08/09/2015

Reunião de Bonn: sai non-paper, entra...non-paper


Um non paper em jargão diplomático é um texto não oficial facilitador de uma negociação. A reunião de Bonn foi realizada sob a égide do non-paper  da reunião de fevereiro, em Genebra,  que colocou entre parêntesis –ou colchetes, se preferirem--  o documento de trabalho, propriamente dito,  das “partes” (os 196 governos da UNFCCC) vítima de obesidade mórbida: 83 páginas.


 A reunião de Bonn consistiu num conjunto de trilhas de negociação –ou, no caso concreto,  discurseira--  paralelas sobre temas diferentes: transparência, ciclos de ambição, mitigação, finanças, adaptação, “Workstream 2- WS2” (medidas voluntárias inovadoras, ações pré 2020)  sem uma articulação central para efetuar os chamados trade-offs políticos entre as diferentes trilhas negociadoras, fundamentais para avançar pois nos processo da ONU nenhuma delegação concede nada de graça sem levar algo noutra trilha.  Quando se pergunta aos bem informados, afinal,  no que deram esses cinco dias de negociação preparatória da COP 21, em Paris, a resposta é do tipo: “agora temos mais clareza dos pontos de estrangulamento, as divergências se afunilaram”.  Isso representa progresso? Eles acham que sim. Vá lá que seja...

 Como não poderia deixar de ser circulam várias teorias de conspiração: na verdade os co-presidentes querem conduzir a ADP ao impasse, eliminar  o acumulado e recomeçar já perto de Paris --Le Bourget para sermos mais precisos--  com um documento patrocinado pelo G2, ou seja EUA e China. Outra variável seria um proposto pela própria presidência da COP, ou seja a França. Pessoalmente  não acredito em nada disso mas acho esse tipo de boato sintomático da sempre renovada desfuncionalidade do sistema da UNFCCC.

 Minha pequena história em Bonn foi apoiar a nossa  delegação na tentativa de emplacar o “reconhecimento do valor social e econômico das ações de mitigação” primeiro passo em direção da precificação positiva da redução de carbono quem venho propugnando. Há três trilhas onde isso poderia entrar: no WS2, no preambulo da declaração do eventual acordo de Paris e/ou no capítulo “Finanças”.

  O local correto seria o último enquanto um Princípio Orientador (Guiding Principle). Ocorre que a trilha de finanças é possivelmente a pior de todas. Assisto a mesma discussão há muitas COP que pode ser resumida naquele velho sambinha: “ei, você aí/me dá um dinheiro aí/me dá um dinheiro aí/ não vai dar/não vai dar não/vocd vai ver a grande confusão/”. Trata se de uma discussão que reduz o financiamento da transição para economias de baixo carbono à discussão, sem saída,  de que governos vão pagar o quê para outros governos. Evidentemente que a polarização é entre “desenvolvidos” e “em desenvolvimento” e não vai a canto nenhum. A discussão é tão pavlovianamente antagonista que nenhuma fórmula nova tem lugar ali. Daí nossa dificuldade de propor o reconhecimento de valor econômico das ações de mitigação.

 O preâmbulo é considerado o locus menos importante e “fora do acordo” mas faria sentido politicamente colocar esse reconhecimento de que redução de carbono = valor também ali. Até porque a construção do mecanismo de financiamento da descarbonização, uma vez legitimado por esse reconhecimento na UNFCCC , se dará essencialmente por fora do sistema ONU, no âmbito do G 20 , dos bancos centrais, de desenvolvimento e do sistema financeiro.  Mas os bons conhecedores aconselham que o preâmbulo deva ser tratado por último.

 Onde a coisa avançou foi no WS 2. O Brasil apresentou: Recognizes the social and economic value of voluntary mitigation actions and their co-benefits to adaptation, health and sustainable development. (Reconhece(se) o valor social e econômico das ações de mitigação e seus co-benefícios para adaptação, saúde e desenvolvimento sustentável) a segunda parte e “voluntário”  foi para garantir mais apoio no grupo do G 77. No WS2 ninguém objetou, a relatora acolheu a proposta brasileira e, aparentemente, ela emplacou. Digo aparentemente, pois ainda teremos que esperar se os  co-presidentes aceitarão o que lhes passou a relatoria do WS2. Saberemos no início de outubro…

 E o resto? Aparentemente o conceito das revisões quinquenais vai se firmando. Detalhe: nem todos países o encaram como um processo de revisão para maior ambição. Alguns países árabes produtores de petróleo (ou clientes dos ditos cujos) sustentam que a revisão poderia resultar em...menos(!) ambição. Aliás esses países conceberam uma outra proposta no mínimo esdrúxula: as response mesures que trocadas em miúdos vem a ser um fundo para “indenizar” os produtores de petróleo (a turma do carvão também vai querer...) pelos efeitos da futura des-carbonização da economia mundial. Não querem depender apenas de seus petrodólares para tanto,  querem nossos caraminguás também.  No G77 embora muitos discordem, ninguém objeta pois ninguém quer que a Arábia Saudita e seus seguidores empombem com suas próprias propostas em represália. Pudicamente olhamos para o outro lado, pragmatisme oblige, diriam os franceses.

 Bem, mas e aí? Bonn no que deu? Ah, sim, já ia esquecendo: morreu o non paper de fevereiro. Os co-presidentes ficaram de apresentar, para outubro, nada menos que...um outro non-paper!







Um comentário:

  1. Numa cultura planetária de petrodólares os acordos,ou são vítimas da coação dos poderosos ou são cooptados(lacaios do poder econômico e político) Trabalhei desde dez anos de idade ,dez horas por dia,com música sinfônicaJamais ficarei rica Gostaria de saber quem paga todas estas negociações improdutivas

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