Tendo sido o responsável pela implantação das
primeiras ciclovias no Rio, nos anos 90, fiz numerosas consultorias e palestras,
no Brasil e no exterior, sobre a implantação de malhas cicloviárias e acompanho
de perto o que se faz nas principais cidades do mundo. Estou feliz com a
recente retomada acelerada do programa cicloviário carioca que durante um tempo
andou estagnado. Comemoro a ciclofaixa da rua das Laranjeiras da qual me beneficio pessoalmente
já que sou morador do bairro. É um projeto nada trivial, com diversas dificuldades
e penso que ainda deverá passar por várias etapas futuras de aperfeiçoamento.
Acredito ser meu dever, com a bagagem de experiência que tenho, fazer uma
análise critica do que foi feito, até agora, para contribuir com seu
aperfeiçoamento e sugerir soluções para problemas que aparecem.
A
primeira observação que me ocorre é de que trata-se de uma obra com evidente
compressão de custos, aparentemente custeada por medida compensatória e/ou
patrocínio privado. Isso sem dúvida implicou num sacrifício da qualidade. Mas
esse não é o único problema a ser superado. Tenho aqui minha lista de 10. Vamos
lá:
1 - Salta
aos olhos a má qualidade da pavimentação em boa parte do trajeto com muitos
buracos(foto 1) e pavimentação irregular. As obras viárias que a prefeitura realiza
para os automóveis e o recapeamento asfáltico que vem fazendo, inclusive na
própria rua das Laranjeiras, não se estendeu ao espaço cicloviário, como
verificamos nas fotos abaixo. Talvez ainda o façam? Qualidade é um ingrediente
fundamental da malha cicloviária que, insisto sempre, não é destinada aos
ciclistas desportivos, fortes e safos, mas a todo tipo de pessoa, inclusive idosos e
pessoas de limitada forma física. O piso
deve ser regular com concreto ou asfalto de boa qualidade.
2 - O
padrão internacional é a ciclovia ou ciclofaixa avermelhada, toda ela, não
apenas as bordas. Isso não é uma mania idiossincrática mas uma medida de
segurança que sinaliza claramente para o automobilista e para o pedestre que
aquele é o espaço da bicicleta.(foto 2)
3 – O
lançamento de ciclofaixas sobre a calçada deve ser evitado ao máximo e
quando feito além da cor é bom que tenha
um desnível, além de uma boa sinalização tanto vertical (placas) quanto
horizontal (piso). Isso não é só na calçada mas sobretudo na pista de
rolamento.(foto 2)
4 – É
preciso colocar semáforos especiais para bicicleta como os que existem na
Av Princesa Isabel.
5 – A
malha não pode ter descontinuidades que deixem o ciclista desorientado como
acontece na Praça Ben Gurion (em frente ao Banco Itaú) onde a ciclofaixa cessa
abruptamente induzindo (por uma rampa) o ciclista a subir na Praça de pedras
portuguesas onde o conflito com os pedestres e quiosques é inevitável. Naquele trecho seria perfeitamente possível
continuar a ciclofaixa no asfalto com
sonorizadores pois ali a rua é suficientemente larga.(foto 3)
6 - O mesmo problema acontece no Largo do
Machado. Chega-se lá e depois? É preciso complementar a ligação com a faixa
compartilhada do Parque do Flamengo e daí com a ciclovia Mané Garrincha. Penso
que a solução ali seria poder dobrar à esquerda depois de atravessar em frente
à igreja colocar um trecho de ciclofaixa por trás das vans que ali ficam
estacionadas, fazer duas rampas que permitam
pegar um trecho mínimo, sobre o Largo do Machado, no canto oposto, subindo antes do ponto de
fluxo dos carros que vem da rua Bento Lisboa e descendo logo ali na rua de estacionamentento nos fundos do
MacDonalds. Dali pegando um trecho
pequeno da rua do Catete e dobrando na
rua Dois de Dezembro como uma ciclorota
até o Aterro do Flamengo. Isso assegura a continuidade de do sistema cicloviário.
7 – A
calçada em frente as escolas (do lado oposto ao hospital de Laranjeiras) é, em
tese, suficientemente larga para receber uma ciclofaixa mas ela tem que ter um
desnível e melhor sinalização para reduzir o conflito com os pedestres e há
um ponto crítico, junto à banca de jornal, que precisaria ser visto em detalhe.(foto 4)
8 – Nos trechos depois da General Glicério onde a solução é a ciclorota com sinalização
no asfalto, penso que caberia uma ciclofaixa unidirecional. Aliás se essa
solução fosse adotada penso que seria possível fazer ciclofaixas contínuas no
asfalto em toda a extensão entre a DISTAC e o inicio do Cosme Velho. Sei que o
problema que essa solução enfrentaria é com
a turma indisciplinada que iria querer andar do lado errado na contra mão. Isso,
no Rio, é meio inevitável, razão pela
qual entendo a solução adotada. Mas lá
onde já temos essas ciclorotas unidirecionais era melhor proteger mais o
ciclista e colocar ciclofaixas mais estreitas, também unidirecionais. Insisto: a sinalização no asfalto já o é.
9 - ATENÇÃO! O problema mais grave é a
travessia no começo da Pinheiro Machado, debaixo do viaduto do túnel Catumbi
Laranjeiras. Ali há risco de vida e mais dia menos dia alguém vai morrer
atropelado ali. (Foto 5) Os carros que vêm pela
rua das Laranjeiras, sentido Cosme Velho, e que dobram para entrar na rua Pinheiro
Machado atravessam sobre a ciclofaixa frequentemente a boa velocidade. Muitos
não acionam o pisca pisca e o ciclista, tanto de um lado quando do outro da
travessia, não sabe se o carro vai
seguir reto pela rua das Laranjeiras ou dobrar ali em cima dele. Ali o acidente,
mais dia menos dia, é inevitável. Há um semáforo para os pedestres uns vinte
metros dali mas fica depois da travessia da
ciclofaixa(foto 6). A solução ali é meio enjoada (remanejar o sinal ou a
travessia da ciclofaixa), pode impactar o trânsito mas é uma questão de
segurança que não pode ser ignorada pela gravidade do risco.
10 – Na
travessia da ciclofaixa na esquina a da rua Soares Cabral com Laranjeiras o poste
do semáforo precisa ser remanejado pois praticamente bloqueia a travessia dos
ciclistas (foto 7) e na ilha de travessia, adjacente, há uma confusão enorme, os pedestres são meio
induzidos a usar a passagem da ciclofaixa no lugar da sua própria(foto 8) por falta de
sinalização e pelo posicionamento da mesma. Do outro lado, no calçadão da DISTAC, é mais fácil resolver o conflito mas ali
também a ciclofaixa merecia estar num ligeiro desnível que é um elemento
moderado de inibição do pedestre a andar na ciclofaixa.
Foto 1: Buracos! Cabe um um recapeamento, urgente. |
Foto 2: Amsterdam: ciclovia sobre uma calçada larga. Avermelhado e com desnível. |
Foto 3. Aqui o ciclista é induzido a subir na Praça Ben Gurion, repare que haveria espaço na pista, bem larga nesse ponto |
Foto 8: aqui o pedestres são meio induzidos a fazer a travessia na ciclofaixa A dos pedestres está ali à esquerda, mas curiosamente preferem a ciclofaixa. Deve-se inverter a posição de ambas. |
Bastante sensatas suas análises e recomendações. Tudo o que foi escrito pode ser inclusive aplicado à ciclofaixa/ciclorota do bairro de Botafogo, que pelo visto não serviu de aprendizado, o que talvez denote algum problema mais grave da secretaria que implementa esses projetos.
ResponderExcluirMuito triste a situação da zona sul do Rio de Janeiro que sofre cheia de ciclovias para tudo que é lado. Muito mais triste os bairros da zona da Leopoldina, que não possuem nem um metro sequer!
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