24/08/2012

Carnaval, bicho e “Sambobras”


 A polêmica do dia da campanha para prefeito é o Carnaval. O Marcelo Freixo na sua entrevista do RJ-TV defendeu o financiamento público das escolas de samba com uma “contrapartida cultural” e, pelo que foi entendido, uma seleção pela qualidade do enredo. A quem caberia julgar essa qualidade? Uma comissão, vinculada a um órgão público da prefeitura, provavelmente a secretaria de cultura. Essa comissão analisaria se o enredo da escola é “culturalmente correto”  e liberaria ou não seu financiamento.

 Aspásia Camargo e Otávio Leite já manifestaram sua hostilidade à ideia relacionando-a ao “dirigismo” estatista da velha esquerda. Uma burocracia passaria a ter poder sobre os enredos das escolas de samba para verificar se eles podem ser considerados “contrapartida cultural” ou se são apenas lixo capitalista como o da Ilha de Caras. Alguns mais paranóicos já podem imaginar comissários do culturalmente correto avaliando se determinado enredo serve aos movimentos sociais, se promove valores progressistas ou está comprometido com a luta dos trabalhadores. Visto a tradição da esquerda petista, do qual o PSOL é uma formação pré-delubiana,  a hegemonia do partido teria que estar assegurada numa comissão desse tipo.

 Naturalmente essa linha de crítica tem a ver com a dinâmica competitiva de campanha, possivelmente haverá aí algum exagero. De qualquer maneira cabe a discussão. A primeira pergunta a se fazer é se, de fato,  mudanças no Carnaval constituem uma prioridade. Há crise no Carnaval  que precise ser enfrentada com urgência como na saúde, no saneamento ou na mobilidade urbana? Penso que não. O Carnaval carioca, pese a problemas que possa eventualmente ter, vai bem obrigado! Não é um evento que necessite que o poder público intervenha. Claro, há um investimento no carnaval feito via Liesa, onde, já sabemos, os bicheiros exercem um papel importante. De alguns anos para cá começaram a perder o monopólio do financiamento das escolas com empresas e até governos estaduais investindo nelas em troca de enredos que lhes sejam aprazíveis. Curiosamente esse arranjo representou um retrocesso temático porque os bicheiros nunca impuseram, ao contrário dos novos patrocinadores, conteúdos às escolas. Assim, até concordo que alguns são um lixo capitalista, que, no entanto,  não vejo porque tenha que ser substituído por lixo socialista fruto de um controle em nome do política e culturalmente correto.  Gilberto Gil, ministro, me disse uma vez: “arte ruim também é cultura”. Enredo cafona, idiota, glorificador do dono do patrocínio, também é Carnaval e simplesmente não vale a pena intervir, não é inteligente a prefeitura se meter nessa esfera.  Sua interferência geraria mais problemas que soluções.

  Penso que até poderia haver uma linha de estímulo público para manifestações carnavalescas menos aquinhoadas, em bairros, e com uma seleção de projetos vinculada a um tipo de julgamento que não tenha a ver necessariamente com o “enredo”. Mas submeter as grandes escolas de samba a um financiamento público que passe pela avaliação do seu enredo, por uma comissão, me faz lembrar o desabafo inesquecível de um membro de uma delas, na época a da EMBRAFILME: “O que é um camelo? Um camelo é um cavalo desenhado por uma comissão”. Não me parece que devamos mexer no Carnaval, muito menos numa linha “Sambobras”.

  Por outro lado sou favorável à legalização do jogo do bicho  e dos jogos em geral(os bicheiros, naturalmente, são contra). Penso que não faz sentido promover inquisições no âmbito carnavalesco porque há escolas financiadas por bicheiros. A repressão aos bicheiros deve existir e ser severa quando eles cometem crimes para além da contravenção: devem ser perseguidos e presos por seus eventuais homicídios, formação de quadrilha, corrupção ativa, lavagem de dinheiro, evasão fiscal, etc... mas o jogo em si, deve ser legalizado. Criminalizar comportamentos é enxugar gelo e desviar escassas energias policiais expondo-as à corrupção institucionalizada.

 No mais, penso que qualquer “dirigismo” em relação ao Carnaval é fadado ao fracasso. O Carnaval é um processo espontâneo por natureza. Ele simplesmente acontece em toda sua riqueza e diversidade e sempre será uma maravilhosa cacofonia de coisas sublimes e torpes, lindas e grotescas, pitorescas e patéticas, sublimes e escatológicas. Jamais será politicamente correto.


Relance


Quero deixar aqui patente meu mais profundo repúdio à decisão o STF que libertou para aguardar sentença final –Deus sabe quando--  em liberdade, o mandante do assassinato da Irmã Dorothy. É uma decisão que só estimula os assassinatos de ambientalistas e lideranças sem-terra pelas gangues armadas e na maior parte das vezes impunes do latifúndio devastador. É mais uma decisão de nossa suprema corte que torna o Brasil um dos países do mundo mais lenientes com os assassinos que qualquer tipo. Condenados por matar poderem aguardar em liberdade indefinidamente a sentença transitada em julgado e a famigerada progressão de pena são formas do Brasil estimular seus assassinos. 

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