08/11/2014

Bretton Woods do baixo carbono?


Diante de relatórios cada vez mais alarmantes do IPCC(o painel intergovernamental de mudanças climáticas) é crucial passar da gesticulação  diplomática sem sentido de urgência para algo que, de fato,  possa evitar que elas se tornem catastróficas permanecendo apenas severas. O sistema negociador da UNFCCC, que depende do consenso de 193 governos,  não será capaz de produzir um acordo que limite a concentração de gases estufa na atmosfera a 450 ppm para dar uma chance à temperatura média do planeta não ir além dos 2 graus, nesse século. O processo da UNFCCC é um mínimo denominador comum,  certamente apresentará,  no ano que vem, em Paris, vários avanços incrementais, maiores ou menores,  mas não irá obrigar os governos a cortarem emissões de gases estufa  na intensidade que ciência demanda. Mesmo nos melhores cenários permanecerá  ainda uma distância entre o máximo que os governos podem acordar entre si e o mínimo necessário para o paradigma 450 ppm/2 graus.

 O Rio Clima propugna, desde 2012, duas ações adicionais ao esforço da diplomacia. A primeira é uma concertação adicional entre países grandes emissores para atuações conjuntas bi ou plurilaterais de geometria variável, tipo: China, EUA e União Europeia se articulam para conjuntamente ir eliminando as usinas à carvão chinesas. A segunda é o desenho no sistema financeiro internacional de um pano de fundo amigável à transição uma espécie de “Bretton Woods do baixo carbono”. A comparação metafórica com a conferência de 1944 que deu forma ao sistema econômico internacional contemporâneo não se dá ao pé da letra. A atualidade demanda um outro tipo de formato para além de governos. Precisa envolver os bancos centrais, as grandes empresas transnacionais e, sobretudo, o  sistema financeiro internacional, além da sociedade civil global. O objetivo é estabelecer uma nova ordem financeira internacional em torno de uma convenção: o reconhecimento da redução de carbono como unidade de valor financeiro conversível.

 A grande questão subjacente a todo debate climático é saber como financiar uma revolução energética que demandará globalmente um trilhão de dólares por ano. Os governos com seus enormes déficits e reservas limitadas não dispõem nem de perto desses recursos como verificamos em relação ao Fundo Verde do Clima que deveria dispor de 100 bilhões de dólares por ano, a partir de 2020,  e que não conseguiu até agora mais que promessa diminutas. Na recente cúpula do clima na ONU, com grande fanfarra,  a Coreia do Sul ofereceu 100 milhões e o México 10 milhões de dólares ao Fundo. Quando ele conseguir minimamente se capitalizar servirá sobretudo para programas de adaptação às mudanças climáticas. Financiar a transição da economia mundial para a era de baixo carbono é outra escala e  dependerá de algo muito mais drástico e poderoso.


 O sistema financeiro internacional gira mais de duzentos trilhões de dólares. Há um consenso que existe no mundo um excesso de liquidez e de poupança especulativa que pouco irriga a economia produtiva. Essa situação é propícia às “bolhas” e crises como aquela de 2008. O grande desafio é atrair uma parte que seja desse capitais para investimentos produtivos de baixo carbono capazes de garantir um novo ciclo de crescimento inovador e gerador de empregos. Quantos instaladores de painéis solares para geração distribuída serão necessários para monta-los em centenas de milhões de telhados, estacionamentos e fachadas? É preciso reconhecer a redução de carbono como unidade de valor conversível –uma moeda do Clima--  precificar o carbono e criar mecanismos pelos quais os bancos centrais garantam os financiamentos bancários para investimentos que reduzam emissões aceitando serem reembolsados com “certificados de redução” que podem guardar como valor. Os efeitos disso serão benéficos não apenas ao clima como à macroeconomia global. É animador assistirmos uma crescente adesão no setor privado a essa perspectiva, algo poucos anos atrás impensável.  Governos começam a se interessar. A sociedade civil utilizando as redes sociais  volta a promover manifestações pelo Clima, pelo mundo afora, inclusive uma de 400 mil pessoas em Nova York nas vésperas da conferencia dos chefes de estado.    Rola um clima. Epur si muove!

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