18/01/2011

Imprevidência, indignação e o que precisa ser feito


 Não adianta ficar procurando bodes expiatórios. É claro que temos culpados: os prefeitos que favelizaram Teresópolis e outras cidades da serra, por exemplo. Os que malversaram recursos,  desmataram e ocuparam encostas semi-erodidas e faixas marginais de proteção de rios. É legítimo dizer que a culpa é dos políticos, dos administradores públicos, das elites e dos técnicos obtusos, dos faveleiros, grileiros, dos incompetentes e dos omissos. Só um pequeno problema: isso não vai prevenir novas tragédias futuras. Nosso ciclo bipolar é imprevidência/indignação. Malhar o Judas desopila o fígado não resolve o problema. É mais fácil nos indignarmos do que trabalharmos com foco e persistência para ir pouco a pouco diminuindo a gravidade das consequência de um problema cujos vetores climáticos só tendem a se agravar.

 Primeiro vamos entender melhor o que aconteceu: não foram apenas atingidas áreas de risco “clássicas” que poderíamos relacionar de imediato com alguma transgressão ambiental: desmatamento, ocupação de margem de rio, etc... Aconteceu muito disso mas não apenas isso. A tragédia se estendeu a áreas em relação às quais não havia avaliação de alto risco: em Friburgo o centro da cidade foi destroçado. Bairros de classe média foram destruídos e grandes pedaços de floresta ruíram, num fenômeno chamado "corridas de lama"  que vi pela primeira vez, aqui no Rio, nas enchentes de 1996, e que desde então vem se repetindo e multiplicando. É evidente que estamos diante de uma coisa nova e assustadora. Um padrão extremo resultante  do aquecimento global com uma  intensificação brutal da intensidade e da freqüência dessas chuvas muito intensas e concentradas. Os cientistas do IPCC vem mencionando há pelo menos uma década essa probabilidade na região sudeste do Brasil.

  Diante disso não bastam as ações de correta gestão ambiental: reflorestar, remover edificações em áreas de risco de encostas e  margens de rios, recompor matas ciliares, criar bacias de acumulação. É preciso mais do que nunca fazer tudo isso mas não basta. É preciso agora ampliar bastante o escopo do que vem sendo considerado área de risco levando em conta os piores cenários que sistematicamente vêm se verificando. É preciso ter um mapeamento completo de risco das cidades, um planejamento urbanístico de sua adaptação aos novos padrões, sistemas de alerta e de evacuação aperfeiçoados. Cada área de risco precisa ter um abrigo no ponto  seguro mais próximo, conhecido e identificado. Deve ser uma construção que tenha ou outro uso em tempos normais, tipo uma escola,  um centro desportivo, com quadras, etc... que possa ser imediatamente ser reconvertido em abrigo, assim que soem as sirenes de alerta.

 Associado a isso precisamos de planos de contingência nos níveis macro e micro e uma sistemática prática de exercícios de evacuação para segui-los.  Treinar desde a evacuação, a tempo,  um bairro inteiro até o de uma família de uma edificação específica. Ela deverá estar consciente do risco, saber para onde ir, como chegar lá e dispor de um kit básico de sobrevivência. Esse último aspecto é um dos mais difíceis porque esse tipo de preparação e de treinamentos não faz parte da nossa cultura como faz, por exemplo, da dos japoneses diante dos terremotos ou dos norte-americanos diante dos furacões –e quem nem sempre funciona!

Se queremos de fato evitar que os futuros e inevitáveis episódios climáticos extremos   voltem a provocar tantas vítimas vamos trabalhar sério e quebrar o ciclo tipicamente brasileiro da imprevidência/indignação:  aconteceu a tragédia aí vamos todos desopilar o fígado procurando “os culpados” e malhar Judas. Um mês depois, muda a pauta jornalística,  ninguém mais fala do assunto. Tudo volta a rotina menos a dor de quem perdeu tudo. 


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