17/05/2017

A crise nas UPPs


  
A voz corrente é que as UPP estão em crise com sério risco de fracassar definitivamente pela falta de um “complemento social” a sua ação nas favelas. Não teriam conseguido atuar como polícia de proximidade e ganhar a confiança da população naquelas comunidades à míngua de infraestrutura e serviços públicos. O Rio bem pensante adora esse tipo de explicação mas, infelizmente, o buraco é bem mais embaixo.  Na verdade, nas últimas três décadas, houve um considerável investimento público, sobretudo da prefeitura. Parte considerável da população nas favelas teve um aumento de padrão de vida. Isso iniciou-se mesmo antes das políticas sociais dos vinte anos anteriores à crise atual e decorreu, em parte, da forte expansão de uma diversificada economia informal local. Realmente, falta ainda uma imensidão, sobretudo em termos de saneamento e coleta de lixo. Só que isso infelizmente não irá resolver o problema.  Não vamos nos iludir.

 As UPP nunca pretenderam acabar com tráfico de drogas nas favelas muito menos ser solução para a segurança nas ruas. Reduziram, durante um bom período, o controle territorial ostensivo, o exibicionismo bélico e a guerra entre facções permitindo um relativo ciclo virtuoso de queda dos crimes violentos.  Não houve, paralelamente, um investimento quantitativo e qualitativo nas polícias e no seu modo de operar. Não se mexeu em dois fatores básicos.  As escalas de serviço com a maior parte do tempo de trabalho dos policiais dedicado a outras atividades fora das corporações, o mal chamado “bico” --esse na verdade acaba sendo a própria atividade policial--   que paga melhor que o mísero salário. Isso limita fortemente o efetivo disponível, sua qualidade e adestramento. Mexer nas escalas de serviço, impor uma dedicação exclusiva e integral e adestramento permanente ao trabalho policial é algo muito difícil por que o Estado não consegue pagar e há interesses muito arraigados da segurança privada policial que, sabemos, nutre-se da deficiência da pública. Outro fator, esse no asfalto:  o reduzidíssimo policiamento a pé, ocupando território, interagindo, vigiando, prevenindo.


  A grande quadratura do circulo envolve a política de drogas. Nos momentos de sucesso das UPP o tráfico não desaparecia.  Tornava-se menos ostensivo, retrocedia sua ditadura militar sobre a comunidade, suas guerras entre baronatos. Com isso tornava-se menos violento. O comércio de drogas –todos sabemos mas muitos não querem admitir--  só acabará no dia de São Nunca, quando desaparecer o mercado. As UPP passaram a conviver com um tráfico não tão militarizado. Logo, em muitas delas, se estabeleceram os clássicos mecanismos do “arreglo”. Uma repressão sistemática à venda de drogas mostrou-se pouco compatível com a “pacificação” porque prisões de envolvidos locais que não estivessem ameaçando a comunidade provocam forte reação e atritos. O tráfico não são apenas os jovens armados, é toda uma teia econômica que envolve pessoas de todas as idades e cuja repressão contraria interesses econômicos locais e gera protestos contra a “violência policial” fartamente cobertos pela mídia. Com a crise e o colapso do Estado num mar de corrupção e absoluta desmoralização da autoridade a crise das UPP não pode senão se agravar. Mais ação social e infraestrutura nas favela --ainda que fosse factível, num momento de zero investimento público--   não resolveria o problema da deficiente qualidade e quantidade de polícia nem das consequências recorrentes de uma política de drogas estúpida e alimentadora da violência e do poderio crescente do banditismo armado.

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