02/12/2010

Discurso sobre segurança no Rio

(na tribuna da Câmara de Vereadores, no dia 30/11)


 Sr. Presidente, Sras. e Srs. Vereadores, o que me trás a esta tribuna hoje, de forma compreensivel, é o momento que a nossa cidade vem vivendo nos últimos 15 dias em relação na segurança pública. Nós tivemos aí períodos de grande pessimismo e de grande desespero e, nesse momento, estamos experimentando um período de otimismo, quase de euforia, em relação aos acontecimentos do ultimo fim de semana que, basicamente, consistiram na ocupação do Complexo do Alemão por forças combinadas da Policia Militar, Civil, Federal, Exército Brasileiro, Fuzileiros etc. Penso que esse foi um fato auspicioso. Havia um grande temor de que, quando chegasse o momento de se ocupar o Complexo do Alemão, nós viveríamos aqui uma verdadeira batalha urbana com dezenas, senão centenas, de vitimas, e a coisa acabou se processando de uma forma relativamente incruenta, com uma forte e permanente cobertura de televisão. Foi um fato que calou fundo na alma carioca. Teve uma enorme repercussão por toda cidade e criou esse clima, que eu definiria como de relativa euforia em relação a esses acontecimentos. 

Penso, no entanto, que é nosso dever olhar como olhávamos naquele momento, para além do desespero, agora olharmos para além do momento de euforia, para ter uma visão muito lúcida das questões de segurança pública atinente ao nosso Estado e à nossa Cidade e discutirmos de forma desassombrada, de forma tranqüila, fria, sem nem um pessimismo exacerbado e nem o falso otimismo, as circunstâncias que são as nossas neste momento. 

Em primeiro lugar, caracterizar o problema. O tráfico de drogas, o consumo de drogas existe em qualquer cidade do mundo: grande, pequena, média. Em todas as sociedades houve consumo de drogas. E não há cidade no mundo onde não haja consumo de drogas e onde há consumo de drogas, existe, evidentemente, a venda ou o tráfico dessas drogas que, nos vários países as legislações condicionam que sejam ilegais. A ilegalidade de uma ou de outra droga tem um peso cultural muito grande. Você vai ao Marrocos, por exemplo, e é proibido o consumo de bebida alcoólica, mas é permitido o haxixe. E por aí vai. 

Então, qual é a grande diferença do Rio de Janeiro em relação à quase totalidade das grandes cidades do mundo, pelo menos com exceção de pouquíssimas cidades como o caso de Mogadiscio, antiga capital da Somália, que está em guerra civil? Qual é essa característica precípua da Cidade do Rio de janeiro? É que aqui na Cidade do Rio de Janeiro o chamado narcovarejo, que é o nível mais elementar do trafico de drogas, o último elo da cadeia do tráfico de drogas, assumiu uma característica de controle territorial armado, de áreas do território da cidade que são as favelas. O Rio de Janeiro tem mais de mil favelas e, dessas mil, mais de duzentas eram controladas pelas facções rivais do narcovarejo. Esse controle territorial se estabeleceu há mais de 20 anos e foi criando verdadeiros baronatos armados, uma verdadeira volta à Idade Média, uma verdadeira volta ao Feudalismo. Passaram a existir na nossa cidade territórios onde a autoridade do Estado desapareceu e o poder de fato passou a ser exercido por bandos armados, dotados de armamento privativo das Forças Armadas, exercendo o controle territorial e a ditadura militar sobre a população dessas comunidades.


 Então a peculiaridade do Rio de Janeiro, na questão do trafico de drogas, é exatamente essa: o tráfico existe em qualquer cidade do mundo, mas em praticamente nenhuma outra cidade normal, que não esteja numa situação de guerra civil, existe o chamado controle territorial. Então, saltava aos olhos, há muito tempo, que a prioridade absoluta em matéria de segurança pública do Rio de Janeiro é começar o suprimir o controle territorial desses bandos armados, o que não é tarefa fácil, porque são locais de difícil acesso, com uma população trabalhadora, ordeira, do bem, que ali mora e fica refém desses bandos armados. 

