08/03/2013

O nascimento de uma múmia


 A decisão dos sucessores de Hugo Chávez de  não sepulta-lo mas mantê-lo embalsamado em eterno decúbito dorsal, exposto a visitação,  tal qual Lenin, Stalin, por uns tempos, e Mao Tse Tung é  uma concessão a uma liturgia comunista ortodoxa --a de uma religião não-religião-- mas também uma tentativa de perenizar o chavismo para além de qualquer hipótese de alternância ou temporalidade democrática. É proclamar eterno seu regime.

 Mumificar para resistir à inevitável decomposição que segue a morte vem dos faraós e de seu vão desejo de projetar seu imenso poder para além da vida: pirâmides, múmias, escravos, escravas e animais domésticos sacrificados para dar conforto ao soberano no reino do além. As contemporâneas múmias comunistas seguem a mesma inspiração primordial. 

 Das múmias  atualmente acessíveis conheço pessoalmente apenas uma: a do camarada Mao. Fui vê-lo na praça Tienamen, em Pequim,  no seu mausoléu do lado oposto ao da Cidade Proibida.  

 Claramente deixou de ser objeto de adoração:  não vi dentre as centenas de pessoas  enfileiradas o menor sinal de veneração ou estima. Vi simplesmente uma curiosidade semelhante a minha, mórbida,  por parte daquelas pessoas vindas do interior da China mas também urbanoides, de classe média, como uma chinezinha meio punk  de argola no nariz, jeans rasgado no bolso de trás e botinhas, na fila a minha frente.  

 A sala da câmara ardente é meio escura e bastante mal conservada. Fede a carpete podre. Mao está deitado --tive a impressão de que era ele mesmo, não um boneco de cera, como afirmam ser o caso da de Lenin--  uma bandeira vermelha da China cobre parte do seu corpo.  Sua expressão é de um plácido tédio. É proibido tirar fotos.

 Múmias mais recentes inspiram emoções mais intensas. Certamente a de Chávez o fará por uns tempos, antes de virar simplesmente objeto de voyeurismo turístico-político.

 Mais abrasivo foi o destino da de Evita Perón  vítima de repetidos atos de necrofilia por parte de um oficial do exército argentino dos que derrubou o governo do seu marido, em 1954,  e sequestrou o seu corpo embalsamado, exposto na sede da CGT, em Buenos Aires, levando-0 para um local secreto onde deu vazão aos seus bizarros impulsos. O episódio tem uma prodigiosa  descrição --macabra-- no livro de Tomaz Eloy Martinez, Santa Evita.

 Seja como for a decisão de não enterrar Chávez, com carinho,  em sua aldeia natal,  como aparentemente desejava parte de sua família,  mas transforma-lo em uma múmia neo-boliviariana não anuncia nada de bom para o processo venezuelano. Demostra  no plano simbolico uma vontade de manipulação permanente do povo e de perenização de  uma práxis política e de um poder numa dimensão “maior que a vida”.

A condição humana não o aconselha...

Minhas fotos do mausoléu de Mao: 


Saindo do mausoléu de Mao
Entrada do mausoléu: o futuro é certo e glorioso!
Apropriação turística das chinesas modernas



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