28/05/2010

Saudades de Bush?

Durante os oito anos da administração George W Bush, Lula jamais se contrapôs e muito menos desafiou suas políticas aventureiras, agressivas e unilateralistas. Quando muito havia uma ou outra restrição cuidadosamente embrulhada em linguagem bem diplomática. Quando os dois se encontravam era uma festa. A gestalt ou,  como dizem eles,  o body language,  era de “amigos” do gênero que Lula hoje cultiva com Ahmadinedjad. Talvez ele se sentisse mais a vontade com o primarismo intelectual do texano naquele seu jeitão caubói.

 Há uma distância abissal entre a administração Obama, a mais à esquerda desde Franklin Delano Roosevelt, e a do seu antecessor  para além do fato histórico de se tratar do primeiro presidente negro da história dos EUA. Há uma distância galáctica entre os democratas e os republicanos que hoje buscam,  no contexto das seqüelas da crise econômica que eles próprios provocaram, reconquistar o poder. Uma volta dos republicanos seria pior ainda que a era Bush pois dar-se-ia num explícito e assumido movimento de massas fascistóide e anti-imigração com o perfil do Tea Party e de um partido republicano já  totalmente “depurado” de sua antiga ala moderada.

George W Bush elegeu-se com falso discurso de centro-direita --o “conservadorismo com compaixão”--  e favorecido pela fraude eleitoral na Flórida, pelo apoio  decisivo da maioria republicana na Suprema Corte e pela divisão lamentável provocada pela candidatura de Ralph Nader apoiada pelos verdes. Perdeu no sufrágio popular por 500 mil votos.  Fez oito meses de um governo medíocre, reacionário sobretudo na questão ambiental, mas encontrou sua vocação de direita neoconservadora e aventureira depois dos ataques de 11 de setembro, do pânico dos envelopes com antrax e chegou ao seu extremo com a absurda  invasão do Iraque cujo efeito geopolítico mais duradouro foi o de fazer do Irã a potência  hegemonica da região

 Obama começou estendendo a mão ao Irã,  aos irmãos Castro e a Hugo Chavez. O regime teocrático recusou-se a fazer qualquer gesto de moderação  em relação a sua constante pregação pela destruição do estado de Israel, sua negação do holocausto nazista e continuou a recusar-se a dar garantias claras de que não usará seu programa nuclear para fins militares. Chavez,  cada vez mais enrolado com seus monumentais erros econômicos, intensificou sua escalada rumo a um regime internamente autoritário e externamente aventureiro. Os irmãos Castro foram incapazes de soltar um único preso político ou fazer qualquer gesto politicamente liberalizante que permitisse a Obama suprimir o injusto e contraproducente embargo econômico.

  Todos esses personagens optaram por tratar Obama com um “liberal fraco”  sobre o qual seria possível “crescer” sem fazer concessões, um posicionamento análogo ao de Nikita Kruschev no início da administração John Kennedy, nos 60,  então o mais jovem presidente americano.  Isso levou a URSS a sucessivos erros de cálculo que colocaram o mundo a um triz da guerra nuclear durante a crise dos mísseis em Cuba, em 1962, situação que agora o grotesco ditatorzinho norte coreano Kim Jung Il  parece querer reproduzir.


                                                 NÓ EM PINGO D'ÁGUA

 A margem de manobra de Obama estreitou-se com sua perda de popularidade provocada pelas seqüelas da terrível crise econômica que herdou, enfrentou com determinação mas que vai demorar para ser superada, sobretudo no que tange ao desemprego. Ficou mais precária ainda diante da ofensiva feroz  dos republicanos contra a reforma do sistema de saúde que terminou numa vitória histórica mas pagando um alto preço político. Nas suas atuais circunstâncias Obama não pode se dar ao luxo de passar nenhuma percepção de debilidade ou hesitação. Ao mesmo tempo precisa evitar qualquer atitude ou gesto que evoque a arrogância de George W. Convenhamos, isso é nó em pingo d’água.

É nesse contexto que nosso presidente Lula, muy amigo,  homem em tese com um ideário democrático de esquerda, adota o compadrio, os tapinhas nas costas e na barriga como norma de relacionamento com sua coleção de ditadores e/ou histriões amigos e, no caso do Irã, resolve dar cobertura política internacional a um regime francamente fascista com uma postura internacional aventureira e fomentadora do terrorismo.  Essa ação terrorista  já teve sua manifestação direta na nossa vizinha Argentina com os terríveis atentados à Associação Israelita e à representação diplomática de Israel, nos anos 90,  o que faz com que até hoje, mesmo com o governo do casal Kirchner, Buenos Aires continue a exigir mediante mandatos via Interpol a prisão de altos personagens do regime teocrático e não mantenha relações diplomáticas com o Irã.

 O acordo nuclear negociado  por Lula e Erdorgan com Ahamadinedjad é insuficiente. Na época em que fora originalmente proposto pela AIEN, há mais de um ano, o envio ao exterior dos 1200 kg de urânio enriquecido era suficiente para manter o estoque iraniano abaixo do volume necessário para eventualmente produzir urânio enriquecido a 90%, o suficiente para construir artefatos atômicos.  Só que hoje não é mais porque nesse período o Irã já produziu mais urânio enriquecido.  Por outro lado,  o Irã não se compromete a parar de enriquecer urânio a 20% nem permitir inspeções adequadas para uma verificação “in loco” da inexistência de produçnao de armas nucleares. Isso fica tão claro que nem a Rússia e a China, com seus grandes interesses comerciais no Irã --que nós não temos--  chegam a “comprar”  o acordo nesses moldes e tendem a votar a favor das sanções na ONU.


                                                           LEI DE MURPHY

 Nesse contexto, embora as sanções do Conselho de Segurança da ONU provavelmente sejam insuficientes para parar o programa nuclear militar iraniano, Obama não tem outro caminho. Evidentemente que a  solução seria um acordo global com o Irã cuidando de todos os aspectos do conflito entre ambos países, desde a revolução islâmica,  mas ao enfraquecer politicamente Obama perante seus implacáveis adversários internos,  Lula e Erdogan estreitam sua margem de manobra. E mais: indireta e canhestramente  acabam favorecendo o maior risco que seria em algum momento um ataque preventivo israelense. Mesmo um governo super direitista como o de Bibi Netanyahu não o faria “a frio” ignorando as repetidas advertências norte-americanas. Mas certamente poderia fazê-lo “a quente” no caso de um novo conflito com o Hezbollah, no Líbano, com foguetes caindo sobre Tel Aviv, algo que está perfeitamente dentro do plausível nessa região regida pela Lei de Murphy.

Movido a vaidade e por uma pretensão que chega às raias da megalomania,  Lula meteu a mão numa cumbuca que não é nossa, na qual nada temos a ganhar e onde, francamente, só atrapalhamos. Vamos acabar nos isolando na amizade a uma feroz ditadura que tortura e executa opositores políticos. Se, afinal, para além de Ahmadinedjad, Castros, Chavez, Ortega e similares, “o melhor para o Brasil”  seria, de fato, um fracasso de Obama e uma futura volta dos republicanos,  então dá para se conceder  coerencia e propósito à política externa lulista...


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