O artigo a seguir foi publicado pelo jornal Valor Econômico, antecipando a assinatura da ratificação e analisando o que isso representa para o Brasil:
Ratificando Paris e depois...
Coincidindo com o foco nos Jogos Olímpicos
passou despercebida a noticia da aprovação, graças a um consenso e em tempo
recorde, na Câmara e no Senado, da autorização legislativa que permite ao Brasil
tornar-se a primeira grande economia a ratificar o Acordo de Paris. Poderíamos
acrescenta-lo ao nosso precioso lote de medalhas de ouro fora essa uma modalidade
olímpica. Frente à ameaça crescente das mudanças
climáticas o Brasil já estava “bem na fita” em reduções de emissões de
gases-estufa, em termos absolutos, ao regredir o desmatamento da Amazônia de 27
mil km2, em 2004, para uns 5 mil, nos últimos anos. Somos também o único grande
país em desenvolvimento a apresentar metas de redução de gases-estufa para 2025
e 2030 “no agregado”. A China e a Índia prometeram reduzir sua “intensidade de
carbono” por ponto percentual do PIB, o que ainda significa um incremento de
emissões em termos absolutos. O Brasil também liderou uma nova iniciativa para
o financiamento da transição para economias de baixo carbono. Conseguiu fazer aprovar
na COP 21 o reconhecimento do valor econômico intrínseco da redução/remoção de
carbono no parágrafo 108 da Decisão de Paris (já em vigor). Existe,
no entanto, um outro lado da moeda: há indícios recentes de um rebrote do
desmatamento, longe daqueles índices antigos, mas preocupante. A própria estabilização
na remoção de floresta Amazônica em 5 mil km2 ainda representa uma enormidade. O
Cerrado sofre um grande desmatamento que diferentemente da Amazônia se dá
dentro da legalidade vigente. Ali a reserva
legal de floresta nas propriedades é de apenas 20% demandando urgentemente
mecanismos econômicos que tornem mais melhor negócio preservar que desmatar:
pagamento por serviços ambientais e “precificação positiva” da redução/remoção
de carbono da atmosfera, com base precisamente no mencionado parágrafo 108.
Como financiar a descarbonização das economias? Essa é a grande questão que se coloca para o
planeta nesse momento. São cerca de 3 trilhões de dólares/ano dos quais os
governos fortemente endividados e com grandes déficits não dispõem. Os chamados
“mercados de carbono” são limitados pela sua própria natureza. Quando muito
ajudam alguns países a cumprir metas ainda insuficientes. A eliminação de subsídios a combustíveis
fósseis e a precificação do carbono para efeito de taxação --compensada pela
redução de outros tributos-- são potencialmente
bem mais poderosos. Diversos países e empresas já vêm dando passos nesta
direção mas o processo será lento, país a país, empresa a empresa. Já a
“precificação positiva” baseada no reconhecimento de um valor econômico intrínseco
às “ações de mitigação” (redução/remoção de gases-estufa) abre perspectivas potencialmente
revolucionárias para enfrentar a crise climática ao mesmo tempo que pode ajudar a alavancar a recuperação da macroeconomia
mundial vítima de aguda anemia de investimento produtivo.
Não
estamos apenas diante de uma meta a ser cumprida mas de uma oportunidade
econômica para o Brasil. Os cientistas do IPCC já concluíram que para manter a
temperatura média do planeta abaixo de 2 graus será preciso retirar
massivamente carbono da atmosfera e, nesse caso, o Brasil oferece enormes
oportunidades: tem 60 milhões de hectares de terras degradadas passíveis de
reflorestamento, de recuperação de pastagens e outras técnicas de agricultura
de baixo carbono capazes de fazê-lo. Há 28 milhões de hectares para além do já comprometido nas nossas metas voluntárias
(INDC) para 2030. O Brasil também possui
condições favoráveis para promover o chamado bio-CCS (estocagem e sequestro de
carbono). Pode explorar as possibilidades energéticas do etanol de segunda
geração, do bagaço e outros biocombustíveis tanto para produção de energia
elétrica e como para o sistema de transportes. Ou seja, temos condições de
oferecer uma redução/remoção de carbono adicional numa escala inédita e
internacionalmente financiada se soubermos nos articular de forma competente.
A energia
tornou-se, nos últimos anos, uma fonte de emissões equivalente ao desmatamento.
Nossa matriz elétrica ainda é a mais limpa dentre as grandes economias, mas
nosso sistema de transportes é “sujo”, fortemente emissor. Precisará ser reconvertido
para veículos elétricos e híbridos. É inaceitável, por exemplo, que ainda não
tenhamos desenvolvido híbridos a etanol quando passamos anos subsidiando a
gasolina a apostando todas as fichas no Pre Sal. Junto com um esforço redobrado para mais redução
do desmatamento e em projetos de reflorestamento e da agricultura de baixo
carbono, caberá eletrificar nosso sistema de transportes. Chama atenção uma
experiência de alcance estratégico que ocorre em Campinas com a implantação de
uma fábrica de ônibus elétricos que já começam a circular. Isso, evidentemente,
irá aumentar nossa demanda energética e uma grande discussão a ser feita na
sociedade brasileira é de como manter limpa nossa matriz elétrica, no futuro.
Há boas perspectivas para o crescimento das energias eólica, solar e biomassa e
para um significativo avanço na eficiência energética. Cabe uma discussão séria
e realista se isso será suficiente para tornar desnecessária uma ampliação
maior das outras fontes: hidroelétricas, gás e nuclear. O carvão, altamente
poluidor e emissor de CO2, não deve ser ampliado, apesar da demanda artificial
provocada por sua importação oportunista.
A transição para uma economia
de baixo carbono será fortemente dinamizadora da nossa economia e geradora de
empregos. Poderá ser a nossa porta de saída da crise. Ela coloca diante de nós
grandes oportunidades sempre que o Brasil consiga superar seus infames gargalos
na educação, pesquisa científica e tecnológica, remoção de barreiras de
investimento, “custos Brasil”, governança e possa contar com novos e criativos
mecanismos de financiamento.
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