28/09/2010

O vermelho e o pardo

Holocausto nuclear?
O fenômeno, que os franceses rotularam de “rouge-brun” vermelho e pardo, a aproximação da extrema esquerda com a extrema direita, foi detectado há mais de uma década na Rússia mas, desde então, tem se instalado nos mais diversos países. Quais os grandes pontos de identificação entre a ultra-esquerda e o fascismo? Há dois principais: o anti-semitismo e o anti-americanismo.

Há dias, vi numa banca de jornal uma publicação de extrema esquerda cantando loas à heróica resistência do Taleban ao imperialismo norte-americano. Já encontrei esquerdóides comprando a tese de Ahmadinedjad que os atentados de 11 de setembro foram fabricados pela CIA. Também já ouvi que haviam sido justificáveis por causa do apoio americano a Israel. Custa a crer que alguém que se imagine “de esquerda” possa vibrar com os feitos de um movimento que proíbe as mulheres de estudar --corta narizes das que tentam fazê-lo-- sair à rua sem burka, pune o adultério com lapidação e proíbe qualquer forma de música, arte, dança e, naturalmente, qualquer livre expressão política, chegando ao requinte de obrigar todos os homens a usar barba.

O PSOL é um partido que tenta se demarcar da ultra-esquerda clássica, a começar pela simbologia: um sol no lugar da foice e martelo. Acolhe candidatos gays e assume algumas das bandeiras comportamentais que o PV começou a levantar nos anos 80. Tem quadros de qualidade com um passado íntegro e, aqui no Rio, um deputado estadual, Marcelo Freixo, que fez um trabalho marcante em relação aos grupos para-policias que a imprensa denomina “milícias” e que certamente merece ser reeleito.

Por isso causa espanto que seu candidato à presidência, ao ser perguntado a respeito da política de “carinho” de Lula para com Ahmadinedjad, tenha 1) deixado de formular qualquer repúdio explícito àquela ditadura teocrática 2) defendido que o Irã possa ter a bomba atômica, algo que nem eles próprios assumem estar construindo. A seguir ele rotulou os EUA como a pior das ditaduras.

Os EUA, evidentemente, não são uma ditadura, ao contrário do Irã. São uma democracia que sofre como todas outras de suas contradições --“o pior regime com exceção de todos os outros”, era como Churchill definia a democracia. Nesse momento, ela passa por uma perigosíssima ofensiva da extrema-direita do Tea Party republicano, contra o seu primeiro presidente negro, que trava uma luta difícil para tirar o país da terrível crise que a era Bush provocou no plano econômico e das duas guerras que deixou para Obama como legado.

Um jornalista me perguntou porque me incomodei tanto com o candidato do PSOL visto que Marina, ao contrário do primeiro debate na Band, tinha conseguido tirá-lo “de letra” e suas intenções de voto ficavam abaixo do 1%. Me incomodei porque suas idéias sobre o Irã e os EUA tem um efeito pernicioso, sobretudo sobre os jovens pouco politizados e informados. E, são justamente sentimentos que povoam a intersecção do vermelho com o pardo, e aproximam ultra-esquerdistas, chavistas, jihadistas islâmicos, skinheads e nacionalistas europeus.

Ahmadinedjad afirma inequivocamente que Israel deve ser “erradicado” do mapa ao mesmo tempo em que nega a existência do holocausto nazista. Quer me convencer que a matança de mais de 40 membros da família de meu pai, em Lodz, e mais de 60 da família de minha mãe, em Pinsk, na Polônia simplesmente nunca aconteceu... O presidente iraniano vincula-se a uma corrente apocalíptica do xiitismo iraniano, liderada pelo aiatolá Yazdi, que propaga um cenário para a volta do décimo segundo imã (o imã oculto), similar ao de certas correntes fundamentalistas cristãs em relação à volta do messias: o Armaggedon como parteiro desse advento.


Por isso a bomba iraniana representa uma ameaça existencial para os israelenses em geral, independentemente de serem partidários ou opositores do atual governo de direita e extrema-direita de Bibi Netanyahu. É também uma ameaça aos palestinos, pois dada a exigüidade territorial na qual ambos povos vivem misturados eles também sofreriam os efeitos de um ataque nuclear. Os partidários de Yazdi dizem claramente que o Irã sairia vitorioso porque sua extensão territorial permitira a parte de sua população sobreviver, enquanto Israel dada sua densidade populacional num pequeno território, seria de fato “erradicado”. Sabendo a disposição para o “martírio”, por parte dos jihadistas islâmicos, quer sunitas, quer xiitas essa é uma ameaça que não há como não levar a sério.

Já se disse há muito tempo que o anti-americanismo e o anti-semitismo são o socialismo dos tolos. Classicamente, o anti-semitismo se originou na extrema direita mas vicejou também no stalinismo e agora tem um forte caldo de cultura num certo tipo de esquerda que extrapola a justa solidariedade com o povo palestino e a oposição às políticas expansionistas dos vários governos de Israel para o ódio os judeus em Israel e no mundo de uma forma geral. Os mais hábeis substituem “judeus” por “sionistas”, outros nem isso.


Fico totalmente a vontade para falar do assunto porque sou um judeu não-sionista (diferente de ser anti). Me oponho a qualquer tipo de estado confessional e defendo em qualquer país do planeta o estado laico. Sou favorável a um Israel-Palestina ou Palestina-Israel, laico e binacional, embora pense que isso seja inviável, nesse momento, e que só poderia acontecer passando por uma etapa histórica de dois estados convivendo pacificamente e se integrando econômica, cultural e humanamente passo a passo. Em geral, os membros do PSOL que conheço (há judeus entre eles) tem uma visão parecida. Entre os petistas muitos se constrangem e ficam indignados com o posicionamento de Lula em relação a Ahmadinedjad mas sua voz anda meio abafada nesses tempos de lulismo eufórico e acrítico...

Estou seguro que no caso de Plínio não há anti-semitismo, ainda que haja anti-americanismo primário. Mas, ao defender o direito de Ahmadinedjad ter a bomba atômica, enquando este propugna a “erradicação” de Israel, Plínio inquieta a todo e qualquer judeu, desde o de direita até o mais à esquerda. Temos no nosso DNA a memória do holocausto que Ahmadionedjad tem a escrotidão de negar. Temos a determinação de --independentemente da nossa posição em relação a Israel e seus governos-- impedir, por todos os meios necessários, que ele volte a se repetir.

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