05/08/2010

A lapidação de adúlteras e o nosso “pragmatismo responsável”

A suprema corte teocrática da Irã confirmou a execução por lapidação (apedrejamento) da iraniana Sakineh Ashtiani. Seus algozes pretendem agora que ela seja responsável pelo assassinato do marido, o que é questionado, e não corresponde à pena à qual foi condenada. A lapidação, dentro da aplicação rígida da sharia, tal qual concebida a quase mil anos, pune o crime de adultério e não o de homicídio.

Ashatiani será enterrada até o pescoço e apedrejada. O procedimento de execução penal especifica que as pedras não podem ser grandes a ponto de poder provocar uma morte rápida. A morte tem que ser lenta e dolorosa. O advogado de Ashtiani Mohammad Mostafaei teve que fugir do Irã para a Turquia por perseguição do regime teocrático. Vários de seus familiares foram presos.

É com esse regime sinistro que Lula, Marco Aurélio Garcia e o Itamaraty cultivam sonsas relações de compadrio. Lula multiplicou, mesmo agora durante o caso Ashtiani, declarações de apreço, “carinho” e “amizade” pelo seu principal líder executivo, o presidente Ahmadinedjad, que na hierarquia da república islâmica é o número dois, depois do supremo guia espiritual, o aiatolá Khamenei. Não há distância maior possível entre os valores e tradições de esquerda que o PT sempre defendeu e essa promiscuidade revoltante com personagens cuja expressão política mais próxima no ocidente seria a extrema-direita fascista.

Como um petista autêntico definiria um regime que cerceia não apenas as liberdades políticas e civis como as religiosas e a comportamentais mais comezinhas, que utiliza a tortura e a pena de morte, que fomenta o terrorismo --tem responsabilidade na morte de dezenas de pessoas em dois atentados em Buenos Aires, nos anos 90-- e busca construir armas nucelares? A única tradição de “esquerda” que comporta tal tipo de promiscuidade, por considerações táticas, é a stalinista. Em 1939, Stalin assinou um pacto de não-agressão com Hitler que lhe permitiu ocupar parte da Polônia. Depois, deu no que deu...

Esse tipo de política externa, no entanto, está na tradição da direita geiselista. Vigiu durante um bom período da ditadura militar na perspectiva do “Brasil Grande”, do “Brasil Potência”, do “Brasil-ame-o-ou-deixe-o”, cantado em verso e prosa. Essa política cultivava relações íntimas com Pinochet, Videla, Somoza e outros colegas ditadores, expressa na sinistra Operação Condor, mas era “pragmática” a ponto do Brasil ter sido o primeiro país a reconhecer o governo do MPLA em Angola, apoiado pelas tropas cubanas.


Seus formuladores no Itamaraty denominaram essa doutrina de “pragmatismo responsável”. Com ela, gestou-se uma geração de ideólogos de uma direita estatizante, nacionalista e anti-norte-americana. Curiosamente, em relação aos EUA, eles cultivam até hoje a tese de que é preferível ter na Casa Branca os republicanos. O que explica, em parte, a mal disfarçada hostilidade com que Lula trata Obama em contraste com a relação afável que mantinha com George W Bush.


O ministro de assuntos estratégicos Samuel Pinheiro Guimarães, oriundo dessa escola do Itamaraty, é um formulador desse pensamento, que sonha a futura “projeção” do Brasil no mundo sob as lentes daquele pensamento dos anos 70. Em política externa, voltamos aos “anos de chumbo” e ao geiselismo. Em política externa inventamos um transgênico Lulo-geiselismo.


A gente acha que já viu tudo na vida e logo descobre que ainda não viu nada.

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