A polícia, durante muitos anos, não chegava a ter uma dificuldade absoluta para ir a esses territórios, mas não ficava; era capaz de montar grandes operações, muitas vezes matando dez, quinze desses membros armados das facções criminosas, mas não permanecia no local, e assim que a polícia, depois dessa varredura, se retirava, aquele mesmo bando ou outro ocupava aquele território. Isso começou a ser equacionado com as Unidades Pacificadoras, que, no entanto, até o momento, se constituíam num efeito demonstração; na verdade são doze, ou treze, na sua maioria comunidades pequenas na Zona Sul, Zona Norte, uma ou outra no Centro, e pequenas em porte, nada que se aproxime da dimensão de uma Rocinha, de um Complexo do Alemão. No entanto, esses bandidos começaram a perceber que o seu controle territorial estava começando a ser minado e passaram a realizar uma série de ações de natureza terrorista, visando assustar a população e exercer uma represália sobre essa política de Unidades de Polícia Pacificadora no Estado. Houve essa reação, nós tivemos uma operação bem montada com a conjuminância de forças estaduais e federais.

 Penso também que foi correto, no caso da invasão da Vila Cruzeiro, não ter havido o abatimento sumário daqueles marginais que escapavam morro acima, como todos nós vimos pela Rede Globo, por uma razão muito simples: essa guerra é essencialmente psicológica, uma guerra de vontades, é o confronto com uma dimensão onde o psicossocial é o mais importante. Então, naquele momento, mais importante do que matar bandidos era quebrar-lhes a moral, a imagem que eles têm diante daqueles que são passíveis de serem recrutados por eles, que são os jovens e adolescentes são moradores dessas comunidades pobres e marginalizadas. Então, a imagem pela televisão daquela quadrilha poderosamente armada jogando fora suas R15, granadas e todo esse exuberante material bélico e sair correndo morro acima foi de natureza a quebrar a sua moral perante aquele contingente de jovens passiveis de serem por eles recrutados. Então, pareceu-me acertada aquela decisão; eu ouvia as pessoas dizendo que tinham que passar com helicóptero metralhando, mas acho que ali teria havido uma carnificina, criando polêmica se aquela carnificina era necessária, e isto teria quebrado o ímpeto político dessa operação. 

Da mesma forma esse território do Complexo do Alemão acabou sendo tomado no domingo, depois de 24 horas de cerco; não sabemos ainda, mas eventualmente é possível que uma parte dos bandidos do Morro do Alemão tenha fugido. Mas acho que a ocupação daquele território é que foi o essencial, porque uma coisa é o bandido com um santuário, uma coisa é o bandido controlando o território; outra coisa é o bandido não controlando o território, clandestino, tendo que se esconder a cada momento. A sua letalidade, o seu poder de organizar a violência fica consideravelmente diminuído.  A  ideia de que devemos ocupar territórios e permanecer nos territórios é um conceito importante. Nesse sentido,  era mais importante ocupar esse território do que conseguir matar ou prender cada um daqueles bandidos que ali estavam. 

No entanto, a grande pergunta que não quer calar é o que vai acontecer daqui para a frente. Porque é evidente que a nossa Polícia Militar e a nossa Polícia Civil, nesse momento, não estão aparelhadas para, ao mesmo tempo, ocupar e pacificar a totalidade ou a grande maioria das favelas controladas pelo tráfico, e ao mesmo tempo manter um policiamento ostensivo e eficiente no resto da cidade. E aí é que mora o perigo, porque nós sabemos que, evidentemente, essa facção criminosa sofreu esse grande abalo de ter perdido o seu santuário territorial e de ter perdido uma boa parte do seu poderio econômico em depósitos de drogas, em depósitos de armas. O que vai acontecer, sobretudo com os chamados soldados dessa facção criminosa? 

