29/11/2010

A hora da verdade

(artigo publicado hoje em O Globo)

 As represália das facções do tráfico pela ocupação pelas UPPs de algumas pequenas favelas que controlavam, nas zonas sul e norte e as operações policias no Complexo do Alemão sinalizam a "hora da verdade" das UPPs.   O Rio precisa enfrentar esse desafio de acabar de uma vez por todas com o controle territorial das facções poderosamente armadas do narcovarejo. É uma situação intolerável que desafia o estado democrático de direito, e a sociedade deve fazer sacrifícios para acabar com essa ditadura militar local do tráfico e dos grupos para-policais mafiosos erradamente chamados de “milícias”.

 Os últimos acontecimentos de certa forma anteciparam  uma ação mais gradual prevista. No passado esse conglomerado de favelas  e outros já foram  ocupados pela polícia. Ao armamento maior dos bandidos corresponde agora uma resposta operacional mais robusta com apoio das Forças Armadas. Mas derrotar militarmente o tráfico nunca foi o “x” do problema.  A questão é ocupar permanentemente. Não se pode empenhar um efetivo enorme nas favelas e deixar desguarnecido ou mal policiado o asfalto. Falta efetivo e falta qualidade ao policiamento ostensivo. A escala de serviço e o duplo emprego fazem com que se conte, num dia normal,  com uma pequena parte do efetivo oficial da PM. Já recebi informações de em determinados dias  menos de 2 500 homens asseguram  o policiamento das ruas do Rio,  de um efetivo de 38 mil.

 O policiamento básico da cidade precisa ser feito a pé. O patrulhamento em viatura não cria vínculo com a população e sua qualidade de observação é ruim. Vi em Bogotá uma cidade, de sete milhões de habitantes, sendo policiada a pé, em grupos de três, com contato visual e rádio entre si e cobrindo todo o território. Lá a Policia Nacional tem 16 mil homens mas em dedicação exclusiva. São bem pagos e trabalham unicamente para a  segurança pública.

Precisamos de um Fundo Nacional de Segurança para ajudar os estados a complementar o salário dos policiais para o nível disposto na PEC 300 para poder, em contrapartida,  impor de fato a dedicação exclusiva acabar com o regime de um dia de trabalho por dois ou três de "folga"  e assim aumentar de imediato o efetivo disponível e melhorar sua qualidade. É preocupante que o governo federal prepara-se para tentar derrota-la no Congresso. Deveria estar estudando como transformar o que não pode ser simplesmente uma bandeira meramente corporativa num componente de uma profunda reforma na segurança pública. Há formas criativas de assimilar esse aumento da PEC 300 sem as conseqüências fiscais adversas temidas desde que, de fato, se considere a segurança da população uma prioridade.

 Alem disso é preciso reduzir drasticamente a possibilidade  da "progressão de pena" e do regime semi-aberto para os condenados por crimes violentos. Não há outro país onde autores de crimes bárbaros conseguem sair da prisão tão rápido para poder reassumir suas quadrilhas, aterrorizar  e matar de novo. É inacreditável que os assassinos do jornalista Tim Lopes já estejam todos livres com exceção do chefe, Elias Maluco, que, no entanto, em breve poderá se beneficiar mais uma vez dessa mesma regalia que exercia quando daquele crime.  Só no Brasil...

(e entrevista para Verdepress RJ)

Verdepress RJ – Há muito tempo você fala que o principal problema no Rio é o controle territorial. Pode se dizer que de fato houve uma virada histórica?

 Sirkis – Nessa guerra os aspectos psicológicos são fundamentais. Penso que ter ocupado sem maiores morticínios do Complexo do Alemão depois da Vila Cruzeiro foi um golpe severo na “moral” e na atratividade de recrutamento do Comando Vermelho. Aquela cena na TV Globo dos bandidos fugindo foi importante. Fui correto não tê-los massacrado naquele momento pois não temos o interesse em “escalar” a violência, pelo contrário temos interesse em “desescala-la”. Claro, é problemático esse bandidos num sistema penitenciário que é um queijo suíço, com assassino saindo da cadeia em três, quatro anos por “progressão de pena” a regime semi aberto. Mas penso que foi justo privilegiar o fator político e psiclógico por sobre o militar. É mais importante desmoralizar os traficantes perante os jovens das favelas, seus potenciais seguidores, do que mata-los. O fundamental é desmotivar novos soldados do tráfico  isso se faz desmoralizando a figura do traficante armado e controlando o território de recrutamento.

E agora, qual seria a prioridade?

 A prioridade é criar uma nova polícia, ou seja uma PM e uma polícia civil com um efetivo capaz de dar conta simultaneamente da pacificação de favelas e de um policiamento ostensivo de qualidade no resto da cidade. Não há nem de perto efetivo para isso!  Não é a toa que pediram para o exército virar a UPP provisória do Complexo do Alemão. É risco, se nos recordarmos do  que aconteceu no Morro da Providência. Mas concordo que não tem outro jeito. Melhor do que botar tropa de um batalhão da PM que tenha a prática do arreglo. 

 Não adianta apenas fazer concurso público para novos PMs e novos detetives. É preciso aproveitar melhor o atual quadro acabando com as escalas de serviço de 24h x 48h ou 72h e o duplo emprego mal chamado de “bico” (bico acaba sendo a profissão policial…). É preciso também criar um maior controle da instituição policial sobre a rotina de seus quadros o que a escala de serviço atual não permite. É preciso limpa-la da "banda podre". A dedicação exclusiva ajudaria bastante. 

Mas é viável a dedicação exclusiva?

 Com o atual nível salarial não. O salário atual é para o policial trabalhar dois ou três dias por semana.  Para uma polícia full time teríamos que colocar os salários grosso modo no nível previsto pela PEC 300, que nivela os salários pela PM de Brasília. Isso só será possível com um forte subsídio federal que teremos que ver de onde vamos tirar. 


 Por outro lado há uma cultura forte em torno do “bico” nas policias embora os policiais que conheço me garantam que com salário digno topariam ser só policia e nada mais. Poderia haver uma fase de transição com a coexistência dos dois regimes. 


Há também a questão de deputar as “bandas podres” que vivem do arreglo com a bandidagem e reprimir as mal chamadas “milícias”.

Um longo caminho então?

Longo, mas parece que começamos a caminhar e como se diz “governar é trocar problemas maiores por problemas menores.” Com os golpes duríssimos sofridos pelo Comando Vermelho, que é a facção mais agressiva com uma ação proto-política e terrorista é o começo do fim do controle territorial armado dos bandidos embora, a curto prazo, a insegurança nas ruas possa se agravar. Deve aumentar o número de assaltos no asfalto a curtíssimo prazo.  Daí a urgência de aumentar o efetivo por  concurso, aproveitar melhor o existente e instituir o policiamento ostensivo a pé tornando o de viatura complementar. 


 Não convém passar do desespero a euforia. Precisamos ficar sóbrios e bem focados.

Um comentário:

  1. Falou certo Sirkis.
    Mas os governantes precisam também separar os policiais corruptos dos não corruptos. Durante esta mega operação da invasão da Vila Cruzeiro alguns policiais invadiram a casa de um trabalhador desempregado e levaram o seu fundo de garantia 31 mil reais. No video o cidadão mostra a recisão de contrato com a empresa que era empregado e todos os seus impostos declarados.
    Com a desculpa de procurar traficantes na região, os policiais quebraram a casa inteira deste morador da Vila Cruzeiro e levaram todo o seu dinheiro.
    Isso precisa ser apurado e os policiais corruptos severamente punidos.
    veja o vídeo:
    http://www.correiobraziliense.com.br/outros/capa_videos/#video_103942

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