23/09/2015

Rumo a uma Bretton Woods do baixo carbono

 
(versão integral do artigo publicado ontem no Valor Econômico)

No final deste ano na COP 21,  em Paris, os 196 governos integrantes da UNFCCC   tentarão um novo acordo para o Clima. Possivelmente haverá avanços incrementais mas  dificilmente se acordará uma redução de emissões de gases-estufa suficiente para manter a temperatura média do planeta abaixo dos 2 graus, até o final do século. As mudanças climáticas já verificadas com um aumento de menos de um grau, desde o início da era industrial, são suficientemente graves e ameaçadoras: derretimento de geleiras, enchentes e secas mais intensas e frequentes, elevação do nível do mar, ondas de calor, colapso da agricultura --como a Síria, entre 2006 e 2011-- e outras.  Um aumento de 2 graus é francamente assustador e atualmente a  projeção para o final do século vai de 3,5 a 5 graus, com consequências catastróficas ainda no período de vida de nossos filhos e netos. Para não ultrapassar os 2 graus será necessário chegar globalmente a uma emissão líquida  zero entre 2055 e 2070.

  Os pontos “quentes” de Paris serão: uma meta de longo prazo, compatível com 2 graus; ciclos de revisão quinquenais objetivando mais ambição e um sistema de verificação para orienta-los;  a adaptação às consequências já inevitáveis das mudanças climáticas;  os mecanismos de “perdas e danos” e nas novas formas de “diferenciação” entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.  As INDC, as “intenções de compromissos nacionalmente determinadas”, primeiro passo para as  metas nacionais,  que vêm sendo anunciadas serão ajustadas na própria Conferência. Espera-se que uma vez acordadas  venham a ser incorporadas à legislação nacional dos países. Penso que o INDC brasileiro, a ser anunciado no final do mês,  deveria conter uma meta de emissão, para 2030,  entre 1.3 e 1 Gt de CO2 eq, (redução entre 15% e 30% em relação ao ano base 1990),   uma perspectiva de redução mais de 80%, em emissões líquidas, para 2050 e um apoio resoluto à proposta de ciclos quinquenais visando maior ambição.

  O necessário consenso entre 196 governos para deliberar produzirá como sempre um mínimo denominador comum.  Persistirá a chamada gap (fenda) entre o mínimo que o cientistas do IPCC – o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas--  afirmam necessário para  2 graus e o máximo que as delegações conseguem acordar. Uma forte ação adicional terá que ser concertada entre os sete ou oito maiores emissores, China, EUA, UE, Índia, Brasil, Japão, Rússia e Indonésia (e também grandes empresas!) possivelmente no marco do G 20, de forma bilateral como no recente acordo EUA-China ou sob forma de voluntários “Clubes de Clima”.  O essencial, no entanto, terá de vir de uma revolução no financiamento. A grande questão nunca claramente enfrentada nas COP é:  como financiar a transição para economias de baixo carbono? As negociações  de finanças na UNFCCC estão estagnadas e beiram o ridículo com brigas intermináveis sobre desembolsos governamentais para o  Fundo Verde do Clima envolvendo cifras irrisórias. Fala-se,  na melhor das hipóteses,  em US$ 100 bi, em 2020(até agora só 10 bi foram mobilizados!) Compare-se isso  à estimativa realista dos investimentos necessários: globalmente um trilhão de dólares-ano, apenas para a transição no setor de energia! Os governos, quase todos com déficits e endividamento, simplesmente não dispõem desses recursos.  

 A primeira solução, para além de ir  eliminando  mais de um tri de subsídios para combustíveis fósseis, seria taxar diretamente o carbono.   É uma batalha a ser travada país por país já que são nacionais os sistemas tributários. Esse tipo de reforma tributária --sem aumento da carga--  é fundamental conquanto difícil e trabalhosa. Outro caminho, esse de menor resistência, é o da  “precificação positiva” da redução do carbono. O Brasil deu um primeiro passo nesse sentido ao levar à recente reunião preparatória da COP 21, em Bonn, uma proposta, concebida na sociedade civil e encaminhada ao governo, pela Comissão de Mista de Mudanças Climáticas do Congresso, em 2014,   reconhecendo o “valor social e econômico das ações de mitigação”(redução de carbono), também incluída na recente declaração conjunta dos presidentes dos EUA e do Brasil.

    O dano à economia global por causa das mudanças climáticas já foi claramente quantificado desde o famoso Relatório Stern. Um número pode ser diplomaticamente convencionado. A partir daí pode-se estabelecer o preço de cada tonelada de emissões de CO2 eq. suprimida. O reconhecimento dessa nova unidade de valor por 196 governos, pode se dar ainda no processo da COP 21. Ela dará ensejo a vários mecanismos possíveis com certificados de redução de emissões,  “moedas do clima”  capazes de alavancar inversões na descarbonização  enfrentando sua maior dificuldade:  a necessidade de fortes investimentos iniciais (upfront investments). Ajudará, inclusive, a dar uma direção produtiva e descarbonizante às prática de quantative easing como a que o Banco Central Europeu atualmente implementa. O  essencial da construção desses novos mecanismos  dar-se-á fora da UNFCCC mas o primeiro passo é o reconhecimento pelos seus 196 governos de que redução de carbono = valor.

 O papel dos governos envolvidos seria o de dar garantias a esses certificados facilitando mobilizar recursos do sistema  financeiro internacional  que hoje gira algo como trezentos trilhões de dólares com um brutal excesso de liquidez que pouco irriga a economia produtiva global. Essa situação é propícia às “bolhas” e crises como a de 2008. O desafio é atrair capitais para investimentos produtivos e de baixo carbono que poderão suscitar  também um novo ciclo de crescimento, inovador e gerador de empregos. Os efeitos serão benéficos não apenas ao Clima como à macroeconomia global. O objetivo é estabelecer uma nova ordem financeira internacional,  uma espécie de “Bretton Woods do baixo carbono”,  para a qual não há mais tempo a  perder.


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