Eu acho que é legítimo se supor que, em curto prazo, podemos ter um grande aumento de assaltos em via pública, no chamado asfalto. E que é necessário reforçar a segurança ostensiva, o patrulhamento ostensivo da Cidade do Rio de Janeiro para fazer frente a esse risco que, sem dúvida nenhuma, existe. E como fazer isso se nós temos, teoricamente, um contingente de 38 mil policiais militares, que, na verdade, trabalham num turno de 24 horas de trabalho por 48 horas de suposto descanso, mas que, na verdade, é um período dedicado ao exercício de uma segunda profissão, de uma segunda ocupação remunerada. Então, de saída, em qualquer dia normal, se contaria com apenas um terço desse efetivo. Depois, existem centenas e centenas de policiais militares que estão trabalhando em prefeituras, no Ministério Público, no Judiciário. Muitos outros que estão de licença; outros que estão de férias e outros que estão afeitos às tarefas burocráticas da corporação. 

Eu recebi, há uns meses, uma informação de dentro da Polícia Militar, de fonte que considero altamente confiável, que num horário dado, num dia normal, não existem mais do que dois mil e quinhentos policiais militares fazendo o patrulhamento da capital, o que é muito pouco. Por outro lado, o patrulhamento da Cidade do Rio de Janeiro é feito em viatura. E o patrulhamento em viatura é um patrulhamento deficiente. O policiamento ostensivo-preventivo que melhor funciona é aquele a pé. 

Eu estive, em 2005, em Bogotá, e vi uma cidade um pouco maior que o Rio de Janeiro, de 7 milhões de habitantes, com o seu território inteiramente tomado por policiamento ostensivo a pé. Grupos de três, com fuzil, metralhadora, contato visual um com outro, cobrindo totalmente o território daquela grande cidade,um policiamento altamente eficiente, que permitiu que se diminuísse drasticamente, em mais de 80%, a quantidade de crimes violentos e homicídios que eram cometidos naquela cidade. 

E eu sei que o Coronel Mário Sérgio, que é o nosso competente Comandante da Polícia Militar do Rio de Janeiro, concorda com essa análise: nós precisamos ter um policiamento a pé na Cidade do Rio de Janeiro. O essencial do policiamento precisa ser feito a pé, e a viatura serve como ligação, como apoio para conduzir o preso, para deslocar rapidamente um reforço num determinado local. A espinha dorsal do policiamento ostensivo precisa ser a pé. E o problema é que nós não temos efetivo para isso. Apenas realizar novos concursos públicos para policiais civis e militares, como tem colocado e realizado o atual Governador Sergio Cabral, na minha opinião é insuficiente. Nós temos que pegar o touro pelos chifres e definitivamente acabar com aquilo que eu acho que é a grande praga da polícia, que é a não dedicação exclusiva. Teoricamente os policiais civis e militares têm que ter dedicação exclusiva à segurança pública. Mas, nós sabemos que há muitos e muitos anos não é o caso. Praticamente a totalidade deles, em função dos péssimos salários que recebem, são obrigados a fazer aquilo que teoricamente é chamado de ‘bico’, mas, na verdade, é uma segunda profissão que muitas vezes paga melhor do que a profissão policial. 


 Vou dar um exemplo: um soldado da Polícia Militar na Cidade do Rio de Janeiro ganha R$ 850,00. Depois ele tem ali uns penduricalhos e tal, umas verbas a mais, inclusive federais e tudo, e acaba tirando R$ 1.200,00/R$ 1.300,00 por mês. Trabalhando como segurança em supermercado, ele recebe R$ 100,00 por dia. Se ele trabalhar quinze dias no mês como segurança de supermercado, já vai ganhar naqueles quinze dias mais do que ele ganha no mês inteiro como soldado da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. 

