14/09/2016

Ratificando Paris e depois...




O Brasil ratificou o Acordo de Paris em tempo record.  Vejam algumas fotos da cerimonia do Palácio do Planalto. Eis a íntegra do  meu discurso  na ocasião.

O artigo a seguir foi publicado pelo jornal Valor Econômico, antecipando a assinatura da ratificação e analisando o que isso representa para o Brasil: 



Ratificando Paris e depois...


 Coincidindo com o foco nos Jogos Olímpicos passou despercebida a noticia da aprovação, graças a um consenso e em tempo recorde, na Câmara e no Senado, da autorização legislativa que permite ao Brasil tornar-se a primeira grande economia a ratificar o Acordo de Paris. Poderíamos acrescenta-lo ao nosso precioso lote de medalhas de ouro fora essa uma modalidade olímpica.   Frente à ameaça crescente das mudanças climáticas o Brasil já estava “bem na fita” em reduções de emissões de gases-estufa, em termos absolutos, ao regredir o desmatamento da Amazônia de 27 mil km2, em 2004, para uns 5 mil, nos últimos anos. Somos também o único grande país em desenvolvimento a apresentar metas de redução de gases-estufa para 2025 e 2030 “no agregado”. A China e a Índia prometeram reduzir sua “intensidade de carbono” por ponto percentual do PIB, o que ainda significa um incremento de emissões em termos absolutos. O Brasil também liderou uma nova iniciativa para o financiamento da transição para economias de baixo carbono. Conseguiu fazer aprovar na COP 21 o reconhecimento do valor econômico intrínseco da redução/remoção de carbono no parágrafo 108 da Decisão de Paris (já em vigor). Existe, no entanto, um outro lado da moeda: há indícios recentes de um rebrote do desmatamento, longe daqueles índices antigos, mas preocupante. A própria estabilização na remoção de floresta Amazônica em 5 mil km2 ainda representa uma enormidade. O Cerrado sofre um grande desmatamento que diferentemente da Amazônia se dá dentro da legalidade vigente.  Ali a reserva legal de floresta nas propriedades é de apenas 20% demandando urgentemente mecanismos econômicos que tornem mais melhor negócio preservar que desmatar: pagamento por serviços ambientais e “precificação positiva” da redução/remoção de carbono da atmosfera, com base precisamente no mencionado parágrafo 108.

 Como financiar a descarbonização das economias?  Essa é a grande questão que se coloca para o planeta nesse momento. São cerca de 3 trilhões de dólares/ano dos quais os governos fortemente endividados e com grandes déficits não dispõem. Os chamados “mercados de carbono” são limitados pela sua própria natureza. Quando muito ajudam alguns países a cumprir metas ainda insuficientes.  A eliminação de subsídios a combustíveis fósseis e a precificação do carbono para efeito de taxação --compensada pela redução de outros tributos--  são potencialmente bem mais poderosos. Diversos países e empresas já vêm dando passos nesta direção mas o processo será lento, país a país, empresa a empresa. Já a “precificação positiva” baseada no reconhecimento de um valor econômico intrínseco às “ações de mitigação” (redução/remoção de gases-estufa) abre perspectivas potencialmente revolucionárias para enfrentar a crise climática ao mesmo tempo que pode ajudar  a alavancar a recuperação da macroeconomia mundial vítima de aguda anemia de investimento produtivo.
  Não estamos apenas diante de uma meta a ser cumprida mas de uma oportunidade econômica para o Brasil. Os cientistas do IPCC já concluíram que para manter a temperatura média do planeta abaixo de 2 graus será preciso retirar massivamente carbono da atmosfera e, nesse caso, o Brasil oferece enormes oportunidades: tem 60 milhões de hectares de terras degradadas passíveis de reflorestamento, de recuperação de pastagens e outras técnicas de agricultura de baixo carbono capazes de fazê-lo. Há 28 milhões de hectares para além do   comprometido nas nossas metas voluntárias (INDC) para 2030.  O Brasil também possui condições favoráveis para promover o chamado bio-CCS (estocagem e sequestro de carbono). Pode explorar as possibilidades energéticas do etanol de segunda geração, do bagaço e outros biocombustíveis tanto para produção de energia elétrica e como para o sistema de transportes. Ou seja, temos condições de oferecer uma redução/remoção de carbono adicional numa escala inédita e internacionalmente financiada se soubermos nos articular de forma competente.

A energia tornou-se, nos últimos anos, uma fonte de emissões equivalente ao desmatamento. Nossa matriz elétrica ainda é a mais limpa dentre as grandes economias, mas nosso sistema de transportes é “sujo”,  fortemente emissor. Precisará ser reconvertido para veículos elétricos e híbridos. É inaceitável, por exemplo, que ainda não tenhamos desenvolvido híbridos a etanol quando passamos anos subsidiando a gasolina a apostando todas as fichas no Pre Sal.  Junto com um esforço redobrado para mais redução do desmatamento e em projetos de reflorestamento e da agricultura de baixo carbono, caberá eletrificar nosso sistema de transportes. Chama atenção uma experiência de alcance estratégico que ocorre em Campinas com a implantação de uma fábrica de ônibus elétricos que já começam a circular. Isso, evidentemente, irá aumentar nossa demanda energética e uma grande discussão a ser feita na sociedade brasileira é de como manter limpa nossa matriz elétrica, no futuro. Há boas perspectivas para o crescimento das energias eólica, solar e biomassa e para um significativo avanço na eficiência energética. Cabe uma discussão séria e realista se isso será suficiente para tornar desnecessária uma ampliação maior das outras fontes: hidroelétricas, gás e nuclear. O carvão, altamente poluidor e emissor de CO2, não deve ser ampliado, apesar da demanda artificial provocada por sua importação oportunista.


 A transição para uma economia de baixo carbono será fortemente dinamizadora da nossa economia e geradora de empregos. Poderá ser a nossa porta de saída da crise. Ela coloca diante de nós grandes oportunidades sempre que o Brasil consiga superar seus infames gargalos na educação, pesquisa científica e tecnológica, remoção de barreiras de investimento, “custos Brasil”, governança e possa contar com novos e criativos mecanismos de financiamento.





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