(versão integral do artigo publicado ontem no Valor Econômico)
No final deste ano na COP 21, em Paris, os 196 governos integrantes da
UNFCCC tentarão um novo acordo para o
Clima. Possivelmente haverá avanços incrementais mas dificilmente se acordará uma redução de emissões
de gases-estufa suficiente para manter a temperatura média do planeta abaixo
dos 2 graus, até o final do século. As mudanças climáticas já verificadas com
um aumento de menos de um grau, desde o início da era industrial, são suficientemente
graves e ameaçadoras: derretimento de geleiras, enchentes e secas mais intensas
e frequentes, elevação do nível do mar, ondas de calor, colapso da agricultura
--como a Síria, entre 2006 e 2011-- e outras.
Um aumento de 2 graus é francamente assustador e atualmente a projeção para o final do século vai de 3,5 a
5 graus, com consequências catastróficas ainda no período de vida de nossos
filhos e netos. Para não ultrapassar os 2 graus será necessário chegar globalmente
a uma emissão líquida zero entre 2055 e
2070.
Os
pontos “quentes” de Paris serão: uma meta de longo prazo, compatível com 2
graus; ciclos de revisão quinquenais objetivando mais ambição e um sistema de
verificação para orienta-los; a
adaptação às consequências já inevitáveis das mudanças climáticas; os mecanismos de “perdas e danos” e nas novas
formas de “diferenciação” entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. As INDC, as “intenções de compromissos
nacionalmente determinadas”, primeiro passo para as metas nacionais, que vêm sendo anunciadas serão ajustadas na
própria Conferência. Espera-se que uma vez acordadas venham a ser incorporadas à legislação
nacional dos países. Penso que o INDC brasileiro, a ser anunciado no final do
mês, deveria conter uma meta de emissão,
para 2030, entre 1.3 e 1 Gt de CO2 eq,
(redução entre 15% e 30% em relação ao ano base 1990), uma perspectiva de redução mais de 80%, em
emissões líquidas, para 2050 e um apoio resoluto à proposta de ciclos
quinquenais visando maior ambição.
O necessário consenso entre 196 governos para
deliberar produzirá como sempre um mínimo denominador comum. Persistirá a chamada gap (fenda) entre o mínimo que o cientistas do IPCC – o Painel
Intergovernamental de Mudanças Climáticas-- afirmam necessário para 2 graus e o máximo que as delegações conseguem
acordar. Uma forte ação adicional terá que ser concertada entre os sete ou oito
maiores emissores, China, EUA, UE, Índia, Brasil, Japão, Rússia e Indonésia (e
também grandes empresas!) possivelmente no marco do G 20, de forma bilateral
como no recente acordo EUA-China ou sob forma de voluntários “Clubes de Clima”. O essencial, no entanto, terá de vir de uma
revolução no financiamento. A grande questão nunca claramente enfrentada nas
COP é: como financiar a transição para
economias de baixo carbono? As negociações de finanças na UNFCCC estão estagnadas e beiram
o ridículo com brigas intermináveis sobre desembolsos governamentais para o Fundo Verde do Clima envolvendo cifras
irrisórias. Fala-se, na melhor das
hipóteses, em US$ 100 bi, em 2020(até
agora só 10 bi foram mobilizados!) Compare-se isso à estimativa realista dos investimentos necessários:
globalmente um trilhão de dólares-ano, apenas para a transição no setor de
energia! Os governos, quase todos com déficits e endividamento, simplesmente
não dispõem desses recursos.
A primeira solução, para além de ir eliminando mais de um tri de subsídios para combustíveis
fósseis, seria taxar diretamente o carbono. É uma
batalha a ser travada país por país já que são nacionais os sistemas
tributários. Esse tipo de reforma tributária --sem aumento da carga-- é fundamental conquanto difícil e trabalhosa.
Outro caminho, esse de menor resistência, é o da “precificação positiva” da redução do carbono.
O Brasil deu um primeiro passo nesse sentido ao levar à recente reunião
preparatória da COP 21, em Bonn, uma proposta, concebida na sociedade civil e encaminhada
ao governo, pela Comissão de Mista de Mudanças Climáticas do Congresso, em 2014,
reconhecendo o “valor social e econômico das
ações de mitigação”(redução de carbono), também incluída na recente declaração conjunta
dos presidentes dos EUA e do Brasil.
O dano à economia global por causa das
mudanças climáticas já foi claramente quantificado desde o famoso Relatório
Stern. Um número pode ser diplomaticamente convencionado. A partir daí pode-se
estabelecer o preço de cada tonelada de emissões de CO2 eq. suprimida. O
reconhecimento dessa nova unidade de valor por 196 governos, pode se dar ainda
no processo da COP 21. Ela dará ensejo a vários mecanismos possíveis com certificados
de redução de emissões, “moedas do
clima” capazes de alavancar inversões na
descarbonização enfrentando sua maior
dificuldade: a necessidade de fortes
investimentos iniciais (upfront
investments). Ajudará, inclusive, a dar uma direção produtiva e
descarbonizante às prática de quantative
easing como a que o Banco Central Europeu atualmente implementa. O essencial da construção desses novos
mecanismos dar-se-á fora da UNFCCC mas o
primeiro passo é o reconhecimento pelos seus 196 governos de que redução de
carbono = valor.
O papel dos governos envolvidos seria o de dar
garantias a esses certificados facilitando mobilizar recursos do sistema financeiro internacional que hoje gira algo como trezentos trilhões de
dólares com um brutal excesso de liquidez que pouco irriga a economia produtiva
global. Essa situação é propícia às “bolhas” e crises como a de 2008. O desafio
é atrair capitais para investimentos produtivos e de baixo carbono que poderão
suscitar também um novo ciclo de
crescimento, inovador e gerador de empregos. Os efeitos serão benéficos não
apenas ao Clima como à macroeconomia global. O objetivo é estabelecer uma nova
ordem financeira internacional, uma
espécie de “Bretton Woods do baixo carbono”, para a qual não há mais tempo a perder.
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