Então, na verdade, o que é o bico? O bico é o trabalho dele de segurança, o bico é o trabalho dele como policial. Evidentemente que o bico é o trabalho dele como policial. Nós temos que acabar com essa polícia de bico. Nós temos que, de fato, elevar substancialmente o nível de remuneração dos nossos policiais civis e militares para poder, em contrapartida, exigir-lhes a dedicação exclusiva à segurança pública. Assim, a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro vai contar todos os dias com todo o efetivo que tem, e não apenas com um terço do efetivo, quando muito. Agora, isso evidentemente implica em poder fazer essa elevação salarial e quebrar todo um paradigma cultural vigente na polícia há muitos e muitos anos, há muitas décadas. É preciso superar essa cultura da polícia “part-time”, da polícia de bico, porque a questão não é só uma questão quantitativa de aumento do efetivo; é também uma questão qualitativa, porque, de fato, uma polícia com dedicação exclusiva, os policiais todos os dias trabalhando na segurança pública, e nas áreas em que não estiverem trabalhando, se adestrando, fazendo cursos de aperfeiçoamento, fazendo treinamento, fazendo exercício físico sobre o enquadramento da instituição, é uma situação infinitamente menos favorável à existência de bandas podres, à existência de maus policiais dedicados ao crime e ao arreglo, do que a situação atual, onde a instituição, quando muito, tem controle direto sobre o policial dois ou três dias por semana. Então, isso é fundamental. 

Está sendo debatida, nesse momento, no Congresso Nacional, a chamada PEC 300, que é uma emenda constitucional que, de forma simplificada, coloca o patamar salarial dos policiais em todo o Brasil no mesmo nível de Brasília, onde o governo do Distrito Federal recebe subsídio do Governo Federal e paga um piso salarial para os policiais militares de R$ 4.000,00. Com R$ 4.000,00 de fato seria possível se exigir dedicação exclusiva de um policial. E penso que para quem arrisca sua vida, penso que quem tem a rotina de trabalho que um policial tem, não é excessivo. Evidentemente que até 200 reais é um salário excessivo para um policial bandido, mas quatro mil reais é um salário justo para um profissional correto e honesto da segurança pública. Eu soube que o Governo Federal se prepara para, numa articulação no Congresso Nacional ainda durante o mês de dezembro, derrubar a PEC 300. Parece-me um erro fazer isso. O governo Federal deveria abrir uma negociação em torno da questão da PEC 300 e tentar assimilar esse aumento substancial dos policiais civis e militares e bombeiros de todo País em troca de uma implementação prática e implacável da noção de uma dedicação exclusiva a segurança pública. A questão da PEC 300 não pode ser vista apenas como uma bandeira corporativa dos policiais que querem aumento de salário, porque, nesse caso, de fato teríamos que olhar prioritariamente para as consequências de natureza fiscal desse aumento. Mas nesse momento, essa discussão, esse ensejo da PEC 300 deveria ser usado pelo Governo Federal para atacar esse problema da polícia “part time”, polícia de bico, da polícia que não trabalha todos os dias, da polícia que tem sua profissão desvalorizada perante os olhos da sociedade. 

Senhoras e Senhores Vereadores, daqui a algum tempo, no mês de fevereiro terei a oportunidade de assumir meu mandato como Deputado Federal que foi eleito nas eleições do dia 3 de outubro, e espero que essa questão não tenha sido resolvida até então, mas temo que seja, porque existe uma certa lógica que indica que o Governo vai tentar derrubar a PEC 300 ainda neste penúltimo mês de governo Lula para não deixar o problema para sua sucessora. De qualquer maneira, desde agora quero dedicar-me a esse assunto e fazer um apelo aqui desta tribuna ao Governo Federal, no sentido de que não veja na PEC 300 apenas uma questão corporativa e uma questão de natureza fiscal. Veja esse momento como uma oportunidade para fazer uma profunda reforma da segurança pública em todo País e com consequências diretas para a situação de segurança pública que vivemos no Estado e na Cidade do Rio de Janeiro. 

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