14/12/2014

Voltará a galope

Conforme eu previa no blog anterior, a COP 20 ia acabar varando madrugada até domingo já completamente fora do prazo. Ontem a noite, ao pegar o avião de volta para o Rio, a discussão sobre como se discutirá em Paris ainda prosseguia e o pobre do ministro peruano Pulagar Vidal ia à loucura. Penso que no domingo dois dias depois do final oficial da COP vai sair um documento com pequenos avanços incrementais em relação ao processo preparatório para Paris 2015. Ano que vem haverá pelo menos quatro reuniões “técnicas” preparatórias. A primeira em fevereiro, em Genebra. Essa localização é um bom sinal porque um dos absurdos do processo negociador da UNFCCC é ele durar menos de um mês por ano. Duas semanas durante as COP, no final do ano,  e  mais uns oito dias em duas reuniões,  em  Bonn, em geral em abril e junho.

 A negociação climática deveria ser permanente como várias da ONU o são. Só que em Bonn não há infraestrutura de delegações permanentes dos países membros. Sediar a UNFCCC na antiga capital da Alemanha Ocidental foi uma decisão política de prestígio. Em 2013,  nossa comissão  parlamentar aprovou uma resolução encaminhada ao Itamaraty (sugerida pelo próprio ministério) a ser encaminhada à UNFCCC propondo estabelecimento de um processo negociador permanente, em Genebra,  onde todos países têm escritórios permanentes. Naturalmente os alemães não gostam da ideia mas o fato de uma reunião ter sido marcada para Genebra, no início de 2015, mostra que começa-se a pensar nisso.

 Claro, a desfuncionalidade da negociação climática da ONU não é culpa apenas desse fato que no contexto mais geral acaba sendo até secundário. Eu citaria vários outros problemas ainda mais graves: falta de sentido de urgência, uma mentalidade negociadora de rodada comercial, politicagem e jogo ‘para plateia’, ilusão de que a ONU tem o condão de fazer valer medidas de comando/controle, etc… 

 Numa COP se fazem presentes milhares de pessoas entre cientistas, ativistas, líderes políticos, lideres de movimentos sociais, lideranças governamentais, no plano nacional, regional e local, personalidades mas a negociação propriamente dita é feita por um núcleo duro de diplomatas e técnicos que já fazem isso há mais de duas décadas e se sentem “donos” do processo. 

 A maioria dos chefes de estado pouco entende  do assunto e fica na mão desses caras. São quem domina o linguajar, os “tracks” (as pistas de negociação) e que podem ficar dias discutindo bizantinamente uma virgula ou um colchete. Embora haja nesse meio quadros brilhantes sua postura, em geral,  é conservadora, bacharelesca, vaidosa. 

RESISTENCIA À INOVAÇÃO

 A nossa proposta de reconhecimento da redução de carbono como valor econômico despertou grande interesse e pode se dizer que a partir de Lima estará na agenda das discussões climáticas, mas acabou ficando de fora, no limbo textual pois decidiram descartas “coisas novas” que “não estão na linha direta do que estamos discutindo agora”. Isso no que pese o esforço de nossa delegação, em particular do ministro-conselheiro Everton Lucero que colocou-a duas vezes na pauta. Chegou a entrar e sair sucessivamente. Acabou de fora quando decidiram “enxugar” os pontos a serem tratados em Lima. É curioso porque o Workstream 2 foi criado, em Durban, justamente para acolher ideias inovadoras “fora da caixa”.

  A discussão que levantamos voltará com mais intensidade no próximo ano. Como dizem os franceses: chassez le naturel, voilà qu’il revient à galop (enxote o que é natural e ele voltará a galope).

 A TRANSIÇÃO PARA ECONOMIAS DE BAIXO CARBONO


 A ação diplomático sob a Convenção do Clima, que dependerá sempre do consenso de 194 governos está mergulhada num clima de apreensão e de ceticismo. O processo da UNFCCC é um mínimo denominador comum. A COP 21, em Paris, no próximo ano,  certamente apresentará alguns avanços incrementais mas não conseguirá obrigar os governos a cortar emissões de gases estufa  na intensidade que a ciência demanda. Mesmo nos melhores cenários restará uma considerável distância entre o máximo que os governos são capazes de acordar entre si e o mínimo necessário para o garantir que a temperatura média do planeta nesse século não ultrapasse os 2 graus. Construído esse mínimo denominador comum, diplomático,  caberão ainda duas ações decisivas para uma última chance numa exígua “janela de oportunidade” de não mais que 15 anos. A primeira delas é uma concertação entre países grandes emissores para atuações conjuntas adicionais. A China e os EUA acabam de dar um primeiro passo nesse sentido, insuficiente mas promissor. A segunda ação é o desenho de um pano de fundo financeiro internacional amigável à transição. Uma espécie de “Bretton Woods do baixo carbono”.

 A evocação metafórica da conferência de 1944 que instituiu o sistema econômico internacional contemporâneo não vale ao pé da letra. A atualidade não comporta mais uma construção exclusivamente de governos sob a hegemonia dos EUA. Precisa envolver  organismos multilaterais, bancos centrais,  grandes empresas transnacionais e, sobretudo,   sistema financeiro internacional, além da sociedade civil global. O objetivo é estabelecer uma nova ordem financeira internacional em torno de uma convenção básica: o reconhecimento da redução de carbono como unidade de valor financeiro conversível: uma “precificação positiva” da redução de carbono. Não menos importante seria sua taxação, em si, sua “precificação negativa”,  mas politicamente a primeira parece nesse momento mais factível  que a segunda e não há tempo a perder.

  O Brasil deu um passo nesse sentido ao submeter à Conferência de Lima, uma proposta originária da nossa Comissão de Mista de Mudanças Climáticas que, entre outras disposições,  declara o “valor social  da redução de carbono”  e afirma que a mesma constitui “um valor financeiro conversível” a ser convencionado a partir da estimativa das perdas econômicas projetadas em consequência de emissões futuras num cenário que mantivesse a curva de projeção atual. Essas perdas conforme demostra o Relatório Stern, seriam imensas, superariam de longe todo investimento necessário para a transição.  Elas são perfeitamente quantificáveis.   

 A grande questão subjacente a todo debate climático atual  é: como financiar uma revolução energética que demandará globalmente um trilhão de dólares por ano? Os governos com déficits, endividamento e reservas limitadas não dispõem desses recursos. Financia-la  dependerá de taxar as emissões de carbono --substituindo outros tributos--   e/ou de “precificar positivamente” a redução dessas emissões. O sistema financeiro internacional gira mais de duzentos trilhões de dólares. Existe no mundo excesso de liquidez que pouco irriga a economia produtiva global. Essa situação é propícia às “bolhas” e crises como a de 2008. O desafio é atrair uma parte que seja desse capitais para investimentos produtivos de baixo carbono capazes de garantir um novo ciclo de crescimento inovador e gerador de empregos. Para tanto é  preciso reconhecer a redução de carbono como lastro com um papel que lembra um pouco o “padrão ouro” instituído em Bretton Woods e vigente até os anos 70. Os efeitos serão benéficos não apenas ao clima como à macroeconomia global na sua busca de um novo ciclo produtivo.


 Entender como a questão climática pode interagir com a economia mundial para gerar um novo ciclo para a transição produtiva para economias de baixo carbono é um tema que veio para ficar.

Cenas da COP 20 de Lima:

Protesto


Delegação brasileira

A ministra do meio ambiente Izabella Teixeira e o negociador chefe Embaixador José Antônio Marcondes

O presidente da COP o ministro peruano Pulgar Vidal




Na hora que eu estava saindo da COP, o quase pos-festum...


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