Donald Trump
herdou uma economia em franca expansão, espetacularmente recuperada pela ação
neo-keynesiana de Obama. Uma situação de virtual pleno-emprego. É claro que a
recuperação não beneficiou a todos igualmente. Os salários só começaram a subir
mais recentemente.
E aconteceu algo que pouca gente imaginava durante campanha
eleitoral: uma boa economia virou passe livre para uma assustadora experiência populista de direita.
A sabedoria convencional parecia indicar que uma economia recuperada favoreceria os democratas,
que haveria um reconhecimento da performance do primeiro presidente negro. A
recuperação econômica, inclusive, era bem mais evidente, em 2016, do
que quando Obama foi reeleito, em 2012.
Paradoxalmente essa segurança na recuperação, pode ter levado um segmento decisivo dos
eleitores brancos, pouco instruídos e sensíveis a pulsões xenófobas a um voto “audaz”, ganancioso:
apostar nos possíveis ganhos imediatos das (contraditórias) promessas de Trump:
uma redução drástica de impostos, –particularmente para os ricos que ao
consumir e investir dinamizariam a economia, conforme reza o duvidoso credo
republicano — mais gastos militares e desregulamentação dos combustíveis
fósseis, carvão e petróleo e, sobretudo, um trilhão de investimento em infraestrutura.
O último ponto era algo que os democratas queriam fazer mas os republicanos, os guardiões das
contas públicas, não deixavam. O combate ao déficit público e a ideia de um
orçamento equilibrado que foram, durante os anos Obama, um leitmotiv obsessivo do discurso econômico republicano, em
particular daquele pequeno pulha tão celebrado pela grande mídia, o deputado
Paul Ryan. Mas qual déficit que nada! Já não fala mais nisso. Enormes déficits estão sendo docemente entubados pelas vestais do equilíbrio macroeconômico. Como na era Bush mas ainda pior...
Caminhamos para uma
explosão monumental do déficit público norte-americano que no curto prazo vai dopar a economia americana em moldes que, curiosamente, lembram o “momento Dilma” da economia brasileira. Por isso é improvável
que a economia traga maiores embaraços políticos para Trump, no curto prazo e poderá ate ganhar eleições por conta disso. A
trolha certamente virá mais a frente mas até lá muita coisa pode acontecer.
Parece
seguro imaginar que a economia não será o ponto fraco de Trump, a curto prazo.
Ele terá problemas maiores noutras searas. O
crime que os republicanos estão prestes a perpetrar contra o Obamacare deixando sem seguro-saúde, nos próximos anos, milhões de pobres americanos --muitos deles
eleitores de Trump-- será certamente fator de desgaste. Também o serão as investigações dos promíscuos laços de grana, de longa
data, de Trump com a cleptocracia russa. Ali tem
coisa cabeluda e ela tende a se escancarar, mais cedo ou mais tarde.
Na questão
ambiental e climática o retrocesso já é dramático. Ataque à regulação, à eficiência
energética, forte estímulo a queimar mais carvão, diesel e combustíveis fósseis
em geral. A regulação nos estados governados por republicano vai nesse sentido:
Montana proibiu as eólicas de se conectarem as redes. Vários outros estados cogitam
sobretaxar os carros elétricos. Por aí vai. O Al Gore acredita que a dinâmica das energias limpas é irreversível: o solar oferece mais empregos que o carvão, as eólicas se generalizam em estados governados por republicanos, como o Texas. Tentar voltar ao tempo do carvão-rei e dos grandes carrões parece fora de época. Mas...
Embora chocante a politica de Trump a essas
alturas bastante clara: nenhuma inflexão rumo ao centro, prioridade absoluta para
manter seu bloco eleitoral emocionalmente contemplado com ele “cumprindo suas promessas” ou, pelo menos, aparentando
fazer o possível para.
A desmoralização das instituições e de qualquer autoridade
moral: a verdade objetiva dos fatos, os juízes, as regras de convivência
democráticas estão sendo submetidos a uma estridente algazarra de sucessivas mentiras (ou “fatos alternativos”) num ritmo tão alucinante que
qualquer apuração ou desmentido factual vai se tornando pouco audível ou anacrônico.
Trump assume claramente que tem uma minoria de uns 40% da população e que uns 50% não o aceitam nem irão fazê-lo. Aposta na
desmoralização, desmobilização, passividade desse bloco majoritário das grandes
cidades e que faz girar o essencial da economia norte-americana. Aposta que
conseguirá ir se segurando com um apoio fanatizado de uma maioria de brancos de
baixa classe média, das cidades menores, distantes dos grandes centros
litorâneos. Com o firme apoio da plutocracia republicana de seu establishment político que termina por ter relaxado e aproveitado seu estupro, pela Fox News e pelos audaciosos esquemas de internet criados por seus seguidores nessa era de pós-verdade.
Ele é favorecido por circunstâncias e regras políticas: os republicanos
controlam a grande maioria dos estados e redesenharam os distritos eleitorais
para a Câmara a seu favor. Em 2018, a grande maioria das vagas em disputa no
Senado é de democratas. Os democratas apresentaram grandes lideranças políticas nas recentes décadas: Obama, Bill Clinton, John Kerry, Al Gore mas desses apenas os dois
primeiros mostraram talento para vencer eleições. A capilaridade dos democratas deixou a desejar e seu grau de divisão felicitou a vida dois republicanos mais de uma vez.
Admitamos, a esquerda norte-americana é uma
das mais burras do mundo. Aquele slogan “Bernie or Bust” (refrão das últimas primárias que
significava “Bernie Sanders ou foda-se”) pode ter tido seu papel na derrota de
Hillary, embora ela não fosse uma boa candidata.
De qualquer modo há uma
interminável lista de sandices que a esquerda norte-americana aprontou nas
últimas décadas e que ajudou sobremaneira os republicanos. A candidatura de Ralph Nader, em 2000. Bush tonou-se presidente com 500 mil votos a menos por conta disso. Agora Trump repete a façanha com quase 3 milhões, a menos.
E temos essa ladainha do “politicamente
correto” uma das mais deletérias invenções dessa esquerda. Algumas dessas idiotices acabaram arribando por
aqui e sendo adotadas pelos radicais daqui. A mais recente é essa
sesquipedal imbecilidade da “apropriação
cultural”: peças de vestuário viram propriedade intransferível
de uma comunidade racial ou cultural!
É difícil imaginar algo mais
reacionário, mais ao gosto de Trump. O progressismo sempre foi a geleia
geral, o mistureba, a multi-apropriação mútua do melhor das muitas
culturas, o multiculturalismo militante. Então fazer de um turbante ou de um quimono
apanágio de negros ou de japoneses é de fato o fim da picada. Mas picada essa que tem ponto de partida bem identificado: vem
dali, do “politicamente correto” gestado pela mais burra esquerda norte-americana...
Mas voltemos a quem se deu bem nessa quadra da história o inacreditável Donald. Os EUA chafurdam agora num terreno inexplorado, vivem um experimento para o qual a ciência política ainda carece
de régua e compasso. Uma bizarrice fascistóide da era onanodigital.
É
plausível se supor que qualquer dia desses a casa caia. A questão é quando isso vai acontecer e o preço a se pagar. Pode
demorar a depenada e des-topetada do patusco Donald.
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