Um non paper em jargão diplomático é um
texto não oficial facilitador de uma negociação. A reunião de Bonn foi
realizada sob a égide do non-paper da reunião de fevereiro, em Genebra, que colocou entre parêntesis –ou colchetes, se
preferirem-- o documento de trabalho,
propriamente dito, das “partes” (os 196
governos da UNFCCC) vítima de obesidade mórbida: 83 páginas.
A reunião de Bonn consistiu num conjunto de
trilhas de negociação –ou, no caso concreto,
discurseira-- paralelas sobre
temas diferentes: transparência, ciclos de ambição, mitigação, finanças,
adaptação, “Workstream 2- WS2” (medidas voluntárias inovadoras, ações pré
2020) sem uma articulação central para
efetuar os chamados trade-offs
políticos entre as diferentes trilhas negociadoras, fundamentais para avançar
pois nos processo da ONU nenhuma delegação concede nada de graça sem levar algo
noutra trilha. Quando se pergunta aos
bem informados, afinal, no que deram esses
cinco dias de negociação preparatória da COP 21, em Paris, a resposta é do
tipo: “agora temos mais clareza dos pontos de estrangulamento, as divergências
se afunilaram”. Isso representa
progresso? Eles acham que sim. Vá lá que seja...
Como não poderia deixar de ser circulam várias
teorias de conspiração: na verdade os co-presidentes querem conduzir a ADP ao
impasse, eliminar o acumulado e
recomeçar já perto de Paris --Le Bourget para sermos mais precisos-- com um documento patrocinado pelo G2, ou seja
EUA e China. Outra variável seria um proposto pela própria presidência da COP,
ou seja a França. Pessoalmente não
acredito em nada disso mas acho esse tipo de boato sintomático da sempre
renovada desfuncionalidade do sistema da UNFCCC.
Minha pequena história em Bonn foi apoiar a
nossa delegação na tentativa de emplacar
o “reconhecimento do valor social e econômico das ações de mitigação” primeiro
passo em direção da precificação positiva da redução de carbono quem venho
propugnando. Há três trilhas onde isso poderia entrar: no WS2, no preambulo da
declaração do eventual acordo de Paris e/ou no capítulo “Finanças”.
O local
correto seria o último enquanto um Princípio Orientador (Guiding Principle). Ocorre que a trilha de finanças é possivelmente
a pior de todas. Assisto a mesma discussão há muitas COP que pode ser resumida
naquele velho sambinha: “ei, você aí/me dá um dinheiro aí/me dá um dinheiro aí/
não vai dar/não vai dar não/vocd vai ver a grande confusão/”. Trata se de uma
discussão que reduz o financiamento da transição para economias de baixo
carbono à discussão, sem saída, de que
governos vão pagar o quê para outros governos. Evidentemente que a polarização
é entre “desenvolvidos” e “em desenvolvimento” e não vai a canto nenhum. A
discussão é tão pavlovianamente antagonista que nenhuma fórmula nova tem lugar
ali. Daí nossa dificuldade de propor o reconhecimento de valor econômico das
ações de mitigação.
O preâmbulo é considerado o locus menos
importante e “fora do acordo” mas faria sentido politicamente colocar esse
reconhecimento de que redução de carbono = valor também ali. Até porque a
construção do mecanismo de financiamento da descarbonização, uma vez legitimado
por esse reconhecimento na UNFCCC , se dará essencialmente por fora do sistema
ONU, no âmbito do G 20 , dos bancos centrais, de desenvolvimento e do sistema
financeiro. Mas os bons conhecedores
aconselham que o preâmbulo deva ser tratado por último.
Onde a coisa avançou foi no WS 2. O Brasil
apresentou: Recognizes
the social and economic value of voluntary mitigation actions and their
co-benefits to adaptation, health and sustainable development. (Reconhece(se)
o valor social e econômico das ações de mitigação e seus co-benefícios para
adaptação, saúde e desenvolvimento sustentável) a segunda parte e
“voluntário” foi para garantir mais
apoio no grupo do G 77. No WS2 ninguém objetou, a relatora acolheu a proposta
brasileira e, aparentemente, ela emplacou. Digo aparentemente, pois ainda
teremos que esperar se os co-presidentes
aceitarão o que lhes passou a relatoria do WS2. Saberemos no início de outubro…
E o resto? Aparentemente o conceito das
revisões quinquenais vai se firmando. Detalhe: nem todos países o encaram como
um processo de revisão para maior ambição. Alguns países árabes produtores de
petróleo (ou clientes dos ditos cujos) sustentam que a revisão poderia resultar
em...menos(!) ambição. Aliás esses países conceberam uma outra proposta no
mínimo esdrúxula: as response mesures que trocadas em miúdos vem a ser
um fundo para “indenizar” os produtores de petróleo (a turma do carvão também
vai querer...) pelos efeitos da futura des-carbonização da economia mundial.
Não querem depender apenas de seus petrodólares para tanto, querem nossos caraminguás também. No G77 embora muitos discordem, ninguém objeta
pois ninguém quer que a Arábia Saudita e seus seguidores empombem com suas
próprias propostas em represália. Pudicamente olhamos para o outro lado, pragmatisme
oblige, diriam os franceses.
Bem, mas e aí? Bonn no que deu? Ah, sim, já ia
esquecendo: morreu o non paper de fevereiro. Os co-presidentes ficaram
de apresentar, para outubro, nada menos que...um outro non-paper!
Numa cultura planetária de petrodólares os acordos,ou são vítimas da coação dos poderosos ou são cooptados(lacaios do poder econômico e político) Trabalhei desde dez anos de idade ,dez horas por dia,com música sinfônicaJamais ficarei rica Gostaria de saber quem paga todas estas negociações improdutivas
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