04/12/2019

A mais deprimente das COP e o novo ouro


(de Madri) Vamos cair na real, nunca uma COP abriu numa situação global mais deprimente. Já não estou falando da confirmação sistemática dos piores cenários previamente traçados pelo IPCC nem das atitudes de Trump. Cenários são e serão sempre imprecisos –para melhor ou pior--  e Trump não consegue controlar a quinta economia do mundo: os estados que não aceitam seu anúncio de deixar o Acordo de Paris e tratam de cumprir a NDC dos EUA por eles mesmos, contando ainda com a debacle econômica do carvão. Nada garante que serão bem sucedidos mas estão tentando.

 O pior é o que acontece com a China. O maior emissor, depois de uma certa estabilização em 2014 e 2015,  voltou a aumentar suas emissões de carvão, sua exportação de carvão e seu financiamento de usinas novas a carvão pelo fundo afora, inclusive no Brasil, em Candiota (RS). Seu esforço de fechamento da algumas usinas obedecera a uma logica de combate à poluição atmosférica. Não se pode dizer ainda que a China não cumprirá sua (modesta) NDC, em intensidade da carbono (não no agregado) e seu “pico de emissões” em 2030. Talvez o faça mas isso é altamente insuficiente para uma trajetória global de sequer 2 graus.

A Índia, cuja emissões sobem sem parar esta construindo, assim como a China, dezenas de novas usinas a carvão com um lock in de uns 40 anos, embora seja um dos países mais dramaticamente vulneráveis à mudança climática. A isso se somam recordes de desmatamento no Brasil e na Indonésia.  Essas emissões praticamente são ignoradas no último relatório do PNUMA (programa das ONU para o meio ambiente – UNEP, em inglês) da série GAP onde se analisa o abismo das projeções de emissão atuais em relação a meta de 2 graus ou 1.5.  Por uma razão que considero incompreensível o relatório não incorpora dados de desmatamento por considerar de difícil avaliação –o que é falso--  e na hora das recomendações por países, quando fala do Brasil,  simplesmente não se refere à nossa maior fonte de emissões e maior potencial de redução das mesmas: o desmatamento. Um escândalo de incompetência!

 A Europa parece na trajetória de cumprir a sua NDC mas certos países como a Polônia, a Hungria e a Republica Tcheca bloqueiam qualquer esforço para torna-la mais ambiciosa e compatível com uma trajetória de 2 graus muito menos 1.5. A Alemanha, ao marcar para 2038 o fechamento de sua última usina a carvão,  dá um mau exemplo porque fornece um álibi aos países mais pesadamente carvoeiros. Já a Rússia que teve, recentemente, incêndios florestas na Sibéria ainda mais extensos que os da Amazônia, tem parte de seu establishment politico, científico e militar “favorável” ao aquecimento global --diferente do negacionismo, o “aquecentismo”!--  por apostar em ganhos econômicos na agricultura e no degelo do Ártico (petróleo e gás). Não pensem que só Brasil  se vê como celeiro do mundo. A Rússia aposta nisso, aparentemente pensando que a mudança climática joga a favor enquanto aqui sabemos, cientificamente,  que ela ameaça muito seriamente nossa agricultura --mesmo que boa parte dos ruralistas não se deram conta, ainda.

 Nesse quadro  o formato e escopo das COP parecem cada vez mais desamparados. As sociedade civil global se mobiliza, é certo. A geração Greta está nas ruas e nas redes sociais mas sem propostas consequentes para lá do protesto e da denúncia. Não adianta a garotada do Rebellion,  em Londres,  colar a bunda no asfalto e tirar um selfie. Precisamos, sim, de uma revolução mas ela tem que ir fundo na economia, nas suas bases,  nos seus sistema de valores. Não basta taxar o carbono e atacar os subsídios –em geral em operações mal geridas que acabam gerando revolta social. É preciso, além de fazer isso  politicamente bem feito, precificar positivamente o carbono: o menos-carbono tem que valer dinheiro.


 Se governos, bancos centrais e agencias multilaterais são incapazes de fazê-lo temos que criar uma criptomoeda do clima. Uma baseada no lastro do menos-carbono como se fosse o novo ouro. É algo muito mais factivel e útil que o bicoin e se governos, bancos centrais e agencias multilaterais não conseguem –ou não querem—faze-lo,  caberá à própria sociedade, aos hackers, aos pop stars iniciarem um movimento global pela internet. Se a mudança climática é o maior problema da humanidade e está ficando cada dia mais dramática, o menos-carbono é o novo ouro.

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