02/07/2014

Brizola, o irredutível

Hoje é o décimo aniversário da morte de Leonel Brizola. Reproduzo aqui, com pequenas atualizações, o artigo que escrevi, em 2004, sobre ele.

Leonel Brizola,   duelista de titãs, em tempos em que não há mais titãs...

A biografia política de Brizola foi vítima de um timing histórico adverso. Fabricado para ser presidente, com a têmpera dos grandes líderes populistas latino-americanos, acabou não sendo presidente embora, por muito tempo,  se acreditasse –e nós o acreditásemos--  predestinado.

Mas, a presidência da república não é o culminar de uma carreira política, mas, precisamente,  destino. E o dele, afinal não foi.

Ironias da história: quem diria, à partida que Sarney, Collor,  Itamar,  Fernando Henrique,  Lula  ou Dilma seriam presidentes mas não o Brizola?

  Durante alguns anos estivemos muito próximos. Conheci-o, em Portugal, no final dos anos 70 e fomos amigos. Brizola na época tentava reorganizar o PTB como um partido social-democrata ligado à Internacional Socialista e se aproximou muito de um grupo de jovens ex-guerrilheiros,  exilados em Lisboa,  do qual eu fazia parte.

De volta ao Brasil, nos primórdios do PDT, nos afastamos. O Brizola de Lisboa era acessível e parecia disposto a se reciclar como líder social-democrata moderno. De volta ao Brasil reatou  àquela relação líder – massas, foi cercado de incondicionais e assumiu um estilo muito difícil de combinar com o nosso da geração 68.

Mas fui um dos raros ex-colaboradores com os quais ele nunca brigou e mantivemos sempre uma relação cordial e  carinhosa, a meia distância.

  Como muitas figuras históricas, Brizola  era uma coleção de paradoxos. Pouco dado a leituras  --as más línguas garantiam que só havia lido a biografia de Julio de Castilhos--  tinha uma cultura histórica oral impressionante e tinha um conhecimento invejável da nossa história.

Apesar de falar apenas o espanhol conseguiu comunicar-se às mil maravilhas e seduzir instantanea e permanente homens como Willy Brandt, François Mitterand, Olaf Palme e,  o amigo de sempre, Mario Soares. Não gostava do legislativo, tinha preferência por cargos executivos, mas, uma vez lá, sofria de  forte inapetência em relação a gestão do dia a dia.

 No primeiro governo com a presença de auxiliares como César Maia, Jaime Lerner, Darcy Ribeiro conseguiu sair-se tão bem quanto o governo de um estado artificial como o Rio de Janeiro, permitiria. No segundo, essa inapetência  tornou-se um fardo, bem como seu proverbial apetite para brigas de cachorro grande: TV Globo, todos os presidentes, praticamente todas as principais lideranças políticas do país. 

   Na  política praticamente só cultivava  três tipos de relação: os subordinados, necessariamente fieis, os adversários e os aliados táticos. As duas últimas  categorias alternava-se rapidamente. Brizola não era homem de alianças duradouras. Não havia aliado que não pudesse, num piscar de olhos, cair na alça de mira de suas diatribes demolidoras.

Poucos adversários, no entanto, não poderiam eventualmente passar por uma (momentânea) reabilitação. Pouco sensível a sutilezas e detalhes, Brizola tinha, no entanto, uma visão precisa do big picture. Seus diagnósticos eram ferozmente precisos embora suas soluções muitas vezes impossíveis ou portadores de problemas maiores.

Tinha, no entanto,  a capacidade que apenas uns poucos tem de antecipar o curso da história. 

  Nunca vou me esquecer uma viagem que fizemos,  a Sesimbra, na costa portuguesa. Brizola buscava um hotel para ficar com a família e levei-o no meu Peujot verde para procura-lo.  Passamos o dia juntos, demos um mergulho na praia. Falávamos da guerra fria e, repentinamente, Brizola disse duas coisas, com total convicção,  que,  naquele momento,  me pareceram –e lhe disse,  de forma educada--  completamente absurdas e delirantes.

 Corria  o ano de 1978 quando ele prognosticou,  com inabalável  certeza,  o desmoronamento da URSS e a reunificação da Alemanha, que só ocorreram mais de uma década mais tarde. Naquela época, pos-Vietnam, estávamos no auge do poderio militar soviético, com os movimentos de libertação avançando,  na África,  e a revolução sandinista em, marcha,  a estagflação,  nos Estados Unidos e a  hegemonia econômica do Japão tida como certa. 

 Não passava pela cabeça de nenhum analista internacional a possibilidade de uma reunificação da Alemanha ou do colapso da URSS.  Antes de qualquer outro líder político Brizola diagnosticou a sinuca de bico que seria para o Brasil a globalização e a hegemonia dita neo-liberal. Referia-se às “nossas perdas internacionais”. Identificou a problemática, mas não tinha a solucionática. Ninguém  tem, ainda.

 Corretamente Brizola definiu a educação como “x” do nosso problema social, construiu muitos CIEPS,  mas,  a educação estadual, secundária, no Rio de Janeiro, hoje, continua sem render os frutos então esperados. A base do sistema está alí criada por esses dois grandes adversários históricos: Carlos Lacerda, nos anos 60 e Brizola, nos 80.

  O papel mais digno que a história poder-lhe-ia reservar teria sido a Presidência da República em regime parlamentarista --logo ele, tão fortemente  presidencialista. Certamente, incarnaria o papel de chefe de Estado e pai da Pátria, no cenário internacional,  com uma maestria inigualável.

Mas iria certamente infernizar a vida dos seus pobres primeiro-ministros...

 A fase final de sua carreira política não foi muito feliz pois,  a força de romper com  seus seguidores, a medida em que iam criando vôo próprio, para o bem ou para o mal, terminou um tanto solitário.


Mas jamais abatido, jamais derrotado, sempre firme como um penhasco, o velho Briza.

No primeiro encontro entre Leonel Brizola e François Mitterand, e, 1979.  Estou ao fundo, cabeludo...

Brizola, ao chegar em Lisboa, em 1978

No Encontro de Lisboa, de barba o Carlos Minc

Brizola e Arraes, encontro de titãs

O novo  abraço,  em 1990.

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