita, atualmente em forte ascensão na Europa e solidamente representada no Tea Party republicano, nos EUA.

 No Brasil, depois de uma longa ditadura, criamos um espectro político republicano onde a direita clássica, liberal-conservadora,  tem uma certa vergonha em se colocar. A extrema-direita não tem esse problema e possui seu público. Tenciona ocupar o vazio. Também vem dos EUA a melhor formula de enfrentar politicamente a extrema-direita e o racismo: não aquela dos Black Panther e Black Power dos anos 60 e 70, não um discurso raivoso e ressentido, mas a força tranqüila de Barack Obama e a geração de políticos negros que desde os anos 80 vinham ocupando espaços, sobretudo no poder local. A tranqüilidade, a ironia e até o humor são melhores armas para a luta ideológica contra os energúmenos, os fanáticos e inimigos da liberdade e da democracia, venham eles de onde vierem. Obriga-los a sair se seus armários bolorentos para a luz do sol é o melhor remédio.
  

Um comentário:

  1. Achei o texto ótimo, porém discordo quanto a chamda "Lei da Mordaça" pelos direitistas de plantão. Sou a favor da lei porque tenho em minha concepção que não se trata de uma escolha e sim de uma condição. Assim como um negro não escolhe nascer negro ou uma pessoa albina não escolhe nascer albina. É diferente de religião onde você tem a oportunidade e talvez a liberdade de escolha. "Ah, eu sou judeu. Ah, eu sou católico."
    Dê uma lida sobre o assunto, a começar por essa:
    16/06/2008 - 16h23
    Cérebro de homossexuais tem semelhanças com o do sexo oposto, diz estudo
    http://www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/ult306u412915.shtml
    Portanto não posso aceitar que o preconceito de determinados setores da sociedade sejam proferidos com a desculpa de que se é uma escolha pode-se falar mal ou não respeitar. Por isso sou a favor de leis como a que torna o racismo crime e a que torna a homofobia crime. Afinal vivemos em um estado laico, e estamos falando de realidade, não de religiões...

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