Hoje é o décimo aniversário da morte de Leonel Brizola. Reproduzo aqui, com pequenas atualizações, o artigo que escrevi, em 2004, sobre ele.
Leonel Brizola, duelista
de titãs, em tempos em que não há mais titãs...
A biografia política de Brizola foi vítima de um timing
histórico adverso. Fabricado para ser presidente, com a têmpera dos grandes
líderes populistas latino-americanos, acabou não sendo presidente embora, por
muito tempo, se acreditasse –e nós o
acreditásemos-- predestinado.
Mas, a presidência da república não é o culminar de uma carreira
política, mas, precisamente, destino. E
o dele, afinal não foi.
Ironias da história: quem diria, à partida que Sarney,
Collor, Itamar, Fernando Henrique, Lula
ou Dilma seriam presidentes mas não o Brizola?
Durante alguns anos
estivemos muito próximos. Conheci-o, em Portugal, no final dos anos 70 e fomos
amigos. Brizola na época tentava reorganizar o PTB como um partido
social-democrata ligado à Internacional Socialista e se aproximou muito de um
grupo de jovens ex-guerrilheiros,
exilados em Lisboa, do qual eu
fazia parte.
De volta ao Brasil, nos primórdios do PDT, nos afastamos. O
Brizola de Lisboa era acessível e parecia disposto a se reciclar como líder
social-democrata moderno. De volta ao Brasil reatou àquela relação líder – massas, foi cercado de
incondicionais e assumiu um estilo muito difícil de combinar com o nosso da geração
68.
Mas fui um dos raros ex-colaboradores com os quais ele nunca
brigou e mantivemos sempre uma relação cordial e carinhosa, a meia distância.
Como muitas figuras
históricas, Brizola era uma coleção de
paradoxos. Pouco dado a leituras --as más
línguas garantiam que só havia lido a biografia de Julio de Castilhos-- tinha uma cultura histórica oral
impressionante e tinha um conhecimento invejável da nossa história.
Apesar de falar apenas o espanhol conseguiu comunicar-se às mil
maravilhas e seduzir instantanea e permanente homens como Willy Brandt,
François Mitterand, Olaf Palme e, o
amigo de sempre, Mario Soares. Não gostava do legislativo, tinha preferência
por cargos executivos, mas, uma vez lá, sofria de forte inapetência em relação a gestão do dia
a dia.
No primeiro governo com a
presença de auxiliares como César Maia, Jaime Lerner, Darcy Ribeiro conseguiu
sair-se tão bem quanto o governo de um estado artificial como o Rio de Janeiro,
permitiria. No segundo, essa inapetência
tornou-se um fardo, bem como seu proverbial apetite para brigas de
cachorro grande: TV Globo, todos os presidentes, praticamente todas as
principais lideranças políticas do país.
Na política praticamente só cultivava três tipos de relação: os subordinados, necessariamente
fieis, os adversários e os aliados táticos. As duas últimas categorias alternava-se rapidamente. Brizola
não era homem de alianças duradouras. Não havia aliado que não pudesse, num
piscar de olhos, cair na alça de mira de suas diatribes demolidoras.
Poucos adversários, no entanto, não poderiam eventualmente
passar por uma (momentânea) reabilitação. Pouco sensível a sutilezas e
detalhes, Brizola tinha, no entanto, uma visão precisa do big picture.
Seus diagnósticos eram ferozmente precisos embora suas soluções muitas vezes
impossíveis ou portadores de problemas maiores.
Tinha, no entanto, a
capacidade que apenas uns poucos tem de antecipar o curso da história.
Nunca vou me esquecer
uma viagem que fizemos, a Sesimbra, na
costa portuguesa. Brizola buscava um hotel para ficar com a família e levei-o
no meu Peujot verde para procura-lo.
Passamos o dia juntos, demos um mergulho na praia. Falávamos da guerra
fria e, repentinamente, Brizola disse duas coisas, com total convicção, que, naquele
momento, me pareceram –e lhe disse, de forma educada-- completamente absurdas e delirantes.
Corria o ano de 1978 quando ele prognosticou, com inabalável certeza,
o desmoronamento da URSS e a reunificação da Alemanha, que só ocorreram
mais de uma década mais tarde. Naquela época, pos-Vietnam, estávamos no auge do
poderio militar soviético, com os movimentos de libertação avançando, na África,
e a revolução sandinista em, marcha,
a estagflação, nos Estados Unidos
e a hegemonia econômica do Japão tida
como certa.
Não passava pela cabeça
de nenhum analista internacional a possibilidade de uma reunificação da
Alemanha ou do colapso da URSS. Antes de
qualquer outro líder político Brizola diagnosticou a sinuca de bico que seria
para o Brasil a globalização e a hegemonia dita neo-liberal. Referia-se às
“nossas perdas internacionais”. Identificou a problemática, mas não tinha a
solucionática. Ninguém tem, ainda.
Corretamente Brizola
definiu a educação como “x” do nosso problema social, construiu muitos
CIEPS, mas, a educação estadual, secundária, no Rio de
Janeiro, hoje, continua sem render os frutos então esperados. A base do sistema
está alí criada por esses dois grandes adversários históricos: Carlos Lacerda,
nos anos 60 e Brizola, nos 80.
O papel mais digno que a
história poder-lhe-ia reservar teria sido a Presidência da República em regime
parlamentarista --logo ele, tão fortemente
presidencialista. Certamente, incarnaria o papel de chefe de Estado e
pai da Pátria, no cenário internacional,
com uma maestria inigualável.
Mas iria certamente infernizar a vida dos seus pobres
primeiro-ministros...
A fase final de sua
carreira política não foi muito feliz pois,
a força de romper com seus
seguidores, a medida em que iam criando vôo próprio, para o bem ou para o mal,
terminou um tanto solitário.
Mas jamais abatido, jamais derrotado, sempre firme como um
penhasco, o velho Briza.
No primeiro encontro entre Leonel Brizola e François Mitterand, e, 1979. Estou ao fundo, cabeludo... |
Brizola, ao chegar em Lisboa, em 1978 |
No Encontro de Lisboa, de barba o Carlos Minc |
Brizola e Arraes, encontro de titãs |
O novo abraço, em 1990. |
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