A outra possibilidade era a de um raro crime ideológico partindo de alguma flamante organização fascista e racista formada no bojo do atual emergência da extrema direita sobretudo nas redes sociais. Tipo Aurora Dourada, na Grécia. Um crime dessa origem, no entanto, teria sido reivindicado o que não foi o caso.
A hipótese que para mim passa a ser a mais
provável é a do crime instrumental: uma provocação, com objetivos políticos
bem definidos –desgastar a intervenção federal na segurança fluminense-- cuja escolha de alvo obviamente revela como pano de fundo componentes racistas, ideológicos e de ressentimento
social. O alvo escolhido foi uma negra, bonita,
bissexual, pobre, favelada e que transcendeu sua condição social e tornou-se pessoa importante passando a utilizar dessa condição para ousar
criticar policiais.
Qualquer pessoa que já tenha conversado com um certo tipo de PM conhece esse sentimento de ódio da favela e de seus moradores, indiscriminadamente. Para esse
tipo de policial ela era “defensora de bandidos”, como tuita uma desembargadora que
aparece na coluna do Anselmo Goes acusando-a de ligações com o Comando
Vermelho.
Ligações? Qualquer liderança política ou gestor público que atue numa
favela controlada territorialmente pelo tráfico acaba tendo algum contato com aqueles jovens armados. Depois, quando aparecem mortos no valão, pode protestar e
defender aquilo que parte da sociedade chama de “os direitos humanos dos
bandidos” em contraposição com os das pessoas de bem, como se direitos elementares devidos a qualquer ser humano pudessem ser
subdivididos por merecimento. Não entendem que coibir a tortura e a execução sumária, garantir o devido processo legal protege em primeiro lugar os inocentes.
É bem verdade que há um tipo de discurso de
esquerda que tende a colocar a bandidagem como “vítima da sociedade”. O Hélio
Oiticica criou aquela imagem, na minha opinião muito perniciosa, do “seja marginal, seja
herói” e flertou com a noção do "bandido social", algo que não existe. Para mim, o narcovarejo é uma ditadura militar, local, que se impõe a uma comunidade. É uma força essencialmente opressora. Do mal.
No dia a dia das
relações sociais, numa favela, tudo isso é muito complicado sobretudo quando muitos inocentes
caem vítimas do gatilho fácil num contexto de promiscuidade do tráfico com os policiais do “arreglo”. A morte é parte da equação comercial. O traficante é
morto porque não pagou, o policial é morto porque está querendo favorecer a
facção rival. Inocentes são confundidos e mortos. Balas perdidas matam outros inocentes. Nesse contexto, lideranças como Marielle se posicionam
sistematicamente contra essas mortes, muitas delas execuções. Posso discordar
de algumas de suas avaliações políticas
mas ela tinha esse direito que constitui um contrapeso fundamental numa
democracia.
Voltando a sua execução, com um lote de balas 9
mm desviado da Polícia Federal e usado em crimes de extermínio com envolvimento policial, noutras cidades. Há uma forte probabilidade dela ter sido cometida por policiais
ou "milicianos" a eles associados que alimentavam esse sentimento de ódio contra aquela “favelada” que virou líder política, parlamentar, em suma, “doutora”.
Mas o motivo principal não deve ter
sido simplesmente esse ódio mas um cálculo instrumental. Aparenta ser uma provocação contra a
intervenção federal. Pode ter relação com o desbaratamento, dias antes, de
uma dessas mal chamadas “milícias” e com o receio de que a intervenção,
com base na inteligência militar e da Polícia Federal, vá promover devassas na chamada “banda podre” das policias e na turma do arreglo que hoje reinam soberanas. Cada barão no seu baronato.
Nesse caso, os assassinos parecem demostrar um sentido tático
e uma esperteza política arrepiantes. Ao
escolherem seu alvo sabem que repercussão na grande mídia dessa morte, magnificaria o posicionamento de oposição à
intervenção. A partir daí, desmoraliza-la fica mais fácil. O tratamento emotivo,
apelativo da grande mídia ajuda. Pavlovianamente, a coisa vira um “fora Temer”, como se Marielle tivesse sido vítima da própria intervenção federal. Ouve-se até de petistas que "os assassinos foram os
mesmos que promoveram o impeachment da Dilma”.
Ao tomar esse caminho a companheirada corre o
risco de estilhaçar a grande unidade que se criou no momento seguinte ao crime.
A maioria dos cariocas embora desconfiada, alerta, não é contrária, nesse
momento, à intervenção –ruim com ela, pior, sem-- e torce para que dê certo de algum modo. Já
os “anti-sistema”, reconfortados no seu radicalismo pelo martírio, enveredam por
um discurso que pulveriza, tribaliza, desune e, sobretudo, tende a minar
qualquer autoridade.
A completa desmoralização e esvaziamento da autoridade está no
fulcro do nosso drama. A cleptocracia cabralina e o alienismo funcional do atual
prefeito deixaram o Rio acéfalo. O governo federal é mal visto no
contexto da Lava Jato e do Fora Temer. A intervenção comandada por oficiais sem rabo preso como o arreglo e os interesses corporativos que minam nossas
polícias, até agora, teve um comportamento sensato. Merece o beneficio da dúvida e o respeito pela
sua autoridade. Em matéria de segurança é o que temos, no momento.
Maquivelicamente, os assassinos contrapõem a esse relativo apoio da população a minoria ativista, emotiva, eletrocutada pelo crime. A grande mídia cai na armadilha e multiplica essa emoção. Isso por sua vez provoca a reação conservadora de quem acredita que muitas outras vítimas da violência --inclusive policiais-- estão sendo "esquecidos". Passa a reinar ainda mais a divisão, a tribalização e a entropia numa sociedade sem rumo ou esperança. Caldo de cultura para as piores saídas políticas, só olhar em volta pelo mundo afora.
Maquivelicamente, os assassinos contrapõem a esse relativo apoio da população a minoria ativista, emotiva, eletrocutada pelo crime. A grande mídia cai na armadilha e multiplica essa emoção. Isso por sua vez provoca a reação conservadora de quem acredita que muitas outras vítimas da violência --inclusive policiais-- estão sendo "esquecidos". Passa a reinar ainda mais a divisão, a tribalização e a entropia numa sociedade sem rumo ou esperança. Caldo de cultura para as piores saídas políticas, só olhar em volta pelo mundo afora.
O interesse das “milícias”, do arreglo, das
facções do tráfico, da corrução policial é uma só, convergente e coerente: reduzir qualquer autoridade ao “valor Pezão”, ou seja a zero. Assim fica
garantida sua autoridade total onde lhes interessa: os territórios nos quais exercem sua
ditadura armada, localizada: a favela, o conjunto habitacional, o bairro, em toda uma
área da cidade, reservas de mercado a serem exploradas e/ou “tributadas” de alguma forma.
Isso tem nome: "a sídrome dos estados falidos". É a “somalização” do Rio de Janeiro. Esse foi com grande probabilidade o objetivo estratégico dos assassinos de Marielle Franco. O móvel do crime, o motivo da provocação. Vamos cair nessa?
Isso tem nome: "a sídrome dos estados falidos". É a “somalização” do Rio de Janeiro. Esse foi com grande probabilidade o objetivo estratégico dos assassinos de Marielle Franco. O móvel do crime, o motivo da provocação. Vamos cair nessa?
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