02/11/2015

Dez observações sobre a (bem vinda!) ciclofaixa da rua das Laranjeiras


Tendo sido o responsável pela implantação das primeiras ciclovias no Rio, nos anos 90, fiz numerosas consultorias e palestras, no Brasil e no exterior, sobre a implantação de malhas cicloviárias e acompanho de perto o que se faz nas principais cidades do mundo. Estou feliz com a recente retomada acelerada do programa cicloviário carioca que durante um tempo andou estagnado. Comemoro a ciclofaixa da rua das  Laranjeiras da qual me beneficio pessoalmente já que sou morador do bairro. É um projeto nada trivial, com diversas dificuldades e penso que ainda deverá passar por várias etapas futuras de aperfeiçoamento. Acredito ser meu dever, com a bagagem de experiência que tenho, fazer uma análise critica do que foi feito, até agora, para contribuir com seu aperfeiçoamento e sugerir soluções para problemas que aparecem.

 A primeira observação que me ocorre é de que trata-se de uma obra com evidente compressão de custos, aparentemente custeada por medida compensatória e/ou patrocínio privado. Isso sem dúvida implicou num sacrifício da qualidade. Mas esse não é o único problema a ser superado. Tenho aqui minha lista de 10. Vamos lá:

1 -  Salta aos olhos a má qualidade da pavimentação em boa parte do trajeto com muitos buracos(foto 1) e pavimentação irregular. As obras viárias que a prefeitura realiza para os automóveis e o recapeamento asfáltico que vem fazendo, inclusive na própria rua das Laranjeiras, não se estendeu ao espaço cicloviário, como verificamos nas fotos abaixo. Talvez ainda o façam? Qualidade é um ingrediente fundamental da malha cicloviária que, insisto sempre, não é destinada aos ciclistas desportivos, fortes e safos,  mas a todo tipo de pessoa, inclusive idosos e pessoas de limitada forma física. O piso deve ser regular com concreto ou asfalto de boa qualidade.

2 - O padrão internacional é a ciclovia ou ciclofaixa avermelhada, toda ela, não apenas as bordas. Isso não é uma mania idiossincrática mas uma medida de segurança que sinaliza claramente para o automobilista e para o pedestre que aquele é o espaço da bicicleta.(foto 2)

3 – O lançamento de ciclofaixas sobre a calçada deve ser evitado ao máximo e quando feito além da cor é bom que tenha um desnível, além de uma boa sinalização tanto vertical (placas) quanto horizontal (piso). Isso não é só na calçada mas sobretudo na pista de rolamento.(foto 2)

4 – É preciso colocar semáforos especiais para bicicleta como os que existem na Av Princesa Isabel.

5 – A malha não pode ter descontinuidades que deixem o ciclista desorientado como acontece na Praça Ben Gurion (em frente ao Banco Itaú) onde a ciclofaixa cessa abruptamente induzindo (por uma rampa) o ciclista a subir na Praça de pedras portuguesas onde o conflito com os pedestres e quiosques é inevitável. Naquele trecho seria perfeitamente possível continuar a ciclofaixa no asfalto com sonorizadores pois ali a rua é suficientemente larga.(foto 3)

6 -  O mesmo problema acontece no Largo do Machado. Chega-se lá e depois? É preciso complementar a ligação com a faixa compartilhada do Parque do Flamengo e daí com a ciclovia Mané Garrincha. Penso que a solução ali seria poder dobrar à esquerda depois de atravessar em frente à igreja colocar um trecho de ciclofaixa por trás das vans que ali ficam estacionadas, fazer duas rampas que permitam  pegar um trecho mínimo, sobre o Largo do Machado,  no canto oposto, subindo antes do ponto de fluxo dos carros que vem da rua Bento Lisboa e descendo logo ali na  rua de estacionamentento nos fundos do MacDonalds.  Dali pegando um trecho pequeno da  rua do Catete e dobrando na rua  Dois de Dezembro como uma ciclorota até o Aterro do Flamengo. Isso assegura a continuidade de do sistema cicloviário.

7 – A calçada em frente as escolas (do lado oposto ao hospital de Laranjeiras) é, em tese, suficientemente larga para receber uma ciclofaixa mas ela tem que ter um desnível e melhor sinalização para reduzir o conflito com os pedestres e há um ponto crítico, junto à banca de jornal, que precisaria ser visto em detalhe.(foto 4)

8 – Nos trechos depois da General Glicério  onde a solução é a ciclorota com sinalização no asfalto, penso que caberia uma ciclofaixa unidirecional. Aliás se essa solução fosse adotada penso que seria possível fazer ciclofaixas contínuas no asfalto em toda a extensão entre a DISTAC e o inicio do Cosme Velho. Sei que o problema que essa solução  enfrentaria é com a turma indisciplinada que iria querer andar do lado errado na contra mão. Isso, no Rio,  é meio inevitável, razão pela qual  entendo a solução adotada. Mas lá onde já temos essas ciclorotas unidirecionais era melhor proteger mais o ciclista e colocar ciclofaixas mais estreitas, também unidirecionais. Insisto:  a sinalização no asfalto já o é.

9  - ATENÇÃO! O problema mais grave é a travessia no começo da Pinheiro Machado, debaixo do viaduto do túnel Catumbi Laranjeiras. Ali há risco de vida e mais dia menos dia alguém vai morrer atropelado ali. (Foto 5) Os carros que vêm pela rua das Laranjeiras, sentido Cosme Velho,  e que dobram para entrar na rua Pinheiro Machado atravessam sobre a ciclofaixa frequentemente a boa velocidade. Muitos não acionam o pisca pisca e o ciclista, tanto de um lado quando do outro da travessia,  não sabe se o carro vai seguir reto pela rua das Laranjeiras ou dobrar ali em cima dele. Ali o acidente, mais dia menos dia,  é inevitável.  Há um semáforo para os pedestres uns vinte metros dali mas fica depois da travessia da  ciclofaixa(foto 6). A solução ali é meio enjoada (remanejar o sinal ou a travessia da ciclofaixa), pode impactar o trânsito mas é uma questão de segurança que não pode ser ignorada pela gravidade do risco.


10 – Na travessia da ciclofaixa na esquina a da rua Soares Cabral com Laranjeiras o poste do semáforo precisa ser remanejado pois praticamente bloqueia a travessia dos ciclistas (foto 7) e na ilha de travessia, adjacente,  há uma confusão enorme, os pedestres são meio induzidos a usar a passagem da ciclofaixa no lugar da sua própria(foto 8) por falta de sinalização e pelo posicionamento da mesma. Do outro lado, no calçadão da DISTAC,  é mais fácil resolver o conflito mas ali também a ciclofaixa merecia estar num ligeiro desnível que é um elemento moderado de inibição do pedestre a andar na ciclofaixa.

Foto 1: Buracos! Cabe um  um recapeamento, urgente. 
Foto 2: Amsterdam: ciclovia sobre uma calçada larga. Avermelhado e com desnível.
Foto 3. Aqui o ciclista é induzido a subir na Praça Ben Gurion,
repare que haveria espaço na pista, bem larga nesse ponto
Foto 4: não é uma situação fácil de resolver mas a ciclofaixa aí deveria ser um pouco mais estreita, encostada na grade, e com um desnível. Seria conveniente mover a banca de jornal para mais perto da árvore. Agora,  só a terceira providência é factível.


Foto 5: travessia perigosa! Esse carro por exemplo não ligou o pisca pisca e o ciclista que atravessava teve que freiar bruscamente.  Repare que na Foto 6, abaixo:  há poucos metros dali há um sinal de pedestres e uma ciclofaixa que também não está protegida em relação à virada dos carros que vem do outro lado da Pinheiro Machado. Precisa ver isso!

Foto 7: há um poste na rampa...
Foto 8: aqui o pedestres são meio induzidos a fazer a travessia na ciclofaixa A dos pedestres
está ali à esquerda, mas curiosamente preferem a ciclofaixa.  Deve-se inverter a posição de ambas.

2 comentários:

  1. Bastante sensatas suas análises e recomendações. Tudo o que foi escrito pode ser inclusive aplicado à ciclofaixa/ciclorota do bairro de Botafogo, que pelo visto não serviu de aprendizado, o que talvez denote algum problema mais grave da secretaria que implementa esses projetos.

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  2. Muito triste a situação da zona sul do Rio de Janeiro que sofre cheia de ciclovias para tudo que é lado. Muito mais triste os bairros da zona da Leopoldina, que não possuem nem um metro sequer